Alberto Mesquita Filho
Editorial - Integração VI(21):83-4,2000
Não acredito na teoria corrente segundo a
qual, para tornarem uma discussão fecunda,
os opositores têm de ter muita coisa em
comum. Pelo contrário, creio que quanto mais
diferem os seus backgrounds, mais fecunda é
a argumentação. Não há sequer necessidade de
uma linguagem comum para se começar: se não
tivesse havido uma torre de Babel, teríamos
tido de construir uma. A diversidade torna a
discussão crítica fecunda.
Karl R. Popper, 1956
Multidisciplinaridade, bem como tantos outros temas vez por outra aqui
comentados, pertence ao rol dos conceitos mágicos a corroborarem a falsa
idéia de que "na prática a teoria é outra". Via de regra não é ou, pelo
menos, não deveria ser, se é que entendo o verdadeiro significado de teoria.
A busca pelo diálogo vem se caracterizando, nos últimos anos, como algo
inerente ao próprio conceito de universidade; e é aí que se encaixa a
multidisciplinaridade e suas variedades correlatas, interdisciplinaridade e
transdisciplinaridade, com essas últimas meramente enfatizando e/ou
direcionando aspectos inerentes à primeira.
Como instalar essa torre de Babel essencial ao bom funcionamento da
universidade, como observado por Popper em sua visão dialética? Como
administrar o que há de vir, se aceitarmos como fato incontestável que, para
atingirmos a ordem, a redundar em produção e disseminação de conhecimentos,
devemos começar pelo caos? Estaríamos realmente partindo do nada? Ou deveria
existir neste caos uma ordem superimplícita, à semelhança daquela procurada
por David Bohm ao estudar o comportamento de partículas elementares da
matéria?
Mas o que representaria essa ordem superimplícita para uma população de
acadêmicos dotados de interesses particulares vários e lotados em áreas, à
primeira vista, com pouca ou nenhuma afinidade? O que haveria de comum nessa
população a se reunir com a pretensão de caminhar do caos para a ordem? Não
seria algo equivalente ao visualizado por uma cozinheira quando reúne sobre
a mesa todos os ingredientes necessários para que produza um prato
apetitoso? Mas se for assim, a multidisciplinaridade não poderia ser forçada
a nosso bel prazer! Ou ela surgiria como uma evolução a partir do acaso, e a
selecionar acertos em detrimento de erros; ou então deveria contar com um
planejamento, a contemplar critérios básicos relacionados aos objetivos a
serem alcançados.
Imbuída nessa idéia, a equipe que planejou o Regime de Iniciação Científica
(RIC) chegou a ser denunciada por ter implantado, na mente dos jovens, o
caos; caos esse a se justificar na existência de princípios e métodos comuns
utilizados por todos os cientistas. Em menos de cinco anos os resultados
obtidos com o RIC começaram a demonstrar que a loucura de seus proponentes
estava aquém da falta de critérios dos que se rebelaram. E o que se vê hoje?
Jovens especializados nas mais diversas áreas do saber conseguindo manter,
uns com outros, diálogos construtivos e de alto nível, coisa que nem sempre
acontece em salas de professores de universidades do primeiro mundo, para
não dizermos em congressos universitários multidisciplinares.
Hoje, alicerces implantados, estamos caminhando rumo à consolidação do
Centro de Pesquisa da USJT. E o princípio a nos orientar nessa etapa, mais
uma vez esbarra com a multidisciplinaridade, agora sob uma visão antagônica
e complementar à primeira. Se até então pensávamos no que há de comum a
todos os cientistas e/ou produtores de conhecimento, agora o enfoque será
outro: O que há de diferente? Pois somente após estabelecermos essa
diferença é que poderemos agrupar os que possuem alguma coisa em comum. E o
princípio será a ordem superimplícita a nos orientar na reimplantação do
caos, agora em sua nova versão.
Nada disso fará sentido se os demais setores da universidade não nos
ajudarem na construção desta torre de Babel. Pois não haverá
multidisciplinaridade, nem tão pouco universidade, se não houver a
integração entre ensino, pesquisa e extensão.
A questão que hoje nos aparece é: Multidisciplinaridade para quê? Pois será
em meio às inúmeras respostas a essa pergunta que acabaremos por perceber a
abrangência do significado do termo. Poderemos então responder para nós
mesmos questões relativas a como, quando e porquê agrupar seres de áreas
pouco afins, evoluindo no sentido de desincrustarmos a ordem potencial
contida nesse caos.
A.M.F.