msg 19 De: "Alberto Mesquita Filho" Data: 05/05/00 Olá, Belisário. Estávamos ansiosos a espera de seu retorno e, brincadeiras a parte, na torcida para que, além da viagem, que espero tenha sido agradável, o problema acusado fosse realmente de pequena importância. Fiquei com algumas dúvidas relativas ao seu outro texto (paradoxo EPR) mas, se necessário for, comentarei na thread conveniente. Vejamos então alguns detalhes da msg 12 (4628 na Ciencialist): Belisário: Os argumentos de Bell e o paradoxo EPR podem ser formulados de forma que independa das características particulares do sistema físico estudado; a exigência seria apenas que o sistema fosse constituído de um par de sistemas de dois níveis. Realmente a sua observação procede e creio mesmo que tanto os "argumentos de Bell" quanto o "paradoxo EPR" podem ser interpretados como teorias auxiliares (no terreno do que considero pequenas teorias falseadoras). E, com efeito, propus, em meu artigo inicial, uma situação hipotético-analógica (caixa que envia bolas brancas e pretas), denotando uma interação artificial seguida de uma separação em um par de sistemas. Existe ainda, em psicologia, o estudo de comportamento de casais separados por ocasião da realização de uma determinada medida a ser estudada e realizada individualmente e a retratar por vezes uma correlação positiva e, por outras, uma correlação negativa. A diferença talvez resida nos dois níveis (por ex., posição e momento); nos casos analógicos estuda-se, via de regra, um nível (coloração da bola). Mas nem seria necessário complicar a analogia pois o interesse da mesma é apenas didático e no sentido de ilustrar o fenômeno da separação. No prosseguimento, uma vez entendida a analogia, passa-se a utilizar dados próprios ao experimento em si, com seu par de sistemas de dois níveis. Por outro lado, vejo essa história de dois níveis (não sei se é o caso mas estou utilizando dois níveis como retratando as duas possíveis medidas, por ex., posição e velocidade -- se não for o caso, ainda assim vale o argumento que se segue) com certa desconfiança, do mesmo tipo daquela que sempre me atormentou quando da idealização, em física clássica, a considerar um corpo rígido como um ponto material. Não sou contra as idealizações. A lei da inércia, as leis dos gases, a lei da gravitação, a ação e reação entre corpos afastados, foram todas idealizações assumidas com critério; e colaboraram enormemente para o progresso da ciência. Lembro, no entanto, que em virtude de inúmeras idealizações que foi obrigado a fazer no desenvolvimento de sua teoria, Newton esperou cerca de 20 anos para encorajar-se a publicar seus Principia e só o fez após muita insistência de Halley. Sabia Newton que sua teoria apoiava-se em dados à primeira vista pouco consistentes, e deixou isso claro em vários de seus escritos, coisa que infelizmente foi relegada a um segundo plano. Em menos de um século da publicação dos Principia o conceito de ponto material deixou de ser uma idealização para se transformar em algo "real" e aceito até hoje (!!!), posto que foi incorporado tanto pelo eletromagnetismo quanto pela física moderna. Voltemos à dualidade +/-. Pensemos no seguinte: Vamos lançar um cilindro no espaço e observar o resultado obtido, ao cair ao solo, comparando-o com o lançamento de uma moeda. No caso do cilindro iremos obter os possíveis resultados: a) cara; b) coroa; c) nem cara nem coroa, mas uma infinidade de outras possíveis "faces" se admitirmos, como tais, cada um dos pontos de uma de suas circunferências periféricas relacionadas a sua superfície curva. Vamos agora reduzir a altura do cilindro de tal forma que tenda a zero. Ao chegarmos à moeda poderemos dizer com razoável certeza que iremos obter única e exclusivamente cara ou coroa, pois será muito pouco provável a terceira opção. No limite, dentro de uma incerteza estatística, teremos 50% de caras e 50% de coroas e a soma dos dois valores será sempre 100%. O que estou tentando mostrar é que o paradoxo EPR, interpretado sob a visão do argumento de Bell, está pressupondo uma idealidade equivalente àquela assumida ao dizermos que a altura do cilindro tende a zero. Em que condições essa idealidade pode me ser útil? No paradoxo EPR original? Provavelmente sim, pois aí estamos interessados em apenas um dos componentes da velocidade (na direção do afastamento das partículas A e B). Mas... e no caso do "spin"? O que é realmente o "spin"? Não digo o "spin" matemático definido por uma "teoria que dá certo", mas o "spin" que realmente foi encontrado na experimentação efetuada na terceira década de XX? Ora, o "spin" foi determinado num local onde existia um campo e não num espaço isotrópico. Se o "spin" for realmente um "giro" e se o campo utilizado, de alguma maneira, orientar partículas dotadas de "giro", digamos, de modo a que o eixo polar do "giro" oriente-se segundo as linhas de campo, esse giro somente será captado segundo dois níveis (horário ou antihorário, + ou -, yin ou yang, cara ou coroa, etc.). Em outras palavras: a experiência que mede o "spin" despersonaliza o verdadeiro "giro" das partículas de tal forma que, após passar pelo campo inerente ao equipamento experimental, só existem duas possibilidades para o "giro" das partículas: Seu momento angular irá se orientar da maneira "up" ou "down". Isto não significa em hipótese alguma que a partícula somente tivesse duas possibilidades de giro antes de entrar no equipamento. Significa apenas que o equipamento é cego para a infinidade de giros possíveis, à exceção de duas dessas possibilidades. Estaríamos então frente a uma indeterminação diferente daquela descrita por Heisenberg mas também a retratar que a medida do "spin" destrói a possibilidade de que se meça, a posteriori, quaisquer propriedades relacionadas ao efetivo "giro" da partícula antes de entrar no equipamento. No que diz respeito à polarização, o fenômeno é um pouco diverso mas também relacionado. O polarizador também interfere sob certos aspectos com os feixes de luz a ponto de promover uma certa contorsão dos planos de polarização (ou dos lados da luz, como se referia Newton) de magnitude previsível pela observação da lei de Malus. E se pensarmos numa luz corpuscular poderemos também imaginar que os fótons (bósons) estão dotados de um giro modificado pelo campo existente nos polarizadores e a promover um efeito semelhante, ainda que não igual, àquele apontado para os férmions no parágrafo anterior. Belisário: O argumento é que o Princípio da Indeterminação e a existência de sistemas de dois níveis discretos são duas hipóteses independentes. Podem não ser independentes em alguns casos (por exemplo, tanto a quantização da energia quanto o princípio da indeterminação vêm do mesmo formalismo, o formalismo da Teoria Quântica). Mas, no caso geral, parece-me que podemos considerá-los independentes. Talvez no caso geral do paradoxo EPR original, em que um dos níveis é a velocidade de afastamento. No caso do "spin" ou da "polarização" parece-me existir uma outra "indeterminação", diferente daquela descrita por Heisenberg, porém de natureza semelhante (no sentido em que o observador modifica o observado) e inerente à conceituação do que se chama "existência de sistemas de dois níveis discretos". Seriam essas duas "indeterminações" independentes? Existiria um "segundo princípio da indeterminação" na teoria quântica? Belisário: Assim, nem o teorema de Bell, nem o experimento de Aspect, nem o paradoxo EPR vão contra a Teoria da Relatividade Especial. A Relatividade (especial!) e a Teoria Quântica são compatíveis. Creio que isso responde à questão (3) do início desta mensagem. Não sei se cheguei a afirmar, em alguma das mensagens desta thread, que "as duas teorias (relatividade e quântica) falseiam-se entre si" e, como tal, seriam inconsistentes. Não é impossível que o tenha feito como também não é impossível que se encontre essa frase em alguns de meus outros escritos. E, com efeito, captei essa idéia, provavelmente importada de maneira imperfeita, de minhas leituras relativas a autores que defendem a teoria quântica. Lembro-me que Hawking, em seu livro a respeito do tempo, fala alguma coisa sobre esta possível incompatibilidade, associando-a ao princípio da indeterminação; já ouvi também, algo a respeito, de outros físicos quânticos, embora nunca tenha ouvido isso de um físico declaradamente relativista (e muitos destes aceitam o princípio da indeterminação). O que cheguei a afirmar, com respeito ao paradoxo, foi: "nada impede que a medição em uma das partículas modifique o comportamento da outra, após um curto intervalo de tempo em que a modificação se propagou. Mas até que este intervalo ocorra, o raciocínio de Einstein é perfeito; e após este intervalo, as considerações teóricas que se possam fazer são irrelevantes, pois a experiência já acabou." Logo, estou assumindo que, no paradoxo EPR, a relatividade não está em jogo. Por outro lado, conta-se também que durante o duelo entre Einstein e Bohr (na década de 30) a cada vez que Einstein surgia com uma idéia a "destroçar" com a teoria quântica de Bohr, este apoiava-se nos argumentos de Einstein e construia novo argumento a demonstrar que, caso a idéia de Einstein fizesse sentido estariam "destroçadas" não apenas a teoria quântica mas também a relatividade geral (e, talvez, por tabela, a especial). Einstein então calava-se e partia para a construção de novas "imagens de espírito". Visto por esse ângulo, e a serem verdadeiros os construtos de Bohr, as teorias são compatíveis pois ao falsearmos uma, falseamos a outra. Com respeito ao paradoxo EPR, ele foi construído para falsear a teoria quântica (em particular, o princípio da indeterminação) e não a relatividade. Consequentemente, e por ter sido levantado por Einstein no sentido de se constituir no que costumo chamar uma "teoria assassina", e não meramente uma teoria falseadora, não creio que o paradoxo tivesse o poder de falsear a relatividade, a menos que indiretamente, a exemplo das situações comentadas no parágrafo anterior e supostamente levantadas por Bohr. Belisário: Mas espero que suas idéias não se confundam com as de Bohm, porque o teorema de Bell foi de tal forma destrutivo para a Teoria das Variáveis Ocultas,.. Eu acredito que não mesmo porque as idéias de Bohm, ao contrário das minhas, tem muito pouco a ver com um retorno para uma física clássica genuinamente newtoniana. Bohm, a meu ver, tentou evoluir no sentido de chegar à proposição de uma nova teoria quântica. Algumas afinidades entre as minhas idéias e as que conheço como devidas a Bohm, decorrem dele propor modificações em alguns setores onde também proponho, ainda que sob uma visão totalmente diferente, como por exemplo: a interferência da dupla fenda, o fenômeno Aharonov-Bohm e a interpretação da não-localidade como um artefato lógico-experimental (o que ele pareceu-me pretender substituir, em seus últimos escritos, pelo que chamou de ordem superimplícita). Belisário: A propósito, o que é exatamente a sua "informação do movimento da matéria"? Pensemos, por exemplo, na propagação do som. Uma partícula vibra e transmite essa vibração para uma partícula vizinha. O que exatamente, e de que forma, esta partícula está transmitindo? Por acaso elas se tocam ao trocarem momentos? Existe "trombada" entre partículas elementares? Pois eu diria que uma partícula em vibração emite "alguma coisa imaterial" (essa expressão foi utilizada primeiramente por Newton, num outro contexto) a qual, viajando através do vácuo, de alguma forma alcança a segunda partícula e a faz vibrar. A esta "alguma coisa" chamo "informação do movimento da matéria". Outro exemplo: A que se deve a viscosidade? Por que ao girarmos um cilindro sólido, no centro de uma bacia com água, o líquido da bacia entra em movimento circular? Como as moléculas de água captam esse giro e o transmitem para as moléculas periféricas? Existiria "trombada" entre as moléculas do líquido? De maneira semelhante ao assumido no parágrafo anterior, diria que num campo de velocidades existe "alguma coisa imaterial" propagando-se na direção em que os especialistas em mecânica dos fluidos dizem existir uma propagação de momento. Pois eu digo que o que se propaga é a "informação do movimento da matéria" pois, somente assim, consigo me desvencilhar do éter, do vácuo quântico, do espaço curvo e de qualquer outra "variável escondida" candidata a quintessência do Universo e que, de uma maneira ou de outra, têm-se mostrado indispensável a qualquer teoria que pretenda ser coerente com a realidade observacional. Um terceiro exemplo: O que é o campo elétrico? E o que é o campo magnético? Não poderiam ser o resultado de um efeito relacionado ao movimento dos elétrons e relacionados a seu "giro". Digamos que uma partícula elementar ao girar emita um campo de efeitos elétricos quando vista por seus pólos e magnéticos quando vista por seu equador. Se essas partículas forem vistas na superfície de um condutor, à semelhança de um pião numa superfície horizontal, o conjunto adotará uma simetria esférica. Sob qualquer ângulo de observação, "visualizaremos" os pólos dos elétrons (e daí a comparação entre o formato de uma carga elétrica e aquele apresentado pelo "porco-espinho") e os efeitos somados dão o campo elétrico de Maxwell (Essa integração eu já fiz, para um hipotético e complexo campo eletromagnético de um elétron, e cheguei na lei de Coulomb). Ao percorrerem um fio condutor os elétrons mostram-nos o seu equador e, ao integrarmos seus efeitos magnéticos originados por esse complexo campo chegamos na lei de Ampère (essa integração também é relativamente fácil de ser feita). Ou seja, os elétrons transmitem para o espaço informações de seu movimento, qual seja, de seu "giro". Loucura? Talvez! [ ]'sAlberto |