PRECONCEITOS A PARTE...

framesAlberto Mesquita Filho

Editorial - Integração II(6):163-4,1996

 

A digníssima Secretária de Política Educacional do MEC e professora titular da USP, Eunice Ribeiro Durham, em recente artigo publicado na Folha de São Paulo (1), e tomando por base decisão do Congresso Nacional relativa à aposentadoria para professores do ensino superior, preconiza a decadência inexorável de todo o sistema de ensino público de terceiro grau. Por um lado, a professora da USP parece-nos estar com a razão ao se referir ao privilégio da aposentadoria para os seus pares ¾e deixaremos este assunto para ser comentado por quem de direito¾ por outro, a Secretária de Política Educacional do MEC supervaloriza uma problemática real; e, a nosso ver, sequer chega a roçar no que de fundamental e de pernicioso está a condenar à inviabilidade não apenas as universidades públicas, mas toda a nação brasileira.

Afirma a digníssima professora: a obtenção de mestrado e doutorado é um processo que raramente se completa em menos de dez anos ¾e, vejam bem, o artigo deixa implicitamente claro que tudo isso ocorre após a graduação. Afirma, também, a digníssima Secretária: a União, com as bolsas de pós-graduação, tem investido pesadamente nesse processo de qualificação.

Isso não é tudo. Esse processo, que raramente se completa em menos de dez anos, ao que dá a entender o artigo, não responde pela formação de pesquisadores altamente experientes, qualificados e produtivos. Não. Para tal, segundo a ilustre professora, seriam necessários, em média, mais 20 anos. Será que o brasileiro é tão imbecil a ponto de necessitar 30 anos para atingir o status que um habitante do primeiro mundo adquire em cerca de 5 anos? O que as nossas universidades estão realmente formando?

Aceitas essas premissas, e não há como não aceitá-las ¾é o que efetivamente ocorre¾ a conclusão é óbvia: o governo não está formando pesquisadores e sim aposentados.

Esta fábrica de aposentados estaria, desta forma, subsidiando o ensino privado em detrimento do ensino público e desmantelando os grupos de pesquisa e pós-graduação que tão penosamente construímos. Cabe aqui uma pergunta: Quem está subsidiando o que, e com o dinheiro de quem? Ou então: Quem construiu penosamente o que, e com o dinheiro de quem?

 Tomemos o exemplo do Estado de São Paulo: 85% de nossos universitários estudam em instituições particulares. Pagam por sua educação e nem porisso deixam de contribuir para o erário público. Arcam pesadamente com a despesa necessária para que 15% de universitários privilegiados possam se dar ao luxo de conviver com o regime de formação de aposentados. É justo isso?

Cabe ainda, aqui, a seguinte pergunta: Estes professores migrantes não estão sendo remunerados pelas instituições particulares? A que subsídio a digníssima Secretária se refere? Seria o mesmo subsídio cultural que a USP recebeu de países estrangeiros quando de sua formação? Quantas ruas de São Paulo receberam o nome de eminentes cientistas europeus que aqui estiveram colaborando para que a USP fosse o que hoje é? Por acaso alguns destes países acusou a USP de ter desmantelado seus grupos de pesquisa?

Preconceitos à parte, poderíamos evoluir para outro tipo de questionamento: Será que nossas universidades públicas pagam tão bem aos professores, como dá a entender o artigo? Perdido em meio a dados percentuais, o leitor desatento tem a impressão de que os professores da rede pública de nível superior estão nadando em dinheiro; e graças a uma legislação absurda, ao se aposentarem teriam um grande acréscimo em seus vultosos rendimentos, chegando a uma aposentadoria generosa, jamais vista em país nenhum do mundo. Com a palavra os douto-aposentados.

Ora, a bem da verdade, os professores que migram para a rede particular de ensino superior não são apenas os aposentados; acredito que nem mesmo representem a maioria. A migração dá-se por outros motivos que seriam melhor entendidos se transformássemos os dados percentuais do artigo em dados reais, ou melhor, em reais (R$). Entender-se-ia então que esta migração interna ocupa hoje o mesmo locus que, há 10 ou 20 anos atrás, ocupava a evasão de cérebros para o exterior. Sob este aspecto devemos dar graças à universidade particular por estar colaborando para que não se desmantele a inteligência nacional que tão penosamente ¾e com o dinheiro de toda a nação¾ construímos.


Referências:
  1. DURHAM, E. R., A falência do ensino superior público, FSP, Opinião, Tendências/Debates, 9/7/96, p. 1-3.

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