Diálogos Ciencialist

 
 

Abril a Junho de 2000 eCC

   Teorias Realistas Atuais e O Paradoxo EPR

 

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msg 5
De: "Alberto Mesquita Filho"
Data: 16/04/00
Belisário: OK, você está certo. Em nenhum momento você citou aquele par de variáveis, desculpe-me pela "calúnia" risos.

Bem, também não foi assim risos. Sua estranheza faz sentido. Nem sempre, em meus textos, consigo deixar os receptores em sintonia comigo, o emissor. Aliás, esta é uma das desvantagens daqueles que procuram colocar a matemática num segundo plano pois o simbolismo matemático, conquanto limite o número de receptores, axiomatiza conceitos de maneira a deixar-nos livres de cometermos erros elementares. Costumo dizer que muitos físicos (observação pessoal) efetuam uma integração sem saberem o que estão fazendo e, não obstante, chegam ao resultado correto. Eu, muitas vezes, me vejo indo à raiz do problema e acabo chegando, não raramente, a um resultado incorreto. Talvez resida aqui uma das diferenças entre um artigo publicado e um artigo oferecido como convite a um diálogo. O primeiro é apresentado como uma idéia acabada, pelo menos num sentido temporo-espacial e a esgotar o que neste tempo e neste espaço passa pela cabeça do autor; o segundo transmite quase sempre uma idéia inacabada e sujeita a reformulações, até mesmo, e quase sempre, pelo próprio autor.

Belisário: Mas analisemos de novo: "Assumi como par conjugado posição e momento angular clássico." Mas a posição é conjugada ao momento linear, e o momento angular é conjugado à posição angular (ângulo de rotação) - vide as relações que citei do Schiff. Sobre a posição linear e o momento angular, podemos, sim, determinar seus valores simultaneamente com a precisão que quisermos, sem ferir o princípio da incerteza, porque essas duas variáveis não constituem um par conjugado.

Creio que assumi simplificações conceituais apoiadas no critério analógico, uma ferramenta útil quando conhecemos bem os objetos a serem comparados mas, com frequência, não se justifica por si só. Na realidade, relaciona-se ao "raciocínio intuitivo", a ser complementado pela "compreensão física" do fenömeno estudado. Não obstante, e como já me referi, essa intuição, quando científica, via de regra tras uma lógica intrínseca. O que em hipótese alguma justifica os erros cometidos por conta da confiança excessiva na intuição. Mas a ciência é assim e ela também evolui a custa de erros. [Olhe a sequência de mudanças de posição a retratarem o diálogo "meu comigo mesmo" risos. Isto é dialética.]

No caso exposto confiei na analogia entre a mecânica translacional (em particular do corpúsculo puntiforme) com a mecânica das rotações (do corpo rígido). No primeiro caso temos posição (x, y, z) e momento mv, e foram estes que assumi como básicos para o construto analógico. No segundo caso temos o momento angular (a comportar a velocidade angular) e o eixo que estou considerando como referencial desta medida, a retratar a posição angular e que, na analogia indicada, pela semelhança de equações, ocuparia o lugar da posição. Seria então uma analogia com embasamento matemático, porém com menor conteúdo físico. Fisicamente falando o processo é um pouco mais complexo pois num caso estou efetuando considerações válidas para um corpúsculo puntiforme e, no outro, para um corpo rígido.

Começo a entender melhor, a partir de suas críticas, não a sua estranheza para com minhas idéias, mas "a minha" estranheza para com os fenômenos que temos discutido e pela forma como são costumeiramente interpretados, ou então para com a mecânica quântica, ou para com a teoria de Maxwell. E até mesmo a porquê, por mais que tente, não consigo ser entendido pela maioria dos físicos num argumento que, conquanto possa estar errado, tem uma lógica que considero perfeita. E começo a entender como e porquê cometi certos erros em meu texto original (1986) bem como na atualização que fiz recentemente (abr/2000) e na msg anterior desta thread.

O fulcro da questão, porém, permanece o mesmo. Diria, ao reformular meus argumentos, que a experiência EPR supõe a simplificação "partícula puntiforme". Mas um ponto não tem dimensão, podendo ser pensado como dotado apenas de momento linear e posição. A versão de Bell assume como similar a essa "partícula puntiforme", os férmions da mecânica quântica. Mas estes somente podem ser pensados como "partículas puntiformes" (na física clássica) se desprezarmos, como teria sido feito pela matemática quântica, alguma coisa relativa a alguma possível dimensão que eventualmente possam ter. Assim, se essas partículas forem essencialmente clássicas e dotadas de giro, e portanto não puntiformes, algum artifício matemático deveria ser construído para esconder esta característica sem, no entanto, descaracterizar efeitos observáveis e decorrentes deste giro; e este artifício nada mais foi do que dotá-la do "spin" quântico.

A coisa seria simples se eu estivesse meramente retratando uma possível falácia na mecânica quântica. Porém, a idéia de que o elétron pode ser pensado como uma "partícula puntiforme" está embutida no eletromagnetismo de Maxwell!!! Com efeito, o elétromagnetismo assume como certa a característica coulombiana de um elétron, como se o elétron fosse uma carga elétrica. Mas e se não for? E se o elétron não gerar na realidade um campo coulombiano? E se ele não se portar como uma carga coulombiana quando colocado num campo elétrico, o que é assumido implicitamente no postulado 1 de Bohr da mecânica quântica primitiva? E que certamente foi incorporado, por algum artifício matemático, na física quântica atual?

Dirá você que as experiências de Thomson e Millikan confirmam o elétron como uma partícula coulombiana mas eu diria que as experiências a retratarem o "spin", por ex. Stern e Gerlach, analisadas classicamente, falseiam esta idéia de elétron puntiforme e coulombiano. Mas aí você irá me dizer que estas experiência falseiam, sim, a teoria de Maxwell mas não a física quântica, e ficamos andando em círculo!!! Pois o que justifica a existência da física quântica é o fato de, em seus primórdios, a teoria de Maxwell ter se mostrado inconsistente com fenômenos relacionados ao microcosmo, qual seja, o comportamento do elétron na constituição do átomo. Se a teoria de Maxwell não tivesse sido falseada, a teoria quântica não teria sua razão de existir. Porém se a física de Maxwell for colocada em seu devido lugar (eletrodinãmica de fluidos ou de partículas puntiformes, supostos elementos de volume sofisticados), a física quântica também perde o seu caráter de única saída viável, restando-nos apenas o seu caráter ilógico a apoiar-se no seu desafio ao senso comum e a fazer previsões que qualquer algoritmo sofisticado poderia fazer com a mesma facilidade.

Belisário: Desta forma, continuo com a dúvida:

Sinto ter ampliado o questionamento e multiplicado os possíveis fatores a gerarem dúvidas. Vou deixar de lado, à luz dos novos fatos apresentados, algumas considerações sobre se Bell estava ou não assumindo o argumento válido. Se quiser, poderei rediscutir o problema com a finalidade de corrigir possíveis falácias que tenha cometido. Creio que no momento trata-se de um questionamento secundário e que poderá ser revisto a qualquer tempo sem prejudicar as demais conclusões.

Alberto: Sentido de giro "mais" a direção do eixo "juntos" constituem apenas uma das variáveis.
Belisário: Mas não é isso que você disse depois: "Assumi como par conjugado posição e momento angular clássico." Sentido de giro+direção do eixo não constituem nenhuma dessas duas variáveis (ou sim?). Além disso, sentido de giro+direção do eixo não define completamente o movimento do elétron, mesmo no referencial da partícula, porque falta a velocidade de rotação (ou, alternativamente, o momento angular, que, no caso do elétron, é expresso pelo número quântico 1/2, o que define um momento angular de spin de h/4pi. Porém, no fim do parágrafo você citou o momento angular, do que decorre que devo ter cometido algum erro de interpretação).

Realmente, cometi mais um erro que, conforme relatei acima, resultou da confiança excessiva da intuição na comparação analógica de fenômenos distintos. Não me dei conta de que estava assumindo um elétron clássico não puntiforme e aceitando uma analogia com o movimento linear de uma partícula puntiforme. Também cometi o erro de confiar excessivamente em meus conceitos relativos a dinâmica dos corpos rígidos, já perdidos no tempo, e não me preocupei em revisar a literatura básica a respeito (um livro didático seria o suficiente), com o que facilmente teria me dado conta da situação e apresentado o tema como estou tentando fazer agora.

Belisário: Além disso, devo tecer uma ressalva quanto à escolha do referencial da partícula. O estado físico da partícula é descrito, em Física Quântica, por uma função de onda. Esta função de onda relaciona-se com as probabilidades [...]

Tudo o que você afirma neste parágrafo cortado é verdadeiro do ponto de vista quântico e faz sentido no sentido de contrapor-se ao que mencionei na última msg. Creio que critiquei a física quântica sob um ponto de vista um pouco ingênuo, porém apoiado em argumentos outros que não chegaram a ser descritos.

Belisário: Eu também não li o artigo do Bell na fonte. Nem o do Aspect. Mas eu sugiro que leia - toda vez em que eu escrevo algo a ser publicado, procuro ler todas os artigos que cito, mesmo que seja trechos do Principia de Newton, porque, em geral, o que dizem em segunda mão é assaz diferente da idéia original do cara.

Concordo plenamente e, independentemente de publicar ou não o resultado de minhas "meditações transcendentais", procuro quase sempre ir à fonte. Não obstante, "na prática do dia-a-dia", um exagero nesta atitude iria contra o meu popperianismo (aprender pelo diálogo), risos, ainda que possa dizer que estaria "dialogando" com os livros e artigos.

Alberto: Não sei até que ponto essa dicotomização faz sentido para a física quântica se não como algo a embutir em si o princípio da incerteza, mas não teria sentido algum para a física clássica, onde seria de se esperar um leque de possibilidades e não apenas duas (e esse leque é que poderia ser suspeitado pela lei de Malus).
Belisário: Presumo que você diga que a dicotomização - que eu chamaria de quantização - da polarização do fóton embuta o Princípio da Incerteza por uma analogia com o caso do spin. Se assim for, meu contra-argumento é o mesmo do caso do spin.

E o meu é, agora, o mesmo do caso da consideração do elétron como uma partícula puntiforme. Concordo que para o fóton a coisa complica-se mas consigo enxergar também um caráter corpuscular para a luz e a me ajudar, se não como fato real, como método mnemônico a ser utilizado na compreensão de alguns dos aparentes absurdos relativos a sua natureza dual (dualidade esta também compartilhada pelo elétron). Digo que complica-se pois posso dizer classicamente que o elétron gera um campo mas o fóton parece fazer parte deste campo ou, pelo menos, e talvez mais corretamente, de suas modificações no decorrer do tempo. tra02Enfim, a imagem analógica, relacionada à polarização, está exposta na figura em anexo.

Perdoem-me se cometi algum pecado ao introduzir uma figura na msg, mas ela é pequena (tem poucos Kb's) e creio que se fazia necessária para o entendimento de minha analogia, ainda que utilizada como método mnemônico.

Belisário: (Essa analogia teria, porém, alguns problemas conceituais, por exemplo, relativos ao que vem a ser o referencial do fóton - já que não há sistemas inerciais em repouso em relação a um fóton no vácuo).

Parece-me que aqui teríamos que considerar aspectos relativísticos. Não sei se vale a pena adentrar por esse terreno agora mas, se o nosso diálogo continuar, certamente esse momento chegará.

Belisário: Só se pode entender a lei de Malus se supusermos que a luz é uma onda transversal, e que portanto possui estados de polarização. O que a Física Clássica não explica é a interação entre a luz e o polarizador, que envolveria a Física do Estado Sólido, só explicável através da Física Quântica.

Eu diria a "luz ondulatória". Se pensarmos na luz não ondulatória mas "alguma outra coisa" passível de ser explicada pela física clássica (corpuscular "ou não"), talvez pudéssemos deixar a física quântica de lado na explicação da lei de Malus.

Belisário: Uma vez ignorada esta parte e suposto que um polarizador bloqueia totalmente a componente do campo elétrico da luz perpendicular ao seu eixo de polarização - e deixa passar inteiramente a outra componente, paralela -, a lei de Malus fica explicada: a componente que ele deixa passar é proporcional ao cosseno do ângulo (por geometria e aceitando-se o princípio da superposição). A intensidade da luz é proporcional ao quadrado do campo elétrico, e portanto proporcional ao quadrado do cosseno.

A explicação é, sem dúvida, bastante interessante.

Belisário: Quanto ao texto para o Fábio Chalub: [...] achei curiosa aquela menção dos cientistas te procurarem por partirem do princípio que cientistas de países sem tradição científica estão menos sujeitos ao dogmatismo...

Realmente é curiosa. Não me pareceu tratar-se de uma conduta preconceituosa e não me lembro de que estivessem implicitamente se referindo ao nosso subdesenvolvimento. Lembro-me, sim, de que eles estavam julgando-me um privilegiado por ser um teorizador vivendo num país de menor tradição científica do que os seus. Qualquer dia reverei estas msgs que são já incontáveis.

Por outro lado, com respeito ao dogmatismo, recebi uma vez comentários de um físico argentino a elogiar nossa postura na aceitação da teoria da relatividade bem como na visão crítica dos físicos brasileiros. Não sei o que ele estaria tentando dizer quanto a visão dos físicos argentinos e nem sobre a aceitação ou não da teoria da relatividade em seu país. Enfim, a galinha do vizinho sempre bota os maiores ovos.

[ ]'s
Alberto

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