Alberto Mesquita Filho
Editorial - Integração IX(35):243-4,2003
Se o senhor quer estudar em qualquer dos físicos teóricos os métodos que emprega, sugiro-lhe firmar-se neste princípio básico: não dê crédito algum ao que ele diz, mas julgue aquilo que produziu! Porque o criador tem esta característica: as produções de sua imaginação se impõem a ele, tão indispensáveis, tão naturais, que não pode considerá-las como imagem de espírito, mas as conhece como realidades evidentes.
Albert Einstein [1]
Começarei dizendo que a vida colocou-me desde cedo frente a um dilema: Ou eu adotava o materialismo como um ideal de vida, ou poderia deixar de lado todas as minhas pretensões de transformar-me um dia em um cientista de fato. Isso é simples de explicar: O cientista é aquele que procura decifrar segredos que jazem por trás de um
mundo de aparência material, logo não há como descartar essa realidade aparente. Costumo dizer que esta
realidade aparente manifesta-se através da regra da repetitividade
[1] e Popper, por razões equivalentes, considera esta realidade como aquela a sujeitar-se à falseabilidade experimental.
Seria isso equivalente a desprezarmos o espiritualismo? Seria o materialista um ser a abominar o espiritualismo? Quero crer que não. Para o cientista e, em particular, para aquele que está estudando dados a justificarem esta
realidade aparente —pois existem também aqueles que se preocupam com as interações mundo material-mundo espiritual—, o espiritualismo não é negado, simplesmente é deixado momentaneamente de lado. Só não enxerga esta verdade aquele que dificilmente consegue agregar algo de útil à ciência: os papagaios-cultos, ou os falsos céticos, ou os "céticos de carteirinha", ou os filósofos da mediocridade e/ou do que tenho chamado por Inquisição dos Tempos Modernos. Enfim, todos aqueles que leram Hume e não o entenderam, ou que leram Sagan e não o entenderam... Pois o cientista é um ser que
duvida para acreditar e estes fanáticos do que poderia ser chamado falso ceticismo
científico são indivíduos que duvidam com finalidades outras.
Se existe um fanatismo associado a isso que tenho chamado por falso ceticismo, existe também o seu oposto: aqueles que querem acreditar que tudo é ciência. Em meio a estes existem até mesmo aqueles que costumo chamar por
religiosos de pouca fé. E porque seriam de pouca fé? Porque a verdadeira fé não necessita da ciência. A ciência é muito frágil e não nos garante nada a não ser a satisfação pessoal por termos aberto uma porta de um mundo novo e a ser explorado ou, então, a de fecharmos uma porta que descobrimos não dar em lugar algum (um beco sem saída). Sim, é verdade, a ciência apóia a tecnologia e isso, ao lado de maravilhar-nos, acaba por nos
emburrecer e a nos levar a uma confiança excessiva na ciência.
Costumo dizer que a fé, tanto a fé religiosa quanto a fé científica (fé em uma teoria), é uma questão de opção e creio que o primeiro a dizer algo desse tipo teria sido Pascal. Ora, como posso negar um dado opcional senão através de outra opção que faço? A única diferença entre fé religiosa e fé científica, a esse respeito, é que a segunda sujeita-se à experimentação e, em decorrência, à falseabilidade. Mas até que seja falseada, qualquer teoria aceita é aceita pela fé. Dirão que uma teoria científica é aceita pela razão, porém em suas origens íntimas essa razão esbarra em uma opção por uma ou outra explicação a justificar um dado observacional. E esta opção, por mais racional que seja, justifica-se única e exclusivamente pela fé ou pela crença nesta teoria em detrimento de outra(s).
Ao lado da fé religiosa, existe ainda a fé no misticismo, e deixarei o esoterismo de lado, pois essa efetivamente
não é a minha praia. O misticismo também não precisa da ciência para se justificar. Aliás, digo que ciência nenhuma justifica misticismo algum. Porque então se procura com tanta ênfase embasar o misticismo na ciência? De três uma: ou são místicos de pouca fé, para não dizer ignorantes em termos de misticismo, ou são charlatões a tentarem vender gato por lebre, ou ainda são ignorantes em termos de ciência e, em virtude disso, valorizam excessivamente a ciência. Com grande frequência costumam apelar para o misticismo de Newton (por ex., "O espaço é o sensório de Deus), ou de Einstein (Deus não joga dados), ou de Bohr (taoísmo), como se isso bastasse para
cientifizarmos o misticismo.
Ora, o grande cientista, em especial o teorizador, é um ser altamente intuitivo e por ser intuitivo conserva a seu lado um poderoso ferramental místico. A ciência, por mais que digam o contrário, começa pela intuição e a intuição não se encaixa no método científico, pelo menos nesse método científico dos livros atuais. Mas isso não é o mesmo que dizer que a ciência apóia-se no misticismo e/ou que apóie o misticismo. Isso significa dizer que o verdadeiro cientista é um homem sem preconceitos e, como tal, utiliza-se de todo o ferramental que encontra a sua disposição, até mesmo o misticismo. Mas sempre consegue de alguma forma separar o joio do trigo. Newton jamais utilizou-se de hipóteses sobrenaturais a justificarem seus argumentos científicos, simplesmente fez comentários paralelos e interessantíssimos, talvez com finalidade didática, talvez para demonstrar a seus leitores que um ceticismo exagerado é deletério para a ciência em sua fase inicial, a fase intuitiva, exatamente aquela que responde pela evolução das ciências, exatamente aquela lamentavelmente desprezada por Thomas Khun no que chama de
período de ciência normal, se bem que, e de maneira bastante feliz, este tipo de evolução tenha sido valorizado por Popper com seu lema "revolução permanente". Einstein também procurou dar um valor didático ao seu comentário sobre a aversão divina para atividades lúdicas. E Bohr meramente apoiou-se na complementaridade yin-yang, algo que na época estava na moda, como
ponto de partida para que chegasse a seu princípio da complementaridade.
De minha parte costumo dizer que
em misticismo, como em ciência, gosto de ser autodidata. Porém com uma diferença: não faço nenhum esforço para compreender coisas místicas. Não gosto de estudá-las e sim de vivenciá-las.
[2]
A.M.F.
Referências:
- MESQUITA Fº, A.: Teoria sobre o método científico, Integração II(7):255-62,1996.
- MESQUITA Fº, A.:
Chamberland e o Paraíso Perdido, Editora Ateniense Ltda, São Paulo, 1991.