Alberto Mesquita Filho
Editorial - Integração V(19):243-4,1999
...não concebo que alguém possa ser educado
por este sistema de autotransmissão, no qual
as pessoas passam em exames e ensinam outras
a passar em exames, mas ninguém sabe nada.
Richard Feynman
Quando nos propomos a falar sobre educação a distância, um tema que sempre
vem à tona relaciona-se à substituição do homem pela máquina e, no caso em
apreço, do professor pelo computador ou então por equipamentos associados a
outras tecnologias desenvolvidas em paralelo. Alguns mais afoitos chegam a
conceber o fim da universidade ou, até mesmo, da escola em todos os seus
níveis.
Ninguém duvida de que o ensino vai mal e que, de uma forma ou de outra, deve
se modificar. Mas daí a concluirmos que podemos prescindir do ensino
modulado por um contato imediato, vai um passo muito grande.
Conquanto não seja devidamente lembrado, o ensino a distância é milenar.
Antes mesmo que o peripatetismo triunfasse nas academias gregas, já havia o
papiro a transmitir conhecimentos a distância, seja através do correio da
antiguidade, seja através de suntuosas bibliotecas a propiciarem o
autodidatismo que, sem dúvida alguma, é também um meio de se educar a
distância através da leitura seguida de muita meditação.
A escola, ao evoluir sob este clima, adquiriu um teto e não apenas fez um
pacto com a educação a distância, mas também deu-lhe sustentação através da
produção de novos conhecimentos, de novas metodologias e de novas
tecnologias. Na idade média não era raro o ensino através de cartas
manuscritas. Com o advento da imprensa, a propagação de conhecimentos
começou a atingir populações longínquas e que, até então, viviam à margem da
sabedoria. Ainda hoje sobrevivem cursos ministrados a distância através de
apostilas. E, não obstante, durante toda essa evolução histórica a escola
mostrou-se cada vez mais essencial à humanidade, liderando a marcha em prol
dos avanços científicos e tecnológicos e propiciando novos meios a fim de
que pudéssemos levar a educação aos nossos irmãos distantes.
Ao admirarmos as novas tecnologias a implementarem a educação a distância ou
mesmo ao entrarmos nas imensas bibliotecas universitárias da atualidade —as
quais, longe de sufocarem a universidade, convivem com ela e contribuem para
a efetivação do ensino tradicional— fica-nos portanto a impressão de que já
passamos por evoluções similares, como que numa sensação "dejà vu" a nos
rememorar eventos históricos tais como o advento do papiro, da carta
manuscrita, da imprensa, da apostila, do livro...
Precisamos sim promover uma revolução nos métodos tradicionais de ensino
para que se acabe de vez com a prática voltada totalmente à memorização de
fatos e destinada, única e exclusivamente, a formar cidadãos pela metade,
conquanto capazes de saírem-se bem em programas de perguntas e respostas,
tão ao sabor de nosso rádio ou de nossa televisão. Precisamos sim planejar
uma educação que valorize a intuição inerente aos seres humanos e que seja
essencial aos procedimentos criativos; pois o verdadeiro sábio não é aquele
que responde a todas as perguntas de imediato, mas aquele que sabe formular
problemas ou, então, aquele que sabe onde encontrar o que necessita para
chegar à solução dos problemas por si ou com a ajuda de outros, já
formulados anteriormente.
Qual seria então o papel da educação a distância?
A fim de simplificar, deixemos de lado os procedimentos autodidáticos e
outros que, sem dúvida alguma, retratam processos de aprendizado a
distância. Fixemos nossa atenção nas duas principais funções desempenhadas
pela educação a distância:
- A educação das massas desfavorecidas pela sorte e/ou por uma economia
selvagem. Este é um tema a envolver maciçamente pesquisadores da
área educacional e as soluções apresentadas estão à mercê da vontade
política, de nossos governantes, para minimizar o problema. Percebam
que estamos aqui nos utilizando de um método legítimo a remediar
erros de um passado recente. Que os políticos aprendam com estes
erros e não com as potenciais virtudes que possam vir um dia a
contrabalançar ou a mascarar a condição de marginalidade
científico-cultural em que foram lançados nossos semelhantes.
- A educação a distância como complemento à educação tradicional. Digo
a distância no sentido que, tal e qual a biblioteca, presta-se a ser
utilizada fora da sala de aula. Ao contrário do anterior, trata-se
de um tema a envolver pesquisadores de todas as áreas do
conhecimento e interessados no processo educacional. A esse
respeito, costuma-se dizer, talvez com um certo exagero, que as
principais ferramentas educacionais a serem utilizadas pelas
universidades nos próximos cinco anos "ainda não foram inventadas";
e não tenham dúvidas de que, de uma forma ou de outra, a maioria
destas ferramentas a serem criadas relacionar-se-ão com o que
chamamos educação a distância.
Para finalizar, deixarei "no ar" o seguinte questionamento: Não seria a
universidade o local apropriado para o homem adquirir a maturidade
científica, a ponto de aprender a discernir ou a valorizar —por si só e
independentemente de uma avaliação por seus pares— o que deve ou não
assimilar dentre uma infinidade de conceitos impostos pela mídia eletrônica?
E, desta forma, aprender a se auto-educar a distância pelo resto de sua
vida?
Estas e outras perguntas serão debatidas no VI Simpósio da Universidade São
Judas Tadeu, a ser realizado em outubro do ano 2000, e que terá por tema
central "Educação a Distância".
A.M.F.