DEMOCRATIZAR O ACESSO AO CONHECIMENTO

framesAlberto Mesquita Filho

Editorial - Integração II(7):243-4,1996

 

O acesso ao saber, direito garantido por nossa Constituição atual bem como pelas anteriores (vide o artigo de Pinazza neste número de Integração, à p. 245) a toda a população brasileira, durante décadas foi impunemente desafiado por entidades corporativistas que, julgando representar seus associados, condenavam, à marginalidade científico-intelectual, a imensa maioria daqueles que tiveram o "privilégio" de concluir um curso de segundo grau. Motivos vários, via de regra mal fundamentados e ¾por que não dizer?¾ revelando, nas entrelinhas, interesses espúrios defendidos por uma falsa elite de bacharéis temerosos em perder, através de uma livre e democrática concorrência, direitos ilegitimamente conquistados ¾posto que não oferecidos a toda a população dentro do critério de igualdade de oportunidades¾ chegaram a ser apresentados como argumentos a restringir ao máximo o número de vagas em cursos universitários em determinadas áreas do saber. Pior do que isto: estas entidades corporativistas, sabe-se lá como, conseguiram corroer outros argumentos constitucionais ¾como, por exemplo, o da autonomia universitária¾ exercendo poderosas influências sobre organismos governamentais, tais como o extinto Conselho Federal de Educação. Processos de autorização de funcionamento de cursos universitários, e até mesmo de reconhecimento de cursos devidamente autorizados, dificilmente chegavam às mãos do Ministro da Educação, para deferimento, sem que antes tivessem sido contemplados com o aval de uma ou outra entidade corporativista. Em números anteriores de Integração (1) o leitor poderá encontrar temas vários relacionados às consequências desta má política.

A bem da verdade, cumpre esclarecer que a maioria dos que compõem a elite dos profissionais de nível superior é contrária a essa política mesquinha; e reações a essa esdrúxula, ainda que concreta, realidade têm pipocado aqui ou acolá. Por um lado, os educadores estão começando a tomar consciência de que autonomia não se recebe: autonomia se conquista. Por outro, entidades, como a Federação Nacional dos Engenheiros, têm demonstrado estarem realmente preocupadas com o desenvolvimento do país, haja visto o conteúdo do manifesto desta última: Democratizar o Acesso ao Conhecimento.

O manifesto da Federação Nacional dos Engenheiros, lançado na revista Engenheiro 2001 (2), está entremeado de uma série de artigos que visam a divulgar o Programa de Desenvolvimento das Engenharias ¾Prodenge. Digno de nota, e a corroborar o que há anos estamos pregando, é o seguinte parágrafo constante do Editorial escrito pelo Presidente da Fundação Vanzolini:

"O desafio é grande. Formamos hoje cinco engenheiros para cada 1000 trabalhadores economicamente ativos, ao passo que no primeiro mundo o número é de 15 a 25 por 1000. Os engenheiros, aqui, representam apenas 10% das graduações, das quais 45% na engenharia civil. Nos Estados Unidos, os engenheiros são mais de 25% do total e há mais diversificação, ficando 14% na área civil."

Para que não digam que esta é uma realidade válida apenas para a engenharia, e que outras atividades como advocacia, medicina ou farmácia estão sobrecarregadas de bacharéis desempregados, vale a pena contrastarmos este parágrafo com um outro, pinçado à página 11 da mesma revista:

"... calcula-se que só a metade dos profissionais formados [em engenharia] estão atualmente exercendo a profissão. Os demais estão fazendo alguma outra coisa, em uma infinidade de meios alternativos que se inventaram nos últimos anos para ganhar a vida. Uma parcela grande, que pode chegar a 20% ou mais, está sem emprego."

Se há médicos desempregados, e acredito que haja, há também inúmeros contingentes populacionais carentes, não diria apenas de médicos, mas das mínimas e essenciais condições de higiene e saúde. E se há advogados exercendo outras profissões, que não a advocacia, há que se concluir que, em virtude de estar havendo, efetivamente, uma seleção de competência, o nível de nossa advocacia deve ter melhorado consideravelmente; ou ainda, que os nossos advogados estão mal distribuídos pelo território nacional. Por outro lado, que mal há em que um farmacêutico ou bioquímico mal sucedido resolva ganhar a vida como taxista?

Restringir a formação de médicos, advogados, engenheiros, bioquímicos, etc., tomando por base o número de bacharéis desempregados, não apenas representa uma afronta à democracia, como também denuncia a falência do sistema político vigente. O que fazer com os bacharéis desempregados é um problema intimamente vinculado à competência das entidades que congregam estes profissionais e que, a exemplo da Federação Nacional dos Engenheiros, deveriam deixar a cargo dos educadores brasileiros a tarefa de retirar a população da mediocridade em que se encontra.

A.M.F.


Referências:
  1. Integração I(1):69-70, 1995; Integração I(2):128-32 e 135, 1995; Integração II(4):5 e 60-72, 1996; Integração II(5):123-7, 1996.
  2. Engenheiro 2001, ano 1, n.° 1, ago/96, revista editada pela Fundação Vanzolini.

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