msg 21 De: "Alberto Mesquita Filho" Data: 08/05/00 Belisário: Xi. Essa minha terminologia técnica (sistemas de dois níveis) parece ter causado problemas. ... Às vezes pareceu-me que você referiu-se à interpretação correta dos "níveis", mas às vezes não, de forma que fiquei um pouco confuso quanto a isso. Realmente eu "viajei". Ao tentar entender o conceito fixei-me numa idéia e, posteriormente, ao procurar expor uma aplicação do conceito, assumi outra interpretação. Felizmente a segunda interpretação estava correta. Esta dualidade interpretativa aparentemente foi, de modo intuitivo, estranhada pelo meu inconsciente, o que ficou denunciado pela frase "...se não for o caso, ainda assim vale o argumento que se segue". Ora, como eu poderia saber que o argumento valeria, se estava utilizando-me de uma premissa inadequada? Valeria em que condições? Obviamente no caso exposto em que o meu "intelecto interior" consertou a premissa adotando o conceito correto. O raciocínio dialético sempre nos leva a situações perigosas mas é justamente aí que reside seu elevado poder pedagógico. Perceba que 1) aprendi a distinguir, ou melhor, a notar a existência de, dois conceitos relacionados porém distintos; 2) aprendi a terminologia técnica utilizada para expressar um deles; e 3) aprendi um pouquinho mais de dialética. Alberto: Estaríamos então frente a uma indeterminação diferente daquela descrita por Heisenberg...Belisário: Bem, primeiro, não vejo aqui nada diferente do Princípio da Indeterminação original de Heisenberg, apenas um caso particular dele (como é um caso particular aquela conhecida relação envolvendo velocidade e quantidade de movimento). Bem, agora eu fiquei novamente em dúvida. O princípio de Heisenberg não estaria relacionado aos pares conjugados "momento angular ao redor de um eixo" e "orientação desse eixo"? Quero crer então que, pelo princípio de Heisenberg, seria possível medir a orientação do eixo do spin, admitindo-se que o spin fosse realmente um giro, em toda a sua gama de valores espaciais. O que o princípio retrata é que, ao efetuar esta medida, estaríamos descaracterizando um possível conhecimento do momento angular. Porém, no caso em pauta, aquele relacionado aos sistemas de dois níveis, existe uma indeterminação de outro tipo, ou seja: Não seria possível conhecer-se qualquer orientação do eixo do spin que não aquela coincidente com as linhas do campo inerente ao aparelho de medida e a serem dualizadas em "up" ou "down". A meu ver, o que o princípio de Heisenberg nos diz é que ao conhecermos "exatamente" o eixo do giro da partícula, sequer poderíamos suspeitar que ela realmente está girando. No entanto, na conceituação do spin da teoria quântica, estamos criando um eixo fictício que, obviamente, não tem nada a ver com o eixo do giro da partícula, e estamos constatando que o que este construto experimental faz nada mais é do que projetar o verdadeiro eixo do giro da partícula neste eixo fictício. E, obviamente, o resultado não pode ser outro que não "up" ou "down", o que significa dizer que criou-se uma incerteza angular de ± 90 graus. Assim, o spin "up" teria o sentido de (0 ± 90) graus e o spin "down" teria o sentido de (180 ± 90) graus. Belisário: Creio que a essência do princípio da Indeterminação é que, em qualquer medição, o observador interage com o objeto observado alterando o seu estado físico (colapso da função de onda). Sim, mas no caso genuíno e relativo às idéias de Heisenberg, a indeterminação é acidental e aleatória, ainda que se possa fixar, por exemplo, a posição. Ou seja, quando eu digo que uma determinada partícula "ocupava" uma posição radial, haja vista que ela passou por dois orifícios alinhados, eu não estou obrigando a que todas as partículas passem por estes orifícios mas, simplesmente, estou estudando as que assim o fazem. No caso do spin, não. Neste caso o observador não apenas interage com o observado mas dita-lhe regras de comportamento futuro, tais como: Gire ou na direção "up" ou na direção "down". A partícula fica sem outras opções. Belisário: Mas isso não prejudica em nada o conceito de sistema de dois níveis (no caso, os níveis são "spin up" e "spin down"). Um sistema de dois níveis não é o que pode ter apenas dois estados físicos: é aquele no qual o resultado de um experimento pode resultar em apenas dois valores. Sim, mas se for apenas isso, parece-me que trata-se de um sistema fabricado e para ser utilizado com muito critério e em condições ultraespecíficas, nunca como uma idéia fundamental a mascarar e/ou a comprometer um conhecimento mais profundo e relativo à natureza íntima da matéria, coisa que o principio de Heisenberg, por si só, já o faz. Belisário: Talvez isso resolva a sua desconfiança com relação ao conceito, porque estamos falando da mesma coisa: o "sistema de dois níveis" a que me refiro tem justamente o comportamento que você menciona no parágrafo acima. Pois eu diria que graças a sua intervenção o conceito ficou mais claro para mim, mas a desconfiança aumentou em muito. Em particular, diria que vejo hoje com mais clareza a distinção entre a física quântica primitiva e as físicas quânticas atuais. Reconheço, no entanto, que o que sei a respeito ainda é muito pouco. Belisário: Isso leva, aliás, ao cerne da questão no paradoxo EPR: é justamente por causa do colapso da função de onda resultante da medição que alguns dizem haver uma transmissão de sinal instantâneo entre os elétrons 1 e 2. Apenas aproveitando o "gancho", essa história da instantaneidade, a meu ver, está embutida em outra idealidade assumida por Newton e que chegou a ser aceita como "real" por seus falsos seguidores. Newton jamais assumiu a instantaneidade da ação do campo gravitacional a não ser como algo útil e a ser utilizado com muito critério. Não é de Newton a idéia de que ação e reação, para corpos a distância, processa-se instantaneamente. Ele apenas utilizou esta falácia em condições onde o desvio esperado poderia efetivamente ser desprezado. Não obstante, é inerente à filosofia de Newton, a idéia de "Universo interligado", provavelmente não no mesmo contexto daquele apresentado, acredito que, por Bohm. Para alguns, instantaneidade redundaria no conceito de velocidade infinita (esta idéia foi importada da física clássica posterior a Newton). Para outros, no conceito de sistemas quanticamente correlacionados, a manifestarem o colapso da função de onda por ocasião da medição. Mas existe ainda uma versão clássica newtoniana: Uma partícula que gera um campo está sempre "emitindo" esse campo e, portanto, a extensão deste campo no espaço é imensa, quase que, poderíamos dizer, do tamanho do Universo. Ora, por mais que outra partícula esteja fugindo desta, ela sempre estará no campo da primeira. Logo será sempre possível o campo da primeira afetar a segunda, ainda que seja um campo emitido no passado; e esta, ao sofrer o campo da primeira, modificará as características de seu próprio campo, o que irá se propagar podendo até mesmo chegar a promover modificações no futuro da primeira. E este é o sentido de "Universo interligado" compatível com a genuína física newtoniana, onde ação e reação processam-se em tempos diferentes, num efeito muito mais coerente com o princípio de Le Chatelier do que propriamente com a terceira lei de Newton (ação e reação estáticas). Perceba que esta idéia, por si só, não vai contra a teoria da relatividade. O problema é que para chegarmos na mesma percebemos que a relatividade é desnecessária; e ao explorarmos suas outras consequências, chegamos à conclusão que a relatividade complica a teoria sem nada de útil acrescentar. Esta idéia de "Universo clássico interligado" complica-se muito quando evoluímos para a filosofia e procuramos raciocinar em termos de mecanicismo e determinismo/indeterminismo. Por um lado, caímos na idéia de que somos peças de um relógio, ficando uma lacuna a explicar se existe ou não um livre-arbítrio; por outro, e também relacionado ao primeiro, na idéia de que observador e observado estão inerentemente interligados, a meu ver sob um ponto de vista diverso (no sentido de que é mais amplo) do que aquele apontado por Heisenberg. Enfim, esse é um problema que nem a filosofia nem a ciência moderna resolveram a contento. Belisário: Creio que a Relatividade e a Quântica são teorias independentes. Com efeito. Creio que a única dependência, se existir, deve-se ao fato de as duas apoiarem-se em discordâncias que surgiram ao se interpretar a teoria eletromagnética de Maxwell à luz da física newtoniana. A relatividade apoiou-se na incompatibilidade dos referenciais propostos por essas duas teorias, enquanto a quântica apoiou-se no comportamento anômalo observado por partículas e/ou ondas (quantas de luz e não-emissão de radiação pelo elétron em determinadas condições). Ambas privilegiaram, sob certos aspectos, a teoria de Maxwell, em detrimento da teoria newtoniana. Obviamente, produziram também adaptações à teoria de Maxwell sem, no entanto, despersonalizá-la totalmente, o que fizeram com a física newtoniana. Belisário: Mas não creio que isso implique em que um falseamento da Quântica leve a um falseamento da Relatividade. Realmente. Via de regra, a falseabilidade restringe-se a hipóteses e não a teorias. Como existem aí várias hipóteses, algumas entrelaçadas, outras não, não é impossível que ao falsearmos uma hipótese relativa a uma das teorias isto traga alguma repercussão para a outra. Não vejo isso como defeito mas como virtude, pois são teorias fronteiriças e, portanto, passíveis de unificação, coisa que é sempre bem vinda. Por outro lado, ainda que a falseabilidade restrinja-se a uma hipótese, uma boa teoria é aquela em que as hipóteses estão coerentemente interligadas. Visto sob esse ângulo, é difícil, ainda que não impossível, conservar qualquer boa teoria e, em especial, as teorias "fechadas" ou "completas", após termos "negado" uma única de suas hipóteses (Utilizei aqui o termo "negação" como um falseamento que realmente convenceu a comunidade científica, mesmo porque falsear uma teoria não é sinônimo de derrubá-la). Belisário: Fico pensando: Substituindo os conceitos de éter, vácuo quântico, espaço curvo, etc., pela tal informação do movimento da matéria, não estará você apenas substituindo um conjunto de "quintessências" por uma outra? Sem dúvida. O problema é que existe alguma coisa estranha em todas as teorias. Procuro então guiar-me por um pensamento sábio de Mario Schenberg: "Quando uma coisa começa a se complicar muito, é sinal de que é preciso simplificá-la." A meu ver, a única teoria, dentre todas as aceitas e dentre todas as teorias alternativas (que acabaram por ser relegadas, como aquelas referentes a éter, não-localidade, etc), que não chegou a se complicar muito, foi a física genuinamente newtoniana. Ela simplesmente mostrou-se incompatível com a teoria de Maxwell, uma teoria que, a exemplo da mecânica dos fluidos, foi construída para explicar efeitos observados pelos fluidos elétricos descritos por Coulomb em suas hipóteses originais, quais sejam:
Em que hipótese, da teoria de Maxwell, está prevista a existência do elétron como partícula a gerar um campo coulombiano, algo que foi aceito por Bohr quando construiu os pilares da teoria quântica primitiva (postulado 1) e que, de alguma maneira sutil, acabou por incorporar-se na teoria quântica atual:
Que mecânica clássica é essa que aceita, como corpúsculo, algo inerente a uma teoria de fluidos (lei de Coulomb) e que, portanto, nada mais é do que um elemento de volume, jamais um verdadeiro corpúsculo? Seria o mesmo que dizer que a molécula de água é amorfa, pois o elemento de volume correspondente à mecânica de fluidos é, "efetivamente", amorfo. Enfim, o que pretendo deixar claro é que a física clássica que foi negada, falseada, derrubada, vilipendiada,... não tem nada a ver com a genuína física newtoniana, que vem resistindo com galhardia às injúrias que no século XX pretenderam lhe imputar e a mostrar que é a única capaz de verdadeiramente nos orientar na busca pelos Princípios Matemáticos da Filosofia Natural. [ ]'sAlberto |