O USO DO CACHIMBO...

framesAlberto Mesquita Filho

Editorial - Integração IV(12):3-4,1998

 

A história do ensino particular no Brasil é um exemplo dignificante de homens e mulheres idealistas, que, nas grandes metrópoles e nas urbes pequenas, nos humildes povoados e nos virgens sertões deste imenso país, lutaram e lutam pela grandeza da pátria brasileira e realização dos seus sonhos.
Alberto Mesquita de Camargo (*)

Sob o pretexto de confirmar o dito popular de que o uso do cachimbo faz a boca torta, o filósofo e educador José Arthur Giannotti (1) particulariza a máxima iluminista —o homem é bom e a sociedade o corrompe— aplicando-a aos educadores que não comungam de seus ideais. Algo semelhante já foi tentado pelo então Ministro da Educação do governo Itamar quando, ao se referir aos educadores que dirigem as instituições particulares de ensino, chegou a blasfemar: Já pertenci a esta casta: são todos uns malandros (2).

O unilateralismo de Giannotti imiscui-se com uma pitada de saudosismo político refogado com uma atitude preconceituosa que, dia a dia, vem sendo colocada de lado pelos agentes da mídia; por um lado, pelo fato de estarem estes cansados das meias verdades; por outro, em virtude deste clã ser hoje constituído por uma parcela significativa de excelentes jornalistas formados pelas instituições outrora denegridas.

Que a sociedade é podre, na concepção de Giannotti, depreende-se de seu conceito sobre o que seja o Conselho Nacional de Educação: O CNE consiste, antes de tudo, num órgão distribuidor de vantagens estratégicas. Que o educador se corrompe, ora aqui, ora ali, está explícito ou implícito por todo o artigo.

Não vou me expandir a ponto de comentar o decrépito e desprezível cartorialismo e/ou lobbismo, denunciados por Giannotti, a bombardearem, por toda a sorte de pressões, conselheiros susceptíveis a sucumbirem aos encantos da corrupção. O que me pasma, a respeito, é a sua resignação, aliada à proposição de subordinar e/ou regulamentar —visando aos interesses coletivos— atividades cartoriais que, em hipótese alguma, redundarão, a longo prazo, em benefícios para a nação. Quando muito, serão estas as maçãs podres a contaminarem o sistema indivíduo-sociedade e a justificarem a contemporização da máxima iluminista.

Não menos desprezível, conquanto ignorado pelos unilateralistas, é o lobbismo praticado de maneira indevida pelos agentes do corporativismo selvagem, já denunciado pelo atual Ministro da Educação no início de seu mandato. Refiro-me ao outro lado da moeda que, de maneira espúria, não só influencia como também muitas vezes se imiscui no que Giannotti denomina instituições representativas dos interesses vigentes na educação.

Quais são estas instituições, afinal? O artigo citado contempla a SBPC, a Anped e a Academia Brasileira de Ciências (ABC), ao lado de "outras instituições".

É difícil comentar sobre as instituições ocultas por detrás do pronome "outras", conquanto saibamos de suas existências; algumas já foram denunciadas em editoriais desta revista. Mais difícil seria lançar a primeira pedra sobre instituições legendárias como a SBPC e a ABC e que, ou muito nos enganamos, ou praticam um corporativismo sadio. As dúvidas ficariam, principalmente, por conta da aceitação ou não da premissa de uma sociedade corrupta ou corruptora.

Tomemos um exemplo. Recentemente, tanto SBPC quanto ABC lançaram um apelo à Presidência da República: "Presidente, retire a pós-graduação do projeto de ensino a distância". Até que ponto este apelo vem de encontro às reais necessidades do país? Está cientificamente comprovado que o ensino a distância titularia doutores com qualidade inferior à daqueles titulados por nossos centros de excelência? O Brasil está realmente formando doutores em número e qualidade suficientes para suprir nossas necessidades? Se não, o que é que se tem feito para a reversão desta disparidade? Existem outras saídas? Se sim, estão elas sendo, efetivamente, utilizadas? A quem interessaria manter o status quo?

Novos doutores significa maior competição, melhores pesquisas e... melhor divisão de verbas por parte de órgãos governamentais que, a exemplo do CNE de Giannotti, nada mais seriam do que "entidades distribuidoras de vantagens estratégicas". Residiria aí o "xis" da questão? Melhor divisão de verbas não combina com corporativismo ingênuo e/ou selvagem! Estariam SBPC e ABC cometendo equívocos ingênuos?

Voltemos ao tema principal: Louvem-se as intenções de Giannotti no que diz respeito ao revezamento dos membros do CNE. Promova-se o rodízio sistemático. Mas não se diga que não existem outras soluções moralizadoras, posto que a apresentada nada mais é que uma medida paliativa. É o que em medicina denomina-se tratamento sintomático: trata-se o sintoma, mas não a doença.

É óbvio que, se quisermos resgatar o devido respeito à nossa sociedade, devemos deixar o saudosismo iluminista de lado: A sociedade tem cura; e, às vezes, um único homem consegue modificar toda a sociedade, seja para o bem, seja para o mal. Exemplos: Gandhi e Hitler. A escolha é sua.

A.M.F.


Referências:
(*) MESQUITA DE CAMARGO, A.: Considerações sobre a escola particular, Integração II(4):60-72, 1996.
(1) GIANNOTTI, J. A.: Conselho Velho, artigo publicado em OESP de 26 de janeiro de 1998 e transcrito, na íntegra, em JC E-Mail (Jornal da Ciência/SBPC) em 26/01/98, N?. 949.
(2) A frase exata pode ser encontrada em um dos inúmeros artigos que o ex-Conselheiro do extinto CFE, Dom Lourenço de Almeida Prado, escreveu para um dos nossos jornais, há alguns anos.
(3) Jornal da Ciência (SBPC) XII(380):3, 5/12/97.

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