Alberto Mesquita Filho
Editorial - Integração III(11):243,1997
Eu acho que, na área de Comunicação, o
Brasil só poderia ser comparado a alguns
países da América Latina, encontrando-se
muito atrás, por exemplo, dos países mais
desenvolvidos da América Latina como a
Argentina, o Chile e a Colômbia.
Clóvis de Barros Filho (*)
Censura é uma palavra que, por si só, inspira a indignação; e tanto mais,
quanto mais tenha sido objeto de mau uso. Aos brasileiros, por exemplo,
censura lembra, por um lado, iniquidade, tirania, o poder em mãos de
medíocres ou, até mesmo, o desprezo para com o trabalho alheio; por outro,
castração, impotência, subserviência. Embasados nestas tristes memórias, a
muitos já ocorreu propalar um mundo sem censuras, o que implicaria o absurdo
de "censurarmos a censura", promovendo cortes não apenas em nossos
dicionários, como também em nossa história.
Por falar em dicionários, existem nos mesmos conotações outras relativas à
palavra em foco e a mostrar que um censor nem sempre está a serviço da
tirania, conquanto se perceba, nas entrelinhas, que lhe é dada a antipática
faculdade de expressar comportamentos do tipo "eu" falo e "você" escuta, ou
então "eu" mando e "você" obedece, pois "eu" sou e "você" não é. Esta quebra
de simetria, entre seres semelhantes, muitas vezes se justifica por um
contrato prévio entre as partes. Assim é que o paciente paga para que o
médico fale e, consequentemente, o escuta, posto que o segundo "é"
especialista no assunto em pauta, enquanto o primeiro "não é" (Não confundir
autoridade no assunto com endeusamento do médico, uma condição que é tão
deletéria para a sociedade quanto para a medicina). Por outro lado, um
piloto de avião, frente a uma tempestade que se avizinha, escolhe a melhor
rota alternativa, censurando, ou mesmo, ignorando, qualquer opinião expressa
por um de seus passageiros leigos no assunto.
Existe, ainda, a censura editorial, acadêmica ou não. Não poderíamos, por
exemplo, censurar um editor de um periódico especializado, digamos, em
modas, pelo fato de não aceitar para publicação, e portanto, censurar, um
artigo de biologia molecular. Por motivos outros, é comum também a censura
editorial a artigos que façam apologias ao racismo, ou ao consumo de drogas,
ou ao banditismo, etc.
A censura editorial acadêmica talvez seja a que maior interesse desperte no
leitor de Integração. Sob este assunto, muito já foi publicado em nossa
revista, em particular no
Especial de agosto/96 (*). Lembraria apenas, por
um lado, a discutível avaliação pelos pares que, embora se distancie bastante
da idealidade, acumula créditos quando imaginamos o caos informacional que
redundaria com a sua abolição. Por outro, mas também relacionada à anterior,
temos a censura científico-profissionalizante, a limitar, ou mesmo a
abolir, a criatividade inerente aos jovens cientistas. Esta censura costuma
ser justificada —e eu diria, mascarada— nos períodos de ciência normal,
tão bem descritos pelo historiador Thomas Khun; períodos estes nos quais a
criatividade está sob a censura daqueles que detêm o monopólio da produção
científica e intelectual.
Todos nós, vez ou outra, certos ou errados, agimos como censores. E chega a
ser pitoresco notar que aqueles que mais se manifestam contra a censura
sejam exatamente os que censuram com maior determinação ou, às vezes, com
maior sofisticação. O símbolo tesoura, que hoje surge nos editores de texto
de seu computador, ao lado do recurso "Recortar", representa uma ferramenta
de edição que frequentemente é utilizada por jornalistas ao censurarem o que
é dito por seus entrevistados; os quais, via de regra, sequer chegam a ser
ouvidos a respeito. Sofisticação, mesmo, é a censura promovida ao vivo —e,
consequentemente, sem a necessidade de cortes— em programas de rádio ou de
televisão. Não consigo entender de outra forma as interrupções que são
feitas a um entrevistado no momento exato em que ele está prestes a dizer
algo que o telespectador está interessado em ouvir, mas que o entrevistador
não quer que seja dito.
É comum, quando questionado a respeito, o entrevistador, que assim age,
apelar para a quebra de simetria, já citada, tendo em vista que ele é, sem
dúvida alguma, um profissional da comunicação. Ora, parece-me estar havendo
aí uma ligeira confusão do tipo conteúdo-continente. O jornalista, mesmo
quando se senta numa poltrona tão confortável quanto a de um piloto de
avião, desempenha um papel que não chega a ser análogo ao desempenhado por
este último. Se é verdade que ele é um especialista em comunicação, também é
verdade que, na maioria das vezes, ele não é especialista naquilo que está
sendo comunicado, e portanto, não pode agir como censor do que não entende.
Quando muito, que ele descubra a melhor maneira de o entrevistado transmitir
o que pensa, posto que esta é a sua verdadeira função.
Em resumo, o importante não é abolir a censura, mas, sim, regulamentá-la,
garantindo-se a todos o direito de livre expressão; e, ao que me parece, a
nossa Constituição já se deu a esse trabalho. Lê-se nela: "é livre a
expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação,
independentemente de censura ou licença." Livre expressão implica
responsabilidade, o que está também lá expresso nos seguintes termos: "é
livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato". É importante
também percebermos que o "abaixo a censura", que ecoou nos primórdios da
abertura democrática, visava, principalmente, a resgatar um dos princípios
da comunicação jornalística ou artística, restringindo-se a defender os
direitos de uma ou mais classes, ainda que contasse com o apoio de toda a
população. Por outro lado, os dois itens acima citados, extraídos de nossa
Constituição, inserem-se num artigo, o quinto, destinado a contemplar todos
os brasileiros, haja vista que é encabeçado por: "Todos são iguais perante a
lei."
A.M.F.