Diálogo com um jovem teorizador

framesAlberto Mesquita Filho

 

Editorial - Integração VII(24):3-5,2001

Abaixo, trechos de um diálogo que venho mantendo com um jovem teorizador. Espero que sirva para estimular outros jovens que, via de regra, são profundamente desestimulados a seguir suas vocações em prol do que foi denunciado por Mário Schenberg como "mediocrização deliberada" vigente em nossas universidades.
Alberto Mesquita Filho

Caro Sérgio

Li a tua última mensagem com carinho e chamou-me a atenção, em particular, a admiração que tens por Einstein a ponto de dizer, ao referir-te a tua infância: Einstein me parecia "um santo no altar". Pois eu costumo dizer que Einstein foi o avô de minha geração; ou o avô que todo garoto da minha geração gostaria de ter tido, principalmente após olhar para aquela fotografia onde ele está mostrando a língua e com expressão facial de riso. Quando ele morreu, 1955, eu tinha 13 anos de idade.

Quanto a tua idéia, de como ele teria chegado à teoria da relatividade, não sei se ele pensou no que afirmas nem se as coisas aconteceram exatamente dessa maneira. Mesmo porque Einstein nunca se preocupou em contar o que aconteceu entre o insight, que teve aos 15 anos, e a publicação da teoria, o que aconteceu aos 25 anos. A história que conheço é um pouco diferente e bastante relacionada ao eletromagnetismo e a uma bússola que ganhou aos nove anos de idade. É difícil saber o que preocupou inicialmente Einstein, se a informação transportada pela luz ou os absurdos que seriam observados, do ponto de vista electromagnético, caso conseguisse acompanhar um raio de luz. Mas uma coisa, a meu ver, é certa: a informação contida na luz pode ser pensada classicamente sem gerar paradoxo algum; já o modelo de Maxwell incompatibiliza-se com a relatividade de Galileu e, ao que parece, Einstein somente encorajou-se a publicar suas idéias quando visualizou essa incompatibilidade. Se a informação veio antes, é algo que dificilmente viremos a saber, pois parece-me que ele não deixou vestígios a esse respeito.

Sinceramente não consigo enxergar paradoxo algum no que afirmas. A falácia da física moderna, a meu ver, reside em não terem percebido os físicos que a teoria de Maxwell acoplava-se a um modelo exclusivamente macroscópico e incapaz de justificar qualquer efeito gerado no microcosmo e a ser transmitido para seres do microcosmo, como as partículas elementares. E a luz nada mais é senão um agente intermediário a promover a comunicação entre seres elementares. Logo, seus efeitos devem ser interpretados a luz de uma física coerente com essa realidade e não com o modelo macroscópico de Maxwell.

Quanto ao mais, diria que a tua mensagem é bastante interessante mas difícil de ser respondida pois aborda uma temática extensa e repleta de detalhes não apropriadamente interligados. Não veja isso como uma crítica pois cada um dos tópicos abordados justificaria uma ou várias mensagens tão ou mais longas, e as respostas, sem dúvida, seriam de maior extensão. Discordo de muito do que afirmas por motivos vários, alguns já comentados. Lembro apenas uma coisa que acho importante enfatizar: Não há como tentar unificar teorias incompatíveis entre si. E são totalmente incompatíveis entre si, por motivos amplamente conhecidos e até mesmo defendidos por físicos de respeito, dentre outras coisas, as seguintes teorias:

  1. Mecânica de Newton
  2. Teoria da relatividade geral de Einstein
  3. Mecânica quântica

Alguns afirmam que a mecânica de Newton é um caso particular das outras duas teorias. Não é e desafio a qualquer um dentre os que fazem esta afirmação a justificarem isto de uma maneira decente e não através dos absurdos que pregam. Pois uma teoria existe por seus princípios, por seus postulados ou por suas hipóteses e pelas consequências heurístico epistemológicas que gera, jamais por um conjunto de equações. Newton não formulou apenas um conjunto de equações mas desenvolveu uma teoria que permitia, em condições ultra particulares, que se assumissem determinadas equações "que davam certo". Deixou isso bem claro em inúmeros trechos de sua obra.

Afirmar que a teoria de Newton é um caso limite da física moderna retrata o desconhecimento do que seja ciência, do que seja teoria, do que seja filosofia da ciência e do que seja física newtoniana. Mesmo porque, uma coisa certa não pode sequer ser pensada como sendo um caso particular de uma infinidade de argumentos que a contradizem e que, quando em conjunto, dão certo sabe-se lá porquê. Onde a física de Newton não dá certo, sabe-se hoje perfeitamente porquê isso ocorre; por outro lado, onde a física moderna dá certo, ninguém conseguiu expressar a menor justificativa, por mais absurda e incoerente que fosse. Contentam-se então em proferir impropérios que somente servem para confundir o leitor.

Quanto às incompatibilidades entre física quântica e teoria da relatividade generalizada, daria para escrever um livro. Paradoxalmente, e como já afirmei, as duas estão intimamente comprometidas, tanto que ao negarmos uma, com frequência comprometemos a outra (vide Diálogo Bohr-Einstein). Não obstante, isto deve-se única e exclusivamente a questões já amplamente comentadas e relacionadas a seus alicerces podres: ambas apoiam-se na mesma teoria dos fluidos de Maxwell, algo que na realidade não existe e sequer foi postulado por Maxwell como tal. Pois Maxwell construiu um modelo macroscópico a funcionar exclusivamente no macrocosmo laboratorial.

Outro absurdo seria dizer que a teoria de Maxwell e a física newtoniana são coisas incompatíveis entre si. Não há como confundir uma teoria com um modelo que a representa em condições restritas e específicas.

O eletromagnetismo de Maxwell, além de ser uma teoria brilhante, utiliza-se de um modelo de fluidos e foi este o modelo que sustentou quase toda a tecnologia do século XX; não obstante, e como todo modelo útil, vale apenas para as condições em que foi proposto.

A física newtoniana, por outro lado, tem também, além dos "Principia", alguns modelos utilizados em condições particulares e válidos única e exclusivamente para as condições propostas. É o caso, por exemplo, de:

  1. Pontos materiais, algo que não pertence à teoria newtoniana em si, mas a um modelo secundário e a auxiliar no estabelecimento de equações úteis para determinados casos específicos;
     
  2. Ação a distância, artifício útil em condições extremas onde, e tão somente quando, a localidade e/ou a simultaneidade podem não entrar em consideração;
     
  3. Massa, algo útil e a retratar uma propriedade da matéria macroscópica no sentido em que podemos utilizá-la para edificarmos o conceito de força e, desta forma, promover um elo ou ponte entre mecânica e gravitação e/ou entre mecânica e eletromagnetismo;
     
  4. Corpúsculos de Newton, hipotéticos agentes a entrarem na constituição dos raios de luz e a justificarem fenômenos observados no laboratório e para os quais a óptica ondulatória de Huyghens, na visão de Newton, não conseguia explicar, por exemplo, os seguintes fenômenos:
        a) curvatura dos raios de luz a anteceder a reflexão ou refração;
        b) propriedades estranhas apresentadas pelos raios de luz ao atravessarem o cristal da Islândia e que hoje chamamos polarização, dicroísmo e dupla refração;
        c) anéis de Newton;
        d) curvatura "para trás" no vidro a qual, ao ser evitada pela adição de outras lâminas de vidro, dá origem ao que hoje é assumido como efeito túnel da luz;
     
  5. Aparente virtude magnética dos raios de luz, a sugerirem a existência de "lados da luz", algo que hoje está embutido no conceito de spin = 1 dos bósons.

Quanto à física moderna, sem dúvida seus maiores críticos foram Einstein e Bohr. Einstein estava perfeitamente ciente da incompatibilidade de sua relatividade com a mecânica quântica em desenvolvimento nos anos 30; e que, por sinal, e por mais que digam o contrário, apoiava-se fundamentalmente nos mesmos absurdos apontados por Planck e contidos na teoria quântica primitiva.

Einstein reconheceu a incompatibilidade entre as duas teorias e procurou incansavelmente corrigi-la através de duas maneiras:

  1. quer pela reformulação da quântica, chegando mesmo a propor o falseamento do princípio da indeterminação, algo que a meu ver conseguiu de maneira definitiva;
  2. quer pela evolução para uma teoria de campos que, por motivos para mim óbvios, não conseguiu sequer formular. E Bohr não negou nenhuma das considerações de Einstein mas simplesmente mostrou que, caso Einstein estivesse certo, sua teoria da relatividade geral, e por tabela também a restrita, estariam incursas nas mesmas falhas conceituais.

É óbvio que estou retratando minha maneira de pensar e não é impossível que esteja cometendo excessos e/ou valorizando excessivamente minhas idéias que, como não canso de dizer, estão impregnadas pelo classicismo que defendo. Não sou contra outras maneiras de pensar e, como já me referi incansavelmente, sou um profundo admirador de Einstein. Aprendi com Einstein a contestar a realidade e procuro imitá-lo no que ele nos deixou de bom mas não propriamente nas suas idéias, as quais ninguém melhor do que ele próprio combateu. A esse respeito, costumo dizer que da mesma forma que Kant, ao desenvolver sua filosofia da ciência, mirou-se nas idéias de Newton, Popper ao propor sua filosofia revolucionária, talvez o que há de melhor em termos de filosofia da ciência em todos os tempos, limitou-se a narrar o comportamento do cientista ideal; e o seu exemplo típico foi Einstein.

O que pretendo dizer com isso é que não sou contra idéias novas ou revolucionárias e nem mesmo aquelas que, por motivos ignorados, vão contra o senso comum, o que não é o caso da física moderna a partir do momento em que ficou comprovado que ela apoia-se num modelo inapropriado, o de fluidos elétricos. Logo, ela não vai contra o senso comum mas contra a realidade física.

Se as tuas idéias vão contra o senso comum ou não, isso não pesa contra a tua teoria. Mas de qualquer forma esse caráter deve estar bem evidenciado. Não tentes apoiar tuas idéias em três teorias incompatíveis entre si. Não procures agradar a ninguém. Se a tua teoria é clássica, assumas este fato. Se ela apoia-se nos cânones einsteinianos, idem. Se ela incorpora a dualidade da física moderna, defendas teus argumentos a justificarem esse posicionamento mas não queiras que ao mesmo tempo ela venha a se compatibilizar com qualquer das teorias clássicas. Em suma, assumas o risco inerente a tuas idéias revolucionárias e não tenhas medo de errar, justificando-as ora aqui, ora acolá.

Siga o exemplo de Einstein e combata, com unhas e dentes, aquilo que é incompatível com as idéias que pregas. Ou até mesmo o exemplo de Bohr, e aceites como certo aquilo que sabes de antemão estar errado, caso estejas convicto de que podes também escrever certo por linhas tortas. Mas em hipótese alguma entre na "onda" dos "físicos moderninhos" a se apoiarem na teoria que mais lhes convém para a finalidade de momento. Citando Mário Schenberg: "Não tenhas medo, não só de levar pancada, mas também de expor tuas idéias. Porque se tiveres medo, nunca poderás criar nada de original. É preciso que não tenhas medo de dizer alguma coisa que possa ser considerada como erro. Porque tudo que é novo, aparece aos olhos antigos como coisa errada. É sempre nesta violação do que é considerado certo, que nasce o novo e há a criação." E eu acrescento: Não tenhas medo também de errar. Porque o cientista é aquele que procura pela verdade e ao prosseguir por este caminho estará sempre à frente dos demais, seja abrindo, seja fechando portas. Logo, o cientista não erra pois a cada vez que constata que a realidade se opõe ao que ele antes pensava, com efeito ele descobre uma nova verdade. A ciência não é como gostaríamos que fosse, a ciência é o estudo da natureza e a natureza é o que é. Mas, e paradoxalmente, é exatamente pelo fato dela não ser como gostaríamos que fosse que é tão gostoso fazer ciência. Espero que me entendas.

Abraços do amigo de além-mar.

A.M.F.


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