Alberto Mesquita Filho
Editorial - Integração III(8):3-4,1997
Após ter sido muito questionado sobre "Quando a São Judas vai entrar na Internet?", resolvi tornar-me um
net-navegante. Bate-papo aqui, bate-papo ali, em poucas semanas troquei meu título de
net-arraes (navegante de BBSs) pelo de net-mestre-amador; daí a conquistar o de
net-capitão foi necessário apenas um net cat jump. Naufrágios a parte, valeu a pena: entrar na Internet "é o maior barato". Se você ainda não entrou, não sabe o que está perdendo. Se quiser saber, sugiro que comece pelo Especial deste número de Integração (Vide
Internet e Universidade).
Entrar na Internet, como vocês já devem ter percebido, não requer prática nem muita habilidade, mas sim curiosidade, paciência, persistência, tolerância e arrojo; e, como eu falei, bate-papos aqui e bate-papos ali. Para uma empresa de grande porte as coisas são bem mais fáceis; arriscar-me-ia a dizer que é quase tão fácil quanto colocar um
out-door num ponto bem visível de uma grande capital: basta ter um pouco de dinheiro e contratar uma equipe especializada no assunto. Sob este aspecto, podemos nos rejubilar: a São Judas "está na Internet" a partir de janeiro deste ano.
O difícil não é entrar na Internet: difícil é situar-se na infoera; e parece-me que o brasileiro ainda não se deu conta do quão importante é a definição dos referenciais. Para alguns, o Brasil já entrou na infoera. Nada contra: não estou aqui para sustentar uma discussão semântica; lembraria, no entanto, aos que assim pensam, que, seguindo o mesmo raciocínio, concluiremos: "em 1500 os índios tupi-guaranis entraram na era das Grandes Navegações".
Novamente lanço mão do sábio pensamento exposto pelo professor Jarbas Novelino Barato em uma de suas brilhantes palestras:
Tecnologia não se importa, o que se importam são equipamentos. Tecnologia se desenvolve. Para os que não sabem, existe, num dos órgãos do Ministério de Ciência e Tecnologia
¾ou pelo menos existia há três anos¾ uma verba à disposição dos interessados no desenvolvimento de tecnologias informacionais; ou mais do que isso, existe um projeto a subsidiar parcerias entre as universidades e empresas interessadas nesses desenvolvimentos. Hão de dizer que tudo tem um preço, e o preço a ser pago pelas universidades seria a implementação do setor das ciências básicas. Mas, não é esse um dos papéis a ser desempenhado pelas universidades?
Se por um lado muito pode e deve ser feito pelos especialistas da área de informática, existe também o outro lado da moeda: se pretendemos avançar na direção do desafio imposto pelos países do primeiro mundo, urge que tomemos uma série de medidas adaptativas. Dizem que o brasileiro é criativo. É chegada a hora, então, de colocarmos a criatividade de prontidão.
A entrada no terceiro milênio, independentemente de como possamos ou saibamos administrar a aplicação dos conceitos emergentes, será lembrada, por futuras gerações, como um episódio ímpar da história da humanidade. Vivemos o caos, a desordem, a inquietação, a crença na descrença
¾próprios de um estado de entropia excessivamente elevada. A decantada ultra-especialização, defendida em décadas recentes, emergiu como um subproduto desse caos, etapa de um processo ora se auto-reorganizando em um nível superior.
A estruturação desestruturada, vigente na Internet, se por um lado denuncia o processo, por outro clama por uma reestruturação embasada em diretrizes novas e arrojadas; se incomoda a terceiros o fato de a Internet não ter donos, que se modifique o conceito donos: "por trás das fronteiras do que é meu existirá sempre um mundo melhor e maior, e que é nosso." A Internet não é o produto de um socialismo barato, mas presta-se como ferramenta a promover um individualismo voltado para o social. O usuário da Internet não é um bem coletivo, mas alguém disposto a aprender e a colaborar com os seus semelhantes.
A infoera representa uma etapa de um processo iniciado há milênios, qual seja, o do desenvolvimento, pelo homem, dos meios de transporte
¾eu disse pelo homem, e não pelo especialista em transportes e/ou informática. Nos últimos séculos a tecnologia esteve voltada à implementação dos transportes de matéria e energia; hoje estamos mais preocupados com o transporte de idéias.
Se, por um lado, a revolução que está a termo convida-nos à reformulação de conceitos, por outro, a história está repleta de exemplos a nos orientarem rumo à conquista do espaço que ora se nos abre. Para que entendam onde pretendo chegar, um exemplo é suficiente: Quem é a melhor pessoa indicada para nos ensinar a dirigir um automóvel? O cientista que o projetou, um engenheiro mecânico, ou um professor de auto-escola? Percebam que o automóvel é um bem coletivo, da mesma forma que o computador; e percebam também que a humanidade somente deixou a era dos transportes movidos a tração animal quando os veículos automotores passaram a ser amplamente utilizados, e em toda a sua potencialidade, por toda a comunidade, e não apenas por seus inventores.
A São Judas está na Internet, sim, mas isto, por si só, não basta. O Departamento de Informática está em festas, e isto é motivo de júbilo e de alegria para todos nós; mas só estaremos definitivamente na infoera quando os demais departamentos começarem a brigar por este espaço; do contrário estaremos, via Internet, mostrando ao resto do mundo que ainda vivemos na idade da pedra.
Desta forma, devolvo aos membros de nossa comunidade a pergunta que tantas vezes me fizeram, agora com uma ligeira reformulação: Quando vamos entrar na infoera?
A.M.F.