A Universidade e a Imprensa

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Integração III(9):116-8,1997

I - Carta do SEMESP ao Jornal "Folha de São Paulo"
II - Resposta do jornalista Gilberto Dimenstein
III - Editorial do Jornal São Judas
IV - Carta da SBPC ao Jornal "Folha de São Paulo"
V - Nossa opinião

 

I - Carta do SEMESP ao Jornal "Folha de São Paulo"
São Paulo, 12 de março de 1997.
Ao Jornal Folha de São Paulo
Nesta

DimensteinPrezados senhores

Com referência ao artigo publicado, nesta data, pelo Jornalista Gilberto Dimenstein, o SEMESP —Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo— faz as seguintes considerações.

Para o jornalista que está vivendo em Nova Iorque, é muito mais fácil observar e verificar as desigualdades entre nações de primeiro e terceiro mundos. Há diferenças na paisagem, no vestuário, nas residências, nas lojas, nas pessoas, na rua, na cultura, na economia, na educação, etc. Porém, será que isso é suficiente para dizer que o norte-americano é o melhor cidadão do mundo?

O mesmo pode-se dizer, aqui do Brasil, com referência aos alunos que freqüentam as universidades públicas ou privadas. As escolas particulares de segundo grau, de pessoas com melhor renda, são as principais fornecedoras de alunos para as estatais.

Na realidade, o problema é mais embaixo; entradas diferentes não podem gerar produtos iguais. O valor do Ensino Particular é, justamente, o de alavancar talentos, para que, com a educação continuada e a profissionalização, aquelas diferenças sejam menos sentidas e o valor individual sobrepuje quaisquer desigualdades. Por isso, não concordamos com o panfletismo dirigido contra as escolas particulares, nem com a manchete apelativa de primeira página (12/03/97 - "Folha de São Paulo").

Sem que todos tenham em mãos o produtos destas provas, será difícil fazer uma análise imparcial dos resultados, inclusive o de poder verificar se o processo de avaliação do MEC não deva ser aperfeiçoado.

Melhor exemplo é o próprio trabalho feito pela U.S. New & World Report, citado ao final do artigo, no qual a metodologia de avaliação é completamente diversa da aplicada pelo MEC. Além do mais, se o objetivo pedagógico da avaliação é o de conhecer as falhas para poder corrigi-las, a pior atitude, que se pode tomar com relação ao sistema, é colocar todos na vala comum da incompetência.

Ao invés de criticar, sem conhecer, profundamente, as causas, seria melhor valorizar o trabalho diuturno realizado pelas escolas superiores, pois, graças a elas, já se conseguiu formar mais de quatro milhões de pessoas, nos últimos trinta anos.

Em algum momento, o jornalista pensou nas conseqüências trágicas que teríamos para o país se não existisse a opção do Ensino Superior Particular? Haveria mais uma odiosa discriminação. A da elite dos diplomandos em ensino superior das escolas públicas e o resto.

Felizmente, existe o Ensino Particular e profissionais de sucesso, dele provenientes, em todas as empresas deste país.

Atenciosamente

Gabriel Mário Rodrigues
Presidente do SEMESP

II - Resposta do jornalista Gilberto Dimenstein
Painel do Leitor
Folha de São Paulo
21.03.97 - p. 1.3

Não existe nenhuma panfletagem. Apenas o fato de que a imensa maioria das escolas que ficou abaixo da média no provão é privada. Conseqüência trágica não é acabar com essas escolas, mas continuarem a fabricar diplomas, estimulando ainda mais as diferenças entre alunos ricos e pobres. A sociedade tem o direito de saber quais instituições, públicas ou privadas, têm desempenho que prejudica o funcionamento dela e, dependendo do caso, de puni-las.

III - Editorial do Jornal São Judas (abril/97)

Por inúmeras vezes, temos flagrado um certo preconceito contra as "Instituições Particulares de Ensino". Cabe salientarmos: críticas construtivas sempre foram, aqui, bem-vindas; e nem poderia ser diferente, tendo em vista que a Universidade São Judas Tadeu prima por dar um exemplo dignificante aos seus alunos do curso de Comunicação. Preconceitos, meias-verdades, má-fé e, por que não dizer, discursos lavrados com segundas intenções e/ou interesses mesquinhos —características peculiares ao que se convencionou chamar por imprensa marrom— ou, até mesmo, denunciando um injustificável temor de que, com a melhora do setor educacional brasileiro, possam surgir profissionais mais competentes do que os seus autores, não podem, de maneira nenhuma, passar incólumes.

A crise educacional brasileira —que hoje querem imputar ao setor privado, o qual, por paradoxal que possa parecer, proliferou a fim de atender a pessoas pertencentes às camadas mais carentes da população, exatamente as mais negligenciadas pelo Estado— tem raízes muito mais profundas do que aquelas apresentadas pelos agentes dessa insensatez; os quais, se não míopes, papagueiam regras ditadas por terceiros alheios à nossa realidade e desta situados a milhares de quilômetros de distância.

Não é minha pretensão ensinar o padre-nosso ao vigário; mas como educador e observador crítico da nossa imprensa, sinto-me na obrigação de aconselhar aos senhores "mantenedores" das "Instituições Privadas de Informação" a que propiciem condições para que seus colaboradores possam se instruir, minimamente que seja, em noções básicas de metodologia científica. Não é necessário transformá-los em cientistas da informação, mas tão-somente dotá-los dos requisitos necessários para, ao emitirem uma opinião, não se basearem apenas na "cultura do você decide".

A propalada avaliação universitária, conquanto processo não tão complicado, para que não pudesse ser valorizado em governos anteriores, não é também algo tão simples, a ponto de comportar —sem que antes se proceda a uma rigorosa, criteriosa, cautelosa e discutível redução de variáveis— uma interpretação ou análise monoparamétrica. A julgar pelas palavras do digníssimo senhor Ministro da Educação, o MEC está ciente das dificuldades inerentes a esse processo; e nem poderia ser diferente, posto que, quero crer, em sua pasta militam técnicos educacionais acostumados às práticas rotineiras próprias aos processos de avaliação.

Os palpiteiros em educação perdem-se exatamente no momento em que a sorte bate às suas portas. Não foi outro o caso do jornalista que teve, em mãos —com quase um mês de antecedência— resultados da avaliação que o MEC tem imposto às entidades de ensino superior, o já famoso provão. De posse de um material —verdadeiro furo jornalístico— que, em condições normais, lhe teria rendido uma série de reportagens, o jornalista precipitou-se e escreveu um único artigo do qual há de arrepender-se amargamente. Não só pelo conteúdo insosso, nem pela má-fé ou pelo preconceito, que, por mais de uma vez, vem demonstrando, contra as Instituições Particulares de Ensino, mas também pela infeliz escolha do título do artigo o qual, graças a seu sentido ambíguo, ofendeu não apenas as instituições, mas também, e principalmente, a imensa maioria dos universitários brasileiros, exatamente aqueles esquecidos não só pelos governos, mas também pelos demagógicos e pretensiosos defensores dos seus direitos.

Ora, se é verdade, como diz a imprensa leiga, que as instituições particulares de ensino superior constituem o reduto dos menos favorecidos, tanto econômica quanto culturalmente, não seria uma estatística, apoiada em uma ou duas variáveis, a mais indicada para fornecer subsídios que tenham, por finalidade, a comparação de méritos entre entidades tão distintas. Há que se ressaltar, também, que a grande maioria dos alunos das instituições, alvo destes jornalistas mal preparados, passa os dias trabalhando para custear seus estudos noturnos, sequer tendo condições de participar da política acadêmica a fim de exigir, dos órgãos governamentais, direitos legítimos e certos, tais como a isonomia educacional. E, não obstante, após o término da graduação, competem, no campo profissional, com a privilegiada minoria oriunda das instituições públicas. Com grande frequência, e para nossa alegria, flagramos jovens ex-alunos, indiferentes a todas as adversidades que a vida lhes proporcionou, competirem em pé de igualdade com a elite dos bacharéis oriundos das escolas públicas. É quando a ação gera a reação e os medíocres se traem, passando a regurgitarem impropérios, infâmias e calúnias, quando deveriam introverterem-se a fim de estudarem um meio de saldarem a dívida que têm para com toda a legião dos menos favorecidos.

Se, por um lado, é lamentável que existam, no Brasil, instituições particulares de ensino de má qualidade; por outro, é muito triste perceber que também existem "Instituições Privadas de Informação" que admitem, em seu corpo editorial, repórteres tão mal preparados naquilo que escrevem.

Alberto Mesquita Filho
Pró-reitor Comunitário da USJT

IV - Carta da SBPC ao Jornal "Folha de São Paulo" (14.03.97) *

Ao acompanhar as notícias veiculadas por esse jornal referentes ao resultado do exame de final de curso, feito pelo MEC, gostaríamos de externar a nossa preocupação com a formação de quadros qualificados exigidos para a inserção do país no mundo atual.

O resultado do exame não surpreende na medida em que, praticamente, toda a atividade de pesquisa do país é desenvolvida em universidades estatais.

Fica claro que só há ensino de qualidade onde existe um corpo docente qualificado e atualizado pelo engajamento diuturno, na geração de novos conhecimentos.

Admitir que basta suprir as instituições de ensino com equipamentos para melhorar a qualidade de ensino é ignorar toda a experiência acumulada pelas grandes universidades do mundo. É preciso conservar a união do ensino e da pesquisa nas Universidades, se quisermos formar quadros intelectualmente competentes. O discurso de modernidade passa necessariamente pelo respeito e a valorização do professor, em todos os níveis de ensino e, particularmente, no meio universitário, pela valorização do professor pesquisador.

A política de desqualificação das universidades estatais não constrói, na medida em que provoca a desmotivação de quantos naquelas instituições dedicam a sua competência e dedicação à formação das novas gerações de brasileiros.

Sérgio Henrique Ferreira
Presidente da SBPC

* Publicada, na íntegra, em Jornal da Ciência (SBPC), (XI) 362:1, 1997, e, parcialmente, em Painel do leitor (FSP), 23.03.97, p. 1-3.

V - Nossa opinião

O eminente cientista Sérgio Henrique Ferreira, presidente da entidade máxima a congregar os cientistas brasileiros, dá o seu depoimento pessoal a respeito da temática em questão. Há que se destacar:

  1. Ao se referir a "notícias", no plural, deixa claro que o artigo em debate se acompanhou de outros. Isto de fato aconteceu, o que, não obstante, pouco acrescentou ao original. Pareceu-nos clara a intenção do jornal FSP, implícita em editorial, em dar a entender que não compartilha dos preconceitos emitidos pelo autor.
  2. É digna de nota, e de elogios, a preocupação expressa no parágrafo primeiro.
  3. Parágrafo segundo: A premissa tem muito de verdadeira [praticamente toda a atividade de pesquisa do país é desenvolvida em universidades estatais]; a conclusão [o resultado do exame não surpreende] peca, dentre outros, por argumentos já apresentados no item III desta coletânea de tópicos [Editorial do Jornal São Judas].
  4. Parágrafo terceiro: Trata-se de uma opinião da qual compartilhamos, conquanto existam educadores e cientistas de renome a discordarem desta tese, não se justificando, pois, a expressão "Fica claro". "Esta questão, em debate no Ministério da Educação e no Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras [Crub], é essencial para o futuro da Instituição." (1)
  5. Parágrafo quarto: Concordamos com a tese. Há que se acrescentar que a grande maioria das universidades do primeiro mundo prima por uma ciência voltada às suas realidades; em termos de Brasil, esta política poderia redundar não apenas na redução de gastos com equipamentos importados, mas também no aprimoramento da tecnologia nacional.
  6. Parágrafo quinto: Se há uma política de desqualificação das universidades estatais, conforme denuncia o presidente da SBPC, urge que a entidade se manifeste com mais veemência, incluindo campanhas de esclarecimento público quanto a essa possível aberração. Esta política, ao que tudo indica, vai contra o exposto no artigo 46 da LDB-96 (2) que, ao tratar das instituições de má qualidade, em seu parágrafo primeiro, pune severamente as entidades privadas e, em seu parágrafo segundo, "premia" as entidades estatais com recursos adicionais necessários para a superação das deficiências.

Referências:
  1. Universidades de ensino e pesquisa e Universidades apenas de ensino?, Jornal da Ciência (SBPC), (XI) 361:7-8, 7/3/97 (O grifo é nosso).
  2. Vide Informativo CP deste número de Integração.

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