O QUE É A UNIVERSIDADE, AFINAL?

Alberto Mesquita Filho

framesEditorial - Integração I(1):3-4,1995

 

 

Realizou-se, em 29/3/95, no Teatro da TV Cultura de São Paulo, o primeiro encontro do projeto INTEGRAÇÃO UNIVERSITÁRIA, organizado pelo Entreposto Cultural, entidade que se propõe a, dentre outros objetivos, auxiliar o presidente da república a poder cumprir sua meta prioritária de governo: Educação. O evento, transmitido via satélite para todo o país, reuniu cientistas das mais importantes universidades do Estado de São Paulo, e a Universidade São Judas Tadeu se fez representar por dois dos mais eminentes membros de seu corpo docente: o professor Guilherme Rebouças da Palma, Coordenador do Curso de Engenharia Elétrica, e o professor Jarbas Novelino Barato, do Departamento de Educação.

O encontro reuniu opiniões as mais diversificadas sobre o tema pesquisa, tendo sido debatidos inúmeros assuntos acadêmicos, filosóficos, polêmicos e até mesmo conflitantes, o que veio a demonstrar a sagacidade dos organizadores do simpósio na escolha do título: A Pesquisa Científica na Era das Incertezas. Impossível seria aqui relatar tudo o que foi discutido. Optamos, então, por pinçar algumas considerações relacionadas à nossa realidade. E a nossa realidade atual é, em primeiro lugar, a instalação nos próximos meses do Regime de Iniciação Científica; e em segundo, esclarecer, de uma vez por todas, se a universidade particular brasileira pode e/ou deve realizar pesquisas, conforme reza nossa Constituição, e conforme o MEC nos impõe (a despeito de outros órgãos governamentais, em tempos recentes, e ainda que extra-oficialmente, terem nos afirmado o contrário). Em relação ao item segundo, é nossa intenção realizar um simpósio em setembro próximo, congregando os professores interessados das várias áreas de nossa universidade.

Causou estranheza a alguns dos membros do encontro, em especial àqueles que militam em ciências formais e/ou naturais das universidades estatais, que universidades que não têm tradição em pesquisa, como é o caso da Universidade São Judas Tadeu, se propusessem a formar pesquisadores. Esquecem-se eles de que os melhores pesquisadores que o Brasil já possuiu, na área das ciências naturais, e que estão hoje, se não mortos, aposentados, surgiram exatamente numa época em que o país não tinha tradição em pesquisa. Que eles tenham estranhado, já se esperava. Afinal, não são eles os detentores do monopólio da pesquisa no país? Como se calar frente à ameaça, ainda que débil, de ter que dividir com seus semelhantes o produto da "galinha dos ovos de ouro"?

Em defesa de seus argumentos, o professor Daniel Sigulem, da Escola Paulista de Medicina, chegou a afirmar que, na experiência mundial, a grande maioria dos centros de ensino surgiram em meio aos centros de pesquisa. É difícil contestar este argumento. Afinal, se aceitarmos a tese apresentada pelo professor Palma, a de que o homem é um pesquisador nato, a retórica do professor Sigulem se reduz à obviedade. Se, por outro lado, pensarmos no pesquisador como membro de uma elite universitária, e nos centros de pesquisa como feudos armados em torno desta elite, situamos nosso referencial mais próximo ao do Dr. Sigulem. Será que sob este prisma o argumento se sustenta?

Os cientistas naturais freqüentemente focalizam Galileu como o pai da ciência moderna. Alguns mais fanáticos julgam não existir atividade científica anterior a Galileu. Ora, se não existia nada anterior a Galileu que pudesse ser chamado "centro de pesquisa", como explicar que do nada se fizesse a luz? Afinal, existia ou não ciência anterior a Galileu? Se sim, deveremos voltar à tese do professor Palma. Se não, deveremos recusar a afirmação do professor Sigulem. De qualquer forma, não é difícil o leitor encontrar exemplos mais recentes, ainda que não tão expressivos, a falsear esta afirmação.

No que tange aos demais itens que têm norteado o planejamento de nosso Regime de Iniciação Científica, quais sejam, Pesquisa Voltada à Realidade Nacional, Multidisciplinaridade e Integração Ensino?Pesquisa?Extensão, muito se comentou, destacando-se a nosso ver os tópicos abaixo relacionados.

Creio ter havido um consenso entre os debatedores de que a ciência é, por excelência, universal. Como então formar cientistas voltados à realidade nacional? A esse respeito, e de uma forma bastante sutil, o professor Jarbas deixou o seu recado: Fala-se muito em importação de tecnologia, mas tecnologia não se importa. O que se importam são equipamentos. Tecnologia se desenvolve.

A especialização, ou até mesmo a ultraespecialização, foi também aceita, por consenso, como algo inevitável e própria ao estado atual de desenvolvimento científico. Não obstante, e conquanto concordasse com esta real necessidade dos tempos modernos, o professor Wilson Luiz Sanvito, da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo expôs, de maneira magnífica, ser parte da natureza humana o cultivo da generalização e do conhecimento global dos fatos. O ponto culminante de sua tese, e que empolgou sobremaneira os presentes, foi quando em meio à temática, e num lampejo de rara felicidade, fez ver a todos que a especialização é uma peculiaridade dos animais irracionais, como a abelha, o pica-pau, a formiga, etc.

Em meio a temas tão apaixonantes e que geraram calorosos debates, um dado de suma importância, apresentado pelo professor Sigulem, passou despercebido: 18% da produção científica mundial são realizados na área de medicina. Será que o número de cientistas médicos é maior que o de outras especialidades? Se sim, por quê? Afinal, o mundo não forma tantos médicos assim. Não seriam os anos de internato e residência os responsáveis por esta disparidade? Mas o internato e a residência não foram formados para criar pesquisadores e sim extensionistas! Como explicar que um curso que tem como objetivo primário atender à comunidade, através de atividades de Extensão, seja exatamente aquele que tem o maior índice de pesquisadores? Como explicar que a maior parte da produção científica mundial seja realizada não em centros de pesquisa e sim em centros de extensão? Ou será que não existe essa distinção? Afinal, o que é um centro de pesquisas? O que é um pesquisador? O que é a universidade, afinal?

Alberto Mesquita Filho

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