Diálogos Ciencialist

 
 

Abril a Junho de 2000 eCC

   Teorias Realistas Atuais e O Paradoxo EPR

 

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msg 32
De: "Alberto Mesquita Filho"
Data: 21/05/00

Caro Belisário e demais net-amigos da ciencialist.

Na mensagem anterior desta thread cheguei a afirmar:

Alberto: Parece-me mesmo que neste caso o princípio de Heisenberg nem está em jogo. Ressurge-me então aquela dúvida antiga quanto a um "segundo princípio da indeterminação" e relacionado à conceituação de "spin". Mas, para isso, preciso repensar, bem como rever as msgs anteriores, o que farei oportunamente.

Retorno agora com as idéias renovadas. Como o assunto estava muito complicado, em virtude de motivos vários tais como:

  1. a nossa dispersão por temas outros;
  2. os erros que cometi as pencas; e
  3. as dúvidas comuns levantadas;

julguei por bem ordenar o tema segundo a minha visão a respeito. Procurei não ser redundante, repetindo apenas o que me pareceu necessário para que aqueles que estão acompanhando a thread possam se situar dentro de minha nova maneira de pensar.

1. O Argumento Básico da Experiência EPR:

Na experiência EPR supõe-se que a determinação do "momento linear" de uma partícula A que interagiu com outra B, seguida da determinação da "posição" da partícula B, permitiria o conhecimento tanto do momento de A (medido diretamente), quanto de sua posição (pois a mesma estaria relacionada à posição de B). Qualquer das duas medidas poderia ser efetuada antes que se notasse a despersonalização de seu valor real em decorrência da realização da outra medida, pois esta segunda medida estaria sendo efetuada em condições afastadas e praticamente ao mesmo tempo que a primeira. Por conseguinte, qualquer incerteza nas determinações seriam decorrentes dos procedimentos experimentais em si, não havendo nenhuma limitação teórica à redução destas incertezas a zero, como proposto pelo princípio da indeterminação de Heisenberg. Em teoria, seria possível determinar tanto a posição quanto o momento de A com precisão absoluta.

2. O Argumento Einsteiniano da Localidade Colocado em Xeque por Outra Experiência (a ser chamada aqui por EPR2):

A experiência EPR propunha-se a contestar o princípio da indeterminação. Não obstante poderíamos pensar numa outra experiência de pensamento a xecar a validade de um dos argumentos assumidos pelos proponentes da experiência EPR. Nesta outra experiência, a ser chamada aqui por experiência EPR2, mede-se a mesma propriedade nas duas partículas A e B como, por exemplo, a posição; e procura-se verificar se existe alguma correlação nas medidas. O que a experiência EPR2 pretende verificar é se existe ou não a correlação assumida por EPR na interpretação de sua experiência original. Em outras palavras: Ao determinarmos a posição de B seria realmente possível afirmar que a posição de A estaria determinada? Se a resposta for positiva seria de se esperar uma coincidência nos valores, a menos de incertezas experimentais passíveis, pelo menos em teoria, de eliminação total.

É importante verificar que, no que chamamos experiência EPR2, não estamos trabalhando com pares conjugados e, portanto, não está em jogo, pelo menos diretamente, o componente da incerteza descrito pelo princípio da indeterminação de Heisenberg (incerteza relativa à determinação de pares conjugados). Poder-se-ia dizer que, pela experiência EPR2, o que se está efetivamente verificando é a consistência do argumento da localidade proposto por Einstein. Ou seja, a determinação da posição de B afetaria ou não, instantaneamente, as propriedades a serem medidas em A? E mede-se a posição de A (e não o momento) pois é esta a única que poderíamos assumir como conhecida em B (pela escolha efetuada). Em síntese, o que está sendo xecado é o pressuposto assumido ao afirmarmos que "ao medirmos a posição de B podemos conhecer a posição de A". E nada melhor, para isso, que medirmos as posições de A e B simultaneamente, comparando-se os resultados.

3. Mas... e o Princípio da Indeterminação de Heisenberg?

Aparentemente, localidade e indeterminação são coisas distintas. Não obstante, e supondo-se que a experiência EPR2, ao ser colocada em prática, chegasse a destruir o argumento einsteiniano da localidade, ficaria a dúvida: O que estaria por trás da despersonalização das propriedades de uma das partículas (A) ao efetuarmos a medição de uma das propriedades de outra (B), mas que poderia caracterizar a mesma propriedade desta (A)? Não seria o mesmo "agente físico" a responder pelo princípio da indeterminação? Ao que parece, sim. E tanto assim é que fica-nos aquela impressão de que, no caso suposto, quanto maior for a precisão da medida da posição em uma das partículas, maior deveria ser a discrepância entre os valores encontrados ao compararmos as medidas feitas em A e B. E esta, parece-nos, seria uma maneira sui-generis de enunciar o princípio da indeterminação de Heisenberg. Ou seja, a não-localidade é inerente à indeterminação. Poderíamos então, por este argumento, concluir que a experiência EPR2 é equivalente à experiência EPR, no que diz respeito a poder ser utilizada para falsear ou corroborar o princípio da indeterminação.

4. A Experiência com "Spins" (a ser chamada aqui por EPR3)

Utilizando a conclusão obtida no item 3 poderíamos supor que qualquer outra propriedade física "clássica" relativa ao movimento de partículas A e B que interagiram, poderia ser utilizada para falsear e/ou corroborar o princípio da indeterminação, através de um procedimento similar ao efetuado em EPR2 (item 2). Ou seja, qualquer experiência apoiada neste argumento seria equivalente à experiência EPR original.

Que dizer do spin? Ora, o spin não é uma propriedade física clássica e sim quântica! Se admitirmos que as partículas elementares, dotadas de "spin quântico", são também dotadas de um "giro clássico" (coisa que os físicos quânticos, via de regra, acham absurdo), poderíamos utilizar qualquer um dos pares conjugados, a caracterizarem esse giro e a experiência, agora a ser chamada EPR3 seria equivalente a EPR2.

Mas o spin, por si só, não é nenhum desses pares conjugados clássicos. Para essa partícula hipotética e "quântico-clássica" o spin quântico retrata menos do que qualquer dos pares conjugados (momento angular e posição angular). Retrata apenas a orientação "up" ou "down" do momento angular; pois um físico clássico poderia dizer que o campo utilizado para caracterizar o spin meramente orientou o "giro clássico" segundo as linhas de campo e, consequentemente, destruiu as propriedades clássicas relativas ao momento angular efetivo, conservando apenas uma de suas características (o "sentido" da projeção do momento angular efetivo na "direção" das linhas de campo). Consequentemente, podemos certamente dizer que a experiência EPR3 com spin não é equivalente à experiência EPR2 e, em decorrência disso, não é equivalente à experiência EPR original.

Poderíamos, quando muito, aceitar que a indeterminação de Heisenberg se propagasse para a medida de spin. Com efeito, se o spin contém uma fração, por menor que seja, de uma propriedade clássica, ao medirmos essa fração na partícula A de alguma forma estaríamos promovendo um colapso quântico a retratar-se na medida de propriedades da partícula B, admitindo-se a não-localidade como um fato real e inerente a um sistema de duas partículas que interagiram.

5. Teorias Realistas Locais

Em virtude do exposto em 4, poderíamos pensar numa nova situação na qual o princípio da indeterminação não fosse obedecido, consoante a esperança de EPR mas que, ao mesmo tempo, mantivesse a característica quântica relacionada ao spin. Estaríamos então propondo uma nova teoria quântica, a negar o princípio da indeterminação mas a aceitar a quantização do spin. Conforme visto no item 3, uma teoria destas seria compatível com o argumento da localidade inerente ao realismo einsteiniano. Por outro lado, não seria, em hipótese alguma, uma teoria clássica, haja vista aceitar a quantização não como um artefato de medida, mas como uma propriedade efetiva da partícula. Às teorias que foram criadas por cima deste argumento (quantização do spin e localidade de Einstein) deu-se o nome de teorias realistas locais, ao mesmo tempo que passou-se a aceitar as demais variedades da física quântica (a aceitarem a quantização do spin e princípio da indeterminação) como teorias realistas não-locais. Nunca é demais lembrar que as teorias realistas da física clássica, por não aceitarem nem o princípio da incerteza nem a não-localidade, são todas teorias realistas locais, conquanto tenham sido deixadas de lado nesta classificação proposta pelos físicos modernos.

6. As Desigualdades de Bell

Procurando analisar a possibilidade de um confronto experimental entre as previsões das teorias "quânticas" não-locais com as das teorias "quânticas" locais, Bell propôs suas desigualdades, a traduzirem-se em espectativas diversas a serem observadas em experiências do tipo EPR3 e decorrentes da observação dos princípios básicos dos dois tipos de teorias citados. Como o modelo experimental ainda não era o ideal, evoluiu-se no sentido de adaptar as idéias de Bell para experiências com a polarização de fótons, agora a serem chamadas por EPR4.

A experiência de Aspect pertence portanto à versão EPR4 da EPR original, a importar as idéias da EPR3. Resumidamente, poderíamos dizer que ela mede o que pode ser chamado spin dos fótons A e B que interagiram recentemente, sendo que os dois polarizadores utilizados a medir esse spin, a semelhança dos campos magnéticos da EPR3, são dispostos de maneira a determinar um ângulo conveniente entre seus eixos principais. De maneira semelhante ao comentado no item 4, a propriedade medida também é quantizada, o que corresponderia a uma mensuração de apenas uma fração discreta (dois valores apenas) da correspondente propriedade clássica (contínua), o que observa-se pela versão clássica da interpretação da Lei de Malus (1809). Conclusão: A experiência de Aspec (EPR4), tanto quanto as EPR3, são cruciais apenas no sentido em que seus resultados, a respeitarem uma ou outra das desigualdades de Bell, falseariam ou as teorias "quânticas" locais ou as teorias "quânticas" não-locais.

tra03Segundo um esquema que tomei de empréstimo de dados da literatura (no momento não disponho da referência, apenas o esquema, mas não creio que seja difícil localizá-lo), as desigualdades de Bell poderiam traduzir-se, para o caso das EPR4, na espectativa gráfica observada na figura em anexo, a confrontar a "correlação entre os spins" observados em A e B com o "ângulo entre os analisadores". [Se alguém quiser xecar os dados gráficos e possuir estômago para digerir a dedução das desigualdades de Bell, existe um artigo muito bom do Joao Barata do IFUSP em http://www.fma.if.usp.br/~jbarata/notas_de_aula_html/pr-inc/pr-inc.html [link desativado - Em 2009 ainda era possível ler parcialmente o artigo (sem figuras nem fórmulas) em WayBack Machine]

As teorias "quânticas" locais, pelo exame do gráfico (figura em anexo), apresentam uma correlação esperada retilínea e a passar pelos extremos 0-100% e 90-0%. Ora, "não me parece" ser essa a espectativa para as teorias clássicas, a ser verdadeira a lei de Malus (não fiz os cálculos, mas não me parece ser difícil obter a curva esperada). Logo, não há como dizer que a experiência de Aspect favorece qualquer teoria quântica em detrimento de qualquer teoria clássica. Simplesmente o que ela parece ter comprovado é que, assumindo-se que a quantização do giro observado em partículas elementares não é um artefato experimental, as teorias "quânticas" não-locais estão mais próximas da verdade do que as teorias "quânticas" locais.

Volto então, sem pretender ofender a ninguém, a apresentar a conclusão firmada no artigo primeiro desta thread:

As idéias de Bell, em hipótese alguma, contradizem as teorias clássicas da física e a experiência de Aspect, quando muito, serve como critério para escolha entre o roto e o esfarrapado, qual seja, entre as teorias quânticas locais e as não-locais.
[ ]'s
Alberto

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