PENSANDO A EDUCAÇÃO

framesAlberto Mesquita Filho

Editorial - Integração II(5):83-4,1996

 

O ministro da Educação e do Desporto, Paulo Renato Souza, em recente artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, chegou a afirmar: Se possuímos hoje um dos melhores, mais diversificados e sofisticados sistemas de ensino superior, temos também um dos piores sistemas de ensino fundamental [1]. Com esse pensamento o senhor ministro enfocou nossa realidade e, acredito, atingiu o cerne da questão. Daí a diagnosticarmos o que está errado no sistema educacional brasileiro, é questão de avançarmos um único passo, ou seja, respondermos ao questionamento: O que há de paradoxal nesta situação?

Paradoxal é estarmos formando, dentro de um dos melhores sistemas de ensino superior, mestres e doutores que "não estão nem aí" com a realidade nacional. Paradoxal é estarmos diversificando nossas universidades, a ponto de nos darmos ao luxo de formar cientistas especializados em temas importados; e, ao mesmo tempo, incapazes de produzirem artigos ¾que não papers¾ em condições de serem lidos por seus compatriotas. Paradoxal é contarmos com tamanha sofisticação voltada para a promoção do óbvio, do já visto, e do já conhecido ¾a ser verdadeiro o que dizem os leitores setentrionais de nossos papers¾ e nada, ou quase nada, voltado para a reversão do que temos de pior como, por exemplo, o sistema de ensino fundamental. Não estaria aí a essência do problema?

O senhor ministro, polidamente, demonstra estar ciente quanto a essa questão. Tanto é que, após justificar a prioridade estabelecida pelo governo em socorro ao ensino fundamental, acrescenta: Dar prioridade a um segmento da educação não significa esquecer os demais. Também não significa deixar de preservar e aperfeiçoar o que temos de melhor. E, próximo ao término de seu discurso, conclui: Queremos aperfeiçoar o conjunto do sistema universitário brasileiro, com apoio do novo Conselho Nacional de Educação.

Dirão alguns que "em time que está ganhando não se mexe". É possível que esta norma funcione para o futebol, mas isto não significa que deva ser aplicável em educação; a esse respeito prefiro o realismo racionalista popperiano: revolução permanente. Sob este aspecto, louve-se então a atitude do senhor ministro em querer aperfeiçoar o que temos de melhor. Mas,... quem foi que disse que o nosso time está ganhando? Se assim fosse seria de se esperar que, convivendo com estes esplendorosos centros de excelência que possuímos, estivéssemos também capacitados a combater o analfabetismo, a desnutrição, a marginalidade...; seria de se esperar, também, que tivéssemos um dos melhores sistemas de ensino fundamental. Se são os políticos que estão errados ¾e não estou me referindo ao governo atual, mas sim à nossa experiência secular¾ onde é que eles estão se formando, ou por quem é que eles estão sendo orientados? Será a educação um problema meramente político? Não seria a educação um problema genuinamente educacional? O que estão fazendo nossas universidades em prol do ensino básico?

É louvável que nossos doutos educadores se preocupem com o ensino na França, ou em Israel, ou nos EUA. Com efeito, se estamos num beco sem saída, não custa nada darmos uma olhadela além fronteiras, ou até mesmo importarmos o que de bom pudermos encontrar. Aliás,... não foi isso o que fizemos nos últimos 30 anos? Será que nos venderam gato por lebre? Já ouvi alguém dizer que tecnologia não se importa, o que se importa são equipamentos; tecnologia se desenvolve. Será que isso tem alguma coisa a ver com educação? O que é que estamos importando em termos educacionais?

Lembro-me que na década de 50, quiçá 60, mirava-se no exemplo europeu. De lá para cá passou-se a americanizar nossa pedagogia. Acontece que na década de 70 um sem número de educadores norte-americanos começou a perceber que de alguma forma eles estavam cometendo grandes erros pedagógicos. Li algo a respeito no Times há muito tempo atrás. Os políticos de lá não deram ouvidos aos educadores também de lá; e, ao que parece, os educadores daqui se concentraram em ouvir os políticos de lá. Se quiserem saber o que aconteceu lá, sugiro que leiam Paulo Francis; se quiserem saber o que aconteceu aqui é suficiente lerem as primeiras páginas de quaisquer de nossos jornais.

E as nossas universidades? Até quando pretendem conviver com essa excrescência?


Referências:
  1. A universidade pública federal, em FSP, seção Opinião (Tendências/Debates), 7/4/96, p. 1-3.

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