Diálogos Ciencialist

 
 

Abril a Junho de 2000 eCC

   Teorias Realistas Atuais e O Paradoxo EPR

 

Advertência: Mensagens de Mailgroups ou de Newgroups são escritas durante bate-papos amigáveis do dia-a-dia e normalmente não são sujeitas a uma correção rigorosa. Não devem pois ser interpretadas como artigos de revista e/ou de anais de congressos.

Para ler todas as mensagens da thread clique aqui


msg 1
De: "Alberto Mesquita Filho"
Data: 15/04/00

TEORIAS REALISTAS ATUAIS

Alberto Mesquita Filho
© 1987 - Atualizado em abril/2000

1) A experiência EPR

Muitos estudos surgiram, em física, na tentativa de explicar as propriedades observáveis em dois sistemas A e B que se afastam de uma situação em que interagiram. Em geral, pertencem a um de dois grupos conforme aceitem ou não o critério de separabilidade proposto por Einstein a se apoiar na experiência EPR de pensamento. Um desses grupos engloba as chamadas "teorias realistas locais" e o outro as "teorias realistas não-locais".

tra01Pensemos, a fim de clarificar o conceito, na seguinte situação hipotético-analógica: Uma caixa envia bolas brancas ou pretas para a direita D e para a esquerda E, concomitantemente. A caixa está dotada de um mecanismo interno, não visualizável, responsável pela seguinte peculiaridade: Quando a bola que sai à direita é branca, a que sai à esquerda é preta, e vice-versa. Nunca saem ao mesmo tempo, e para cada lado, duas bolas iguais. Existe o que se chama uma correlação negativa entre os efeitos de cada lado.

As conclusões procuradas com este "experimento real" não implicam no conhecimento intrínseco ou no mecanismo através do qual a caixa produz a correlação negativa. Ainda que, para este caso analógico, não seja impossível, não é necessário conhecer como a caixa efetua esta "mágica". Consequentemente, o método de abordagem é fenomenológico.

A rigor, não estamos interessados na caixa, nem na coloração das bolas emitidas, mas num análogo "imaginário" semelhante, qual seja, a "experiência de pensamento" proposta por Einstein, Podolski e Rosen que, em 1935, chegou a abalar a física moderna em seus alicerces. Einstein e al. admitiram a possibilidade da determinação de propriedades relacionadas ao movimento de uma partícula A que interagiu recentemente com outra B. Ambas estão se afastando e a medida efetuada em uma delas "não deve" afetar o comportamento da outra, pelo menos instantaneamente. As propriedades "medidas" nada mais eram do que a velocidade e a posição, associados à massa através de relações aceitas tanto pela física clássica quanto pela mecânica quântica, para o tipo de interação. Com o resultado "medido" em A e sabendo-se da interação recente com B, podemos estimar o valor da mesma propriedade em B e com o mesmo grau de exatidão. E isto graças às leis de conservação relacionadas à correlação negativa observada: quando A interagiu com B, B interagiu com A em intensidade igual e oposta (ação e reação).

Seria então possível medir uma propriedade relacionada à posição em A e outra relacionada ao movimento em B e, sendo verdadeiras as premissas, poderíamos caracterizar tanto a posição quanto o momento de A e B, o que iria contra o princípio da incerteza, um dos alicerces a apoiar a física quântica e construído com hipóteses outras e não assumidas "a priori" quando da construção do argumento descrito no parágrafo anterior (experiência de pensamento).

A experiência EPR é um construto hipotético e imaginário. Seu caráter hipotético é aceitável pois apoia-se em observações experimentais (existência de interações e leis de conservação). O imaginário é admitir que esta correlação realmente está sendo medida, ou seja, que existe uma propriedade, e não um mero artefato de técnica, que está influenciando os aparelhos de medida. No caso da caixa, emissora de bolas, poderíamos dizer que este caráter imaginário é aceitável, pois estamos simplesmente assumindo que a diferença de cores não é uma ilusão de óptica ou instrumental. No caso do construto EPR podemos também concluir pela aceitação, pois temos no que nos basear ao afirmarmos que a determinação da posição ou do momento não é um artefato instrumental.

É importante enfatizar que todas as suposições efetuadas por EPR a justificarem seu construto, são aceitas como verdadeiras tanto pela física clássica quanto pela física moderna. Quem está sendo colocado em xeque é o princípio da incerteza, a incorporar hipóteses contrárias à física clássica e compatíveis com a física quântica. Dito de outra forma: Trata-se de uma experiência de pensamento, e, portanto, a primeira vista irrealizável, a demonstrar algumas das linhas de demarcação entre física clássica e física moderna e a comprovar que uma das duas é insustentável, ainda que não se possa dizer qual. A escolha entre uma e outra apoia-se única e exclusivamente no "critério da opção" e, por que não dizer, no "critério do bom senso". Sob esse aspecto, Einstein posicionou-se contrariamente ao princípio da incerteza e favoravelmente às hipóteses assumidas como verdadeiras na experiência EPR, nenhuma das quais contraria a física clássica.

A experiência EPR está amparada em três premissas, as mesmas que apoiam as ciências naturais: a) o realismo propriamente dito que, se negado, aposentaria todos os cientistas experimentais; b) o método científico, que é o que diferencia o cientista do filósofo; e c) os critérios de localidade e separabilidade que, por terem sido apontados pelo pai da teoria da relatividade, merecem alguma consideração.

As "medidas" assinaladas na experiência EPR são efetuadas enquanto as partículas se afastam. Como são medidas da "memória" de um confronto recente, estão correlacionadas. No entanto, nada impede que a medição em uma das partículas modifique o comportamento da outra, após um curto intervalo de tempo em que a modificação se propagou. Mas até que este intervalo ocorra, o raciocínio de Einstein é perfeito; e após este intervalo, as considerações teóricas que se possam fazer são irrelevantes, pois a experiência já acabou. Não importa se este intervalo é igual a um século, um segundo, ou um milésimo de segundo. O importante é a não dogmatização da instantaneidade e isto nada tem a ver com o limite postulado na teoria da relatividade. Consequentemente, pelo menos na análise desta experiência imaginária, o realismo de Einstein não difere do realismo clássico ou, mesmo, do realismo newtoniano; e, portanto, as críticas que se utilizam desta abordagem nada mais fazem do que confundir o leitor, sem nada acrescentar.

Por outro lado, Einstein jamais considerou o chamado comportamento não-local, das chamadas teorias realistas não-locais, como uma solução mas, sim, como a prova cabal de que a mecânica quântica, como estava formulada, era absurda. E não foi por outro motivo que Bohr se levantou contra. Pois este também não era tão ingênuo e, se o problema fosse tão simples assim, entre optar por teorias locais ou não locais, os dois, ao invés de discutirem, iriam festejar juntos o encontro de uma saída louvável para ambos.

2) Teorias Realistas Locais e Não-Locais

As "teorias realistas locais" aceitam a seguinte afirmação: "os valores reais dos observáveis de cada um dos dois sistemas A e B, mesmo quando correlacionados, são independentes da escolha que se faz dos observáveis a serem medidos no outro. Ou seja, o processo de medida em A não interfere em nada com nenhuma das propriedades de B de maneira instantânea. Às vezes as teorias realistas locais são confundidas com a física clássica, o que não retrata a verdade pois pertencem à visão moderna da física embora não aceitem algumas de suas hipóteses (o princípio da incerteza, por exemplo).

As "teorias realistas não-locais" são aquelas que aceitam o absurdo previsto por Einstein, caso suas idéias, no que diz respeito à separabilidade, fossem refutadas. Às vezes, as teorias realistas não-locais são confundidas com a mecânica quântica ou com algumas de suas versões (por exemplo, a linha ortodoxa ou de Copenhagen). Alguns autores deixam implícito tratarem-se de coisas diferentes (teoria quântica e teorias não-locais), ainda que não mostrem uma linha de demarcação nítida, pois as teorias não-locais têm sido utilizadas para justificar a física quântica.

Talvez uma das diferenças seja a seguinte, ainda que não tenha notado um consenso a respeito: Segundo as teorias não-locais, a medição das propriedades de um dos sistemas (partícula A) poderia alterar instantaneamente o valor das propriedades do outro sistema (partícula B). E, assim sendo, a caixa de bolas não poderia ser utilizada como "experimento hipotético-analógico". Como a expressão "propagação instantânea" não é muito bem vista, desde os primórdios da física, os adeptos destas teorias preferem considerar os sistemas A e B como não separados. Ou seja, embora A e B estejam se afastando, o sistema continua sendo um só e, portanto, não há porque se falar em propagação. As consequências destas postulações são incríveis e, certamente, caso comprovadas em definitivo, abalarão todas as teorias que lidam com sistemas físicos, ou seja, toda a física. Neste ponto é mais cômodo aceitar a mecânica quântica como uma teoria que funciona e pecar por omissão: Deixa-se o "realismo" de lado e adota-se, pura e simplesmente, o anti-realismo de Bohr. A partir daí aceita-se o dogma da correspondência e as dores de cabeça acabam sendo amenizadas e a traduzirem-se por problemas menores como, por exemplo, a explicação da entropia, da difração, das equações de Maxwell, do "spin", ...

3) Por falar em "spin"...

Em 1926 Uhlenbeck e Goudsmit tentaram explicar o espectro da luz emitida por átomos contendo um único elétron admitindo que este girasse. A idéia era genial. O elétron, em órbita em torno do núcleo do átomo, giraria em torno de seu próprio eixo, tal e qual a Terra. A esta propriedade do elétron deu-se o nome de "spin" que significa giro.

Em 1924, Stern e Gerlach já haviam observado que o elétron em órbita, ao ser lançado num campo magnético, comporta-se de duas maneiras apenas: ou é desviado no sentido do polo norte do campo, ou no sentido oposto. Não demorou muito para que se relacionasse estes efeitos ao "spin", descrito dois anos mais tarde. À primeira vista, a situação não é muito diferente daquela observada com um pião num campo gravitacional: ou ele gira no sentido horário, ou no antihorário; e o eixo de giro procura sempre a situação de equilíbrio dinâmico, representada pela posição vertical.

Em se tratando de uma idéia genial, não demorou muito para que toda a física moderna se encantasse com o "spin". Uma das primeiras teorias a incorporá-lo foi a mecânica quântica. Porém, a comparação com o pião, ou mesmo com o giro da Terra, não é muito bem vista pelos adeptos da teoria; a menos que como método mnemônico e, assim mesmo, quando a matemática quântica permite. E não é prá menos! Notem bem que se conhecermos o sentido de giro e a direção do eixo de um elétron, pelo menos no referencial da partícula estaremos definindo todo o movimento do elétron. E isso é "proibido" (princípio da incerteza) pela mecânica quântica. Desta forma, aceita-se a idéia de "spin" desde que não se adote uma conceituação absoluta. E a menos que retrate única e exclusivamente o produto de duas variáveis que concorde com as relações de Heisenberg. E a matemática quântica atingiu este sucesso de forma que o "spin" hoje é meramente uma entidade matemática e não física.

Não é necessário dizer que a idéia de um giro bem definido para o elétron também não concordaria com algumas das fabulosas equações da teoria eletromagnética. E, portanto, o "spin" é uma entidade abstrata e que serve exclusivamente para explicar determinados fenômenos, mas sem jamais derrubar dogmas já "bem" estabelecidos.

Um conceito bastante relacionado ao "spin", porém de natureza um pouco diferente, é o da polarização da luz. Este efeito foi primeiramente notado por Newton que, muito sabiamente, relacionou-o aos "lados da luz". Se aceitarmos os conceitos newtonianos, poderemos dizer que da mesma forma que um elétron tem faces horária e antihorária, a luz tem "lados" que, de alguma forma, originam o efeito macroscópico observado e chamado polarização. Newton foi mais além achando que estas propriedades do raio de luz fossem análogas, porém não idênticas, a propriedades magnéticas. E, como vimos acima, o "spin" também está bastante relacionado ao magnetismo.

4) Uma Nova Luz

John S. Bell (1964) verificou que muitas das teorias locais e não-locais relacionavam-se ao que chamamos "spin" de partículas ou à polarização da luz. Notou também que, em condições especiais, as previsões das teorias realistas locais diferiam das "previsões" da mecânica quântica ortodoxa. E conquanto a mecânica quântica ortodoxa ignore o realismo, existiam também as teorias não-locais a compatibilizarem-se com as "previsões" da mecânica quântica.

É difícil saber, frente as inúmeras correntes divergentes, se existe algum consenso entre a aceitação ou não do princípio da incerteza pelos defensores das teorias locais. Não obstante, para sabermos se as idéias de Bell fazem sentido, é fundamental que se esclareça este ponto de vista. Isto porque, pelo menos em teoria, está se trabalhando com resultados experimentais hipotéticos e interpretados com a suposição de que o "spin" é aquilo afirmado pelos físicos quânticos, estando inerente nesta interpretação o princípio da incerteza. Consequentemente, para uma teoria que não aceita o princípio da incerteza, o "spin" não faz sentido e nada que possa resultar da medição de algo que não faz sentido poderá abalar seus alicerces. Isto não é o mesmo que desprezar a experimentação (que no caso é hipotética). O problema é que devemos verificar o que é que a experiência realmente está medindo no contexto da teoria que está sendo falseada. Se aceitarmos, de antemão, e como premissa experimental, que o princípio da incerteza é verdadeiro, jamais poderemos falsear uma teoria que, por suas hipóteses, mostra-se incompatível com tal princípio. Resumindo: as idéias de Bell, no que diz respeito ao "spin" fazem sentido, para o caso das teorias não-locais, se, e somente se, tais teorias forem compatíveis com o princípio da incerteza. Corolário: as idéias de Bell, no que diz respeito ao "spin", não servem como argumento a contradizer nenhuma das teorias clássicas da física.

5) Que dizer da polarização da luz?

A polarização da luz, sob alguns aspectos, tem sido interpretada, pelos físicos modernos, de forma muito semelhante ao spin. Assume-se, por critérios não clássicos, que a polarização, associada aos fótons, estaria também comprometida com o princípio da incerteza. E, do ponto de vista experimental, isso fica patente pelo exame do equipamento utilizado na experiência de Aspect e col., a medir propriedades que em muito se assemelham àquelas observadas no lançamento de uma moeda: cara ou coroa, mais ou menos, up ou down, yin ou yang, etc. Ora, em física clássica não existe o princípio da incerteza; em física clássica não existe este dicotomismo na interpretação da polarização. Em física clássica existe a lei de Malus observada pela primeira vez há 191 anos (1809) por Etienne Louis Malus que pode ser enunciada como: "A intensidade da luz ao passar por dois polarizadores inclinados de um ângulo alfa é proporcional ao quadrado do cosseno de alfa." Da mesma forma que o "spin" quântico não pode ser interpretado como giro, graças ao princípio da incerteza, a polarização quântica não comporta a interpretação clássica que possa se dar à lei de Malus (um dado sem dúvida alguma experimental e que, sob certos aspectos, falseia a teoria quântica).

Concluindo: As idéias de Bell, em hipótese alguma, contradizem as teorias clássicas da física e a experiência de Aspect, quando muito, serve como critério para escolha entre o roto e o esfarrapado, qual seja, entre as teorias locais e as não-locais.

Anexo: Considerações sobre experimentos de pensamento

A utilização de experimentos de pensamento, em ciência, é legítima, mas impõe uma cautela extrema. Nem tudo é válido neste terreno e a lógica não pode suplantar a razão. Um exemplo de raciocínio falacioso, e que se utiliza de construtos hipotéticos, é aquele que diz que ao ultrapassarmos a velocidade da luz inverteremos o tempo. Pode até ser verdadeira a afirmação, mas tem sido utilizada como argumento a fortalecer a teoria da relatividade. Ora, a teoria da relatividade afirma, aprioristicamente, que a velocidade da luz é uma constante absoluta (para não dizer que seria impossível ultrapassá-la, mas este é outro assunto) e a afirmação também apoia-se neste "a priori"! É evidente que a não aceitação deste "a priori" desfaz toda a argumentação. Eu poderia simplesmente dizer que ao ultrapassar a velocidade da luz, a luz refletida estaria numa velocidade superior à da luz comum. Logo, jamais me enxergaria chegando, não havendo necessidade de inverter o tempo! Seria como ultrapassar o som: podemos ouvir um som do passado mas não invertemos o tempo com esse artifício.

Este artigo, apresentado na Lista de Discussão "ciencialist" em 15/abril/2000 é uma versão atualizada de tópicos apresentados no livro do mesmo autor: "Confesso Que Blefei! - Física Antiga x Moderna", editora da Universidade São Judas Tadeu (na época Faculdades São Judas Tadeu), São Paulo, © 1987 - Direitos autorais requeridos. Reprodução permitida nos meios acadêmicos, listas de discussão da Internet relacionadas a ciência e/ou filosofia e páginas Web de sites informacionais relativos a, ou especializados em, ciência e/ou filosofia, desde que completa, com a citação do autor e sem visar fins lucrativos. Reprodução proibida para fins comerciais, a menos que com autorização expressa por escrito e assinada pelo autor.

[ ]'s
Alberto

Para ler todas as mensagens da thread clique aqui

DHTML Menu By Milonic JavaScript