Os vários métodos científicos

framesAlberto Mesquita Filho

 

Editorial - Integração XII(45):103-4,2006

 

 

Na atualidade, quando se fala em método científico, paira no ambiente um certo ar de respeito ou de seriedade que me faz lembrar uma sátira de Rubem Alves, ao se referir à dialética. Vou então parodiar Rubem Alves, deixando claro que no original de Rubem Alves, ONDE SE LÊ expressão ou locução e método científico, LEIA-SE palavra e dialética:

Na maioria das vezes não sei o que as pessoas querem dizer quando usam a expressão método científico. É curioso o poder mágico que essa locução possui. Quando alguém afirma que a coisa se resolve através do método científico, todos se calam como se, de repente, tivesse raiado a mais radiosa luz em suas mentes. Às vezes eu chego a suspeitar que elas se calam não porque a luz tenha raiado, mas por puro medo. Medo de perguntar o que é método científico.

Método, no sentido proposto por Descartes, qual seja, o método que ele aprendeu a utilizar, poderia ser pensado como caminho ―percorrido individualmente― para chegar a um fim ou pelo qual se atinge um objetivo. Método científico seria então o caminho trilhado pelos cientistas quando empenhados na produção de conhecimentos.

Em meados do século XIX procurou-se por uma nova conceituação de método a valorizar a ciência como um bem social. Interessava, na época, enfatizar a ciência como algo produzido por uma comunidade ou então como algo a caracterizar uma profissão atrelada às instituições educacionais. Frente a essa nova realidade o amadorismo cartesiano até então cultivado por muitos, a exemplo de Darwin e Faraday, sucumbiu às novas regras do academicismo.

O cientificismo que então se instaurou primou pela observação do caráter progressivo das ciências naturais e o método científico, sob essa nova visão, deveria incorporar as virtudes inerentes a esse sucesso. Para tanto, desempenhou papel importante a obra de Pierre Duhen, sintetizada no excelente livro escrito no final do século XIX e início do século XX e intitulado O objetivo e a estrutura da teoria física. A partir desse livro, e graças ao clima socializante para o qual a ciência caminhava, alguns filósofos da época procuraram esboçar uma nova concepção de método científico, muito mais relacionado a como a ciência evolui no decorrer da história, do que a como um cientista, em seu laboratório (prático) e/ou em seu escritório (teorizador), produz conhecimentos científicos.

Quando hoje se lê os gigantes da metodologia científica (Popper, Kuhn, Feyerabend, Lakatos etc.) podemos estar certos de que eles estão se referindo a algo bastante relacionado a esse segundo método e que, para evitar confusões, eu prefiro chamar por um dos três nomes apresentados a seguir, todos mais ou menos equivalentes: 1) Método da evolução da ciência. 2) Método da teorização em ciência. 3) Método das grandes unificações em ciência.

O método das grandes unificações mostra-nos como uma disciplina científica chegou a ser reconhecida como tal. Como exemplo, podemos dizer que Maxwell unificou tudo o que se conhecia na sua época e relacionado à eletricidade, ao magnetismo e à óptica, criando assim a disciplina eletromagnetismo. Newton teria feito o mesmo com a mecânica. E por aí vai. É importante assinalar que este método não exclui a necessidade do método cartesiano. Para que exista um Maxwell, necessário se faz que exista um Coulomb, um Faraday e um Ampère. Cada um desses "trafegou por um caminho através do qual atingiu um objetivo" (lei de Coulomb, lei de Faraday e lei de Ampére). Ou seja, o método no sentido cartesiano se impõe como uma etapa necessária para que exista esse segundo método e, até mesmo, aquilo que se convencionou chamar por método científico da atualidade, como será visto a seguir.

O método das grandes unificações, ainda que abrangente, conserva ainda a idéia cartesiana de caminho, agora percorrido não por um único cientista, mas por um conjunto de cientistas e/ou pelo responsável pela reunião, de maneira coerente, do trabalho efetuado por seus antecessores. Sob certos aspectos, poderíamos dizer que este teorizador teria sintetizado o caminho percorrido por uma comunidade universitária internacional. Roland Omnès chama a atenção para este fato, deixando claro, não obstante, que o método científico da atualidade não seria exatamente este. O método das grandes unificações seria o método utilizado pelos teorizadores para construir uma dada área da ciência. Mas o método científico, na visão dos filósofos da ciência, seria antes um método para julgar esta ciência, uma vez que esteja construída. Haveria então um terceiro método, a que se propõe vir a ser doravante chamado por método científico e a permitir que se compreenda como podemos reconhecer retrospectivamente se uma ciência está firmemente estabelecida e se ela chegou a um conhecimento coerente.

É possível então entender, mais amiúde, algumas dentre as posturas filosóficas que vingaram no século XX. Popper, por exemplo, limita esse julgamento ao exame das previsões das teorias, e daí a ênfase no falseamento. Com efeito, concluída uma teoria, o bom teorizador costuma propor experiências falseadoras. Se o resultado for o previsto, a teoria é corroborada, do contrário será falseada. Neste caso não há mais porque induzir nada após a experimentação, a não ser o binômio “sim/não” (ou “corroborada/falseada”). É neste sentido que Popper abomina a indução deixando claro não haver aqui lugar para a mesma. A postura de Kuhn é bem menos liberalista, à medida que fixa normas de procedimento a serem adotadas por uma comunidade, ou seja, propõe um julgamento a ser efetuado precocemente e a cercear a liberdade do cientista. Lakatos ameniza um pouco este cerceamento ao delimitar zonas de livre pensar (periferia) e zonas a serem aceitas como tais e não sujeitas a modificações (núcleo das teorias). Feyerabend, por seu turno, impõe um liberalismo quixotesco e que com grande frequência tem sido confundido com o vale tudo em ciência.

Este terceiro método tem dado origem a inúmeras críticas e cismas na própria ciência, haja vista que não se consegue mostrar sua unicidade. Hoje em dia há quem proponha (dentre os autores nacionais eu poderia citar Severino) a existência de três métodos científicos (nesse sentido de julgamento e relacionado a como as ciências evoluem). Haveria então: 1) O método das ciências naturais, que teria sido sistematizado no século XIX; 2) o método utilizado nas ciências humanas, em vias de consolidação e que realmente, parece diferir do primeiro; e 3) um método ainda em germinação e voltado para as áreas a contemplarem sobremaneira a práxis, quais sejam, a política e a educação. A sistematização desse terceiro método seria obra a ser levada a efeito no século XXI.

A.M.F.


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