E EU COM ISSO?

framesAlberto Mesquita Filho

Editorial - Integração II(6):164,1996

 

A existência do egoísmo e do engodo remontam aos princípios míticos de nossa cultura, a Adão e Eva. Mas o que queremos observar é como essas tendências humanas exerceram seu impacto sobre o pensamento moderno, tendo na economia seu rito de passagem para a aceitabilidade social.
Kenneth Lux em "O Erro de Adam Smith"

 

Guiando meu carro,
Disperso de tudo,
Tão longe da vida
Quão longe do mundo,
Diviso à distância
Uma faixa vermelha.
Desperto.

Que falta de gosto!
Vermelho catchup?
Bah!...
Então prossigo mais lento,
Agora em terceira,
Depois em segunda,
Enfim a faixa se mostra.
Stop.

SANGUE
TEM GENTE QUE MORRE
POR FALTA DISSO

Solidariedade
É a idéia primeira;
Não fuja da raia,
A segunda;...
Agulha na veia?
Eu, heim?
A oitenta por hora
Engato a terceira.
Acelera Airton!
Tem gente que morre
Por falta disso?
E eu com isso?

Tem gente que agita
E tem gente que estuda,
Tem gente que grita
E tem gente que é muda,
Tem gente que explora
E tem gente que chora.
E como chora!
Tem gente que morre por falta disso
E tem gente que nasce por falta daquilo.
Por falta daquilo, alguns pegam AIDS:
É gente que morre por causa disso.
E eu com isso?

Alguns morrem por falta...
Falta me faz o Ernesto, meu contador.
Pobre diabo, afogou-se.
Morreu por falta?
Ou teria sido por excesso?
E tem também a história
Do meu querido alazão:
-- Não tem cura -- disse o doutor
-- Só me resta a extrema unção.
Bum!
Morreu por excesso:
Excesso de compaixão.

Brasil, terra de contrastes:
Sabendo usar, não vai faltar,
E em se plantando, tudo dá.
Em meio a tantas riquezas,
Jovens entregam-se aos vícios,
Velhos suplicam esmolas
E pais exportam seus filhos
Em trocas de algumas migalhas.
Pudera! Que resta aos que ficam?
Cólera? Miséria? Diarréia?
Crianças morrem por isso.
E eu com isso?

Em Brasília realça uma voz
Inocente, inexperiente,
Indulgente com as demais.
Perdida em meio à luxúria,
Destoa da camarilha,
Arrisca um aparte à partilha,
-- Dois pra mim, dois pro home
E roga estes versos por nós:
-- Deixemos por ora a cobiça,
Que um povo morre de fome
E estamos aqui em seu nome:
Assumimos um compromisso.
E o plenário, tomado de assalto,
Em uníssono deixa escapar:
-- Dois pra mim, dois pro home.
O povo morre de fome?
E eu com isso?

Trânsito livre, engato a quarta e...
Que maravilha! No horizonte, qual um...
Não. É mais que um arco-íris.
Trata-se de uma...
Sim, em letras bem colloridas... Uma mensagem no ar!
Parece fugir. Te segura Airton,
A quinta vou engatar:
Centro e trinta, cento e quarenta,...
Não fujas, pote de ouro,
Preciso te decifrar.
Enfim a faixa se mostra.
Não!!! Que horror!

BRASIL
UM POVO QUE MORRE
E MORRE POR FALTA DE
AMOR


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