Alberto Mesquita Filho
Publicado em Integração II(6):222-4,1996
Tema desenvolvido na Mesa Redonda
O QUE É UMA REVISTA
CIENTÍFICA?
Organizada pela Equipe editorial de Integração e pela
Coordenação do
Curso de Comunicação Social da USJT
Em virtude do horário nós deixaremos os debates para a próxima reunião, mas
eu vou fazer aqui uma síntese reunindo alguns tópicos importantes que eu
anotei, no decorrer das palestras. Espero com isso facilitar a tarefa a nós
reservada para a próxima sessão e inclusive facilitar e/ou ampliar alguns
campos temáticos dos quais, certamente, surgirão boas perguntas.
Dentre os aspectos comentados pelo Pedro eu anotei publicação em revistas
estrangeiras. Por que é tão importante para a universidade brasileira
estimular ou até mesmo defender uma política que estimula seus pesquisadores
a se preocuparem, quase que única e exclusivamente, em publicar os
resultados de suas pesquisas em revistas estrangeiras? Por quê os reitores
das universidades brasileiras, bem como as demais autoridades educacionais
não fixam diretrizes políticas voltadas para a criação de revistas sérias no
país, a ponto de que os nossos pesquisadores possam aqui publicar os
resultados de seus trabalhos? Eu posso até concordar, se bem que com
reservas, que se publique um artigo em inglês, tendo em vista que o inglês
é, sem dúvida alguma, a linguagem universal, pelo menos no meio científico.
Mas por que não termos, em grande profusão, revistas nossas, ainda que
editadas em inglês; ou então revistas nas quais o pesquisador possa optar
pela língua em que pretenda ser lido? Ou melhor, por que não valorizarmos o
que temos aqui no país, estimulando, dessa forma, o desenvolvimento de
revistas cada vez mais gabaritadas? Até quando permaneceremos na menoridade
científica? Até quando precisaremos submeter nosso potencial criativo aos
caprichos de editores estrangeiros? Será que as nossas universidades não
possuem cientistas em condições de avaliarem seus pares? E se não, o que é
que se tem feito para combater esta disparidade? Será que a nova Lei de
Diretrizes e Bases, em vias de ser aprovada, cobre essa lacuna? Ou estará
ela apenas tentando promover o corporativismo doutoral no país, sem sequer
definir os requisitos mínimos, necessários e suficientes para que se possa
agraciar alguém com um título de doutor? Onde estão nossos doutores? Por que
não estão fazendo parte de Conselhos Editoriais de revistas internacionais
com a marca Brasil?
O Pflugers, por exemplo, é uma revista alemã, da área de medicina, e a
maioria de seus artigos são escritos em inglês, com resumo em alemão. E
vejam que a Alemanha é um país historicamente nacionalista, e ainda assim
aceita a condição de que uma de suas melhores revistas na área de medicina
seja publicada numa língua estrangeira. Eu também já li alguns artigos de
física publicados em inglês na Itália, outro país historicamente
nacionalista. Não me consta que alemães e italianos dêem preferência, quando
da publicação dos resultados de suas pesquisas, a revistas norte-americanas.
Na Dinamarca, então, nem se fala: quase todos os excelentes Scandinavian
Journal's, da área de medicina, são publicados em inglês. E eu poderia citar
aqui um grande debate que ocorreu na década de 60 entre pesquisadores
norte-americanos e dinamarqueses e que, dada a sua importância, chegou a ser
cognominado The Great Transatlantic Acid-Base Debate
(1). Os dinamarqueses
escreviam em revistas dinamarquesas, e os americanos, em revistas
americanas. E todos liam as revistas de ambos os países, tendo em vista que
eram revistas mundialmente bem conceituadas. Essa história de que um bom
artigo deve ser publicado nos EUA é um mito: os próprios norte-americanos
reconhecem que os artigos publicados nos EUA por autores brasileiros são de
baixa qualidade. Vamos então melhorar a qualidade de nossas revistas e
publicar aqui. Este é, na minha opinião, o grande desafio a ser perseguido
por todos nós. Nenhum dos representantes desta mesa veio aqui com a
finalidade de vencer um debate, mas para que possamos, unidos, delimitar a
estratégia a ser seguida pelos que pretendem seriamente encarar essa
batalha. Se a nossa ciência for boa, ela se imporá no "mercado" científico
mundial; caso contrário, estaremos única e exclusivamente colaborando para
que, uma vez por ano, a Folha de São Paulo aumente sua tiragem
ridicularizando os 50.000 cientistas brasileiros através da divulgação da já
famosa lista dos "produtivos", o que comentarei a seguir.
Mais ou menos nessa época do ano, por volta de abril ou maio, costuma sair,
na imprensa nacional, a lista dos "cientistas produtivos". O que é essa
lista? É uma lista baseada em revistas na sua maioria norte-americanas,
retratando um catálogo de autores brasileiros que "colaboram" com a ciência
norte-americana. O valor dado por nossa mídia a esse catálogo, e a
repercussão que a lista promove nos meios acadêmicos, responde à pergunta
Por que publicar lá? Esse mito, criado por nossa mídia, a valorizar apenas
os que publicam no exterior, consegue fazer com que muitos de nossos
cientistas improdutivos, e que são na realidade os burocratas do
corporativismo acadêmico brasileiro, publiquem aqui alguma coisa de
interesse não científico, mas jornalístico. Vocês poderiam dizer: mas nós
não temos revistas científicas de boa qualidade, e, portanto, é lógico se
considerarem como bons artigos apenas aqueles que conseguem atravessar
fronteiras. Mas isso é um erro crasso! E a nossa mídia está dormindo no
ponto e não está sequer desconfiando de que alguma coisa está errada.
Estamos simplesmente valorizando o produto norte-americano em detrimento de
alguma coisa que é nossa e que deveria estar ocupando um espaço que também é
nosso. Podemos e devemos criticar nossas universidades, sim, e estamos aqui
para isso, mas não pelo fato de elas não possuírem "cientistas produtivos"
ou que nome se queira dar aos cientistas americanóides, mas sim porque elas
não estão permeabilizando canais para que possamos produzir uma ciência
voltada à realidade nacional. Esse é um aspecto que eu acho importante e
interessante para que seja aqui discutido na sessão de debates.
Outro aspecto interessante a meu ver e comentado pelo Pedro, ainda que
ligeiramente, tendo em vista a escassez do tempo, é a importância da revista
científica para uma ultraespecialização precoce a ser observada pelos
jovens. Eu costumo dizer, para a turma do Regime de Iniciação Científica
(RIC), o quanto é importante ¾sob o aspecto da política universitária¾ o
jovem adotar, ainda que por um período efêmero, uma ultraespecialização.
Vejam que eu estou me referindo a uma postura exclusivamente política, e não
científica: o cientista deve cultivar sempre uma visão globalizante, e o
nosso RIC em hipótese alguma está voltado para a ultraespecialização, mas
sim para o seu oposto. Mas eu digo isso baseado na minha experiência pessoal
que não foi planejada, mas se deu por acaso. Graças a uma
ultraespecialização precoce, com dois anos de formado eu comecei a ser
convidado para fazer palestras no Brasil inteiro. Para que tenham uma idéia,
no estado de São Paulo, onde existia um hospital ou Faculdade de Medicina na
década de 70, eu cheguei a fazer palestra; e notem que eu me formei em 1968.
Por quê? Porque eu me ultraespecializei num tema que, na minha área de
atuação, e posso afirmar sossegadamente, não tinha concorrente no Brasil.
Como, a rigor, eu sabia tudo de quase nada, foi muito fácil atingir esse
status. Politicamente, isso é muito bom. Vejam que não era incomum na década
de 70 um médico ligar, de outro estado do Brasil, para o Pronto Socorro do
Hospital das Clínicas da USP, com a finalidade de sanar alguma dúvida a
respeito de um de seus pacientes; e se o assunto estivesse relacionado à
minha ultraespecialização, de alguma forma, este médico era orientado a
telefonar para a minha casa. Quem diria? Eu, um recém formado, sendo
solicitado para orientar, por exemplo, um livre-docente de João Pessoa! Pois
assim era. Cheguei até, de certa feita, a orientar um dos doutores da USP
quando, em pleno concurso para livre docência, teve, por ponto sorteado para
sua aula didática, algo relacionado à minha ultraespecialização; e isto uns
três anos antes de que eu me dignasse a cumprir créditos em pós-graduação.
Notem que o Pedro, por vias diversas, também chegou a ensinar um professor
de pós-graduação, e isso, como ele aqui confessou, foi muito importante para
a sua formação.
Qual a importância disso tudo? Se o cientista iniciante tiver ciência do
caráter fugaz e relativo deste sucesso incomum, ele terá muito a ganhar.
Isso é muito importante politicamente ¾e eu me refiro aqui à política
universitária¾ além de ser extremamente importante para o nosso ego, para o
nosso emocional. É muito gostoso ser solicitado por homens dignos do nosso
respeito. Se o cientista iniciante tiver senso crítico, ele terá muito a
ganhar sob vários aspectos: e, em particular, aprenderá por si só a
trabalhar com revistas científicas. Observem a experiência do Pedro: Ele se
ultraespecializou em wavelets! Qual a importância disso para a sua formação?
Só o futuro poderá dizer. Percebam, no entanto, que, pelo fato de dominar o
assunto wavelets, ele consegue se impor, em meio a mestres de outras áreas
do conhecimento, chegando mesmo a nos ensinar muitas coisas referentes a um
tema no qual ele não se ultraespecializou: O que é revista científica? Antes
de passar para outro tópico, repito aqui que o cientista, mesmo ao se
ultraespecializar, deve conservar o caráter globalizante, isso por que a
ciência não tem fronteiras. Quando muito apresenta obstáculos, transponíveis
com maior ou menor dificuldade.
O professor Raul também expôs, sob um enfoque diferente, o aspecto falta de
tradição ¾não apenas aqui na Universidade São Judas Tadeu, mas também no
Brasil¾ com respeito a revistas científicas, e eu acredito que haja muito a
ser debatido a respeito. Outro aspecto por ele levantado e que, a meu ver,
poderá ser considerado na sessão de debates, relaciona-se à questão
durabilidade das revistas científicas. Com efeito, uma revista científica é
feita, via de regra, para se perpetuar, ao contrário das revistas de banca
que, após um mês, acabam se extinguindo em consultórios médicos e dentários.
Sob esse aspecto o Pedro também se referiu de passagem, ao comentar o
cuidado editorial na confecção do índice, a fim de que a revista comporte
uma encadernação volume a volume.
Alguns aspectos bastante interessantes apontados pelo professor Daniel
complementaram a temática. Um desses assuntos refere-se diretamente à
revista Integração, então eu vou tentar justificar a nossa posição. Eu
concordo com muito do que ele falou, sobre a distribuição dos temas, essa
miscelânea apontada, então eu vou colocar aqui alguns aspectos relacionados
ao porquê de nossa opção por essa apresentação. Em primeiro lugar, e isso
chegou a ser aqui considerado, nós estamos em fase inicial de implantação de
um centro de pesquisa, e precisávamos de uma revista que funcionasse como
objeto pedagógico para iniciantes em ciência, em várias áreas. Muito mais do
que agradar o leitor, foi nossa intenção apresentar uma revista para que o
iniciante aprendesse a importância da utilização de revistas científicas e
perdesse o medo de ir em busca de outras, naquele processo extenuante e
encadeante comentado pelo Pedro.
Existe ainda um outro aspecto, a ser considerado, e que eu acho que está
relacionado ao fato de as boas revistas científicas terem índices ou na capa
dianteira ou na traseira. Eu nunca li nada a respeito e não sei se existe
algo escrito a justificar essa opção, ou então se a mesma surgiu por
critérios relacionados a algo muito em concordância com a seleção natural de
Darwin. Exemplificando: se alguém observar o Lancet, que é uma importante
revista médica inglesa, certamente esta pessoa, lembrar-se-á do New England
Journal of Medicine, caso já a tenha visto; ou até mesmo da nossa
Integração; da mesma forma que a revista popular Veja nos lembra da Isto É
ou da Visão. O que há em comum nas três revistas científicas acima citadas é
o índice na capa frontal. Por que essa escolha? Seria apenas uma questão de
imitação? Mas o que tem isso a ver com a miscelânea acima comentada?
Tomemos o exemplo da New England, que é internacionalmente reconhecida como
uma das melhores revistas de medicina. Sua capa, como eu disse, tem uma
formatação muito parecida com a nossa. Vocês irão então concluir que, por
ser uma revista de medicina, a New England não tem essa miscelânea: todos os
seus artigos referem-se à área médica. E assim é, com efeito, mas
coloquemo-nos na posição de um de seus leitores médicos especializados, por
exemplo, em nefrologia, como era o meu caso na década de 70. Ao observar o
índice de um dos exemplares da New England, eu me deparava, por exemplo, com
um artigo a respeito do sarcoma de Kaposi, ao lado de outro relativo a
pneumopatias crônicas, ou então entremeados com um terceiro de pediatria, ou
seguidos por uma discussão de caso clínico e, de repente, eu me deparava com
algo a me interessar e relativo à minha especialidade. E a euforia
resultante por essa constatação chegava a percorrer todo o ambiente onde eu
trabalhava, pois aquele exemplar do New England havia se lembrado de nossa
especialidade. Percebam o quanto é importante esse tipo de revistas ter o
índice na capa dianteira.
Uma revista científica não é algo feito para se ter em casa. Podemos até
mesmo assinar revistas científicas, e geralmente assinamos uma ou duas. As
revistas multidisciplinares, como é o caso da New England,
¾e digo
multidisciplinar no sentido de que aborda a quase totalidade das disciplinas
médicas¾ são revistas que se prestam a assinaturas, visto propiciarem seções
de atualização globalizantes, mas dificilmente encontramos, em suas seções
Artigos, um artigo que realmente nos interesse. Estes artigos, de nosso
interesse, geralmente nós os encontramos vasculhando a seção de revistas da
semana expostas nas bibliotecas especializadas. Por exemplo, um bom
pesquisador, em medicina, deve examinar pelo menos 30 revistas por semana, a
fim de que encontre sete ou oito artigos que o interessem, ao lado de outros
que acabam sendo anotados para consultas futuras.
Qual a diferença entre revistas como o New England, voltada para toda a área
médica, e uma revista como o Kidney, especializada em nefrologia? Uma
diferença é notada à primeira vista: o Kidney tem o índice na capa traseira.
Por quê? Como eu disse, nunca li nada a respeito, mas operacionalmente
entende-se, ou pelo menos eu assim entendia: Por ser nefrologista, e por ser
o Kidney uma revista respeitável, certamente eu iria encontrar, em qualquer
exemplar examinado, de dois a quatro artigos que me interessassem.
Consequentemente, eu iria pegar o exemplar, qualquer que ele fosse, e
levá-lo a uma mesa da biblioteca para exame e leitura. O posicionamento do
índice não iria afetar essa conduta. Um oftalmologista, por outro lado,
dificilmente passaria perto do local onde ficava exposto o Kidney, a menos
que ele estivesse interessado, por exemplo, em algum artigo relacionado a
fundo de olho em pacientes com hipertensão de origem renal, artigo do qual,
via de regra, ele tomava conhecimento através de referências bibliográficas.
Um outro tema interessante, colocado pelo professor Daniel, relaciona-se à
informatização científica via Internet. Este aspecto está preocupando a
comunidade científica sobre vários aspectos. A publicação científica via
Internet seria um tema a ocupar toda uma reunião como esta que estamos
fazendo. O grande empecilho, por enquanto, refere-se à regulamentação do
procedimento. A não proliferação de revistas via Internet está muito mais
relacionada a dificuldades inerentes a essa regulamentação do que,
propriamente, a problemas de natureza tecnológica. Dentre as dificuldades,
sobressaem: 1) o enxame de artigos decorrentes da liberação dos canais. Este
enxame é evitado em revistas através da intermediação do Conselho Editorial.
Se por um lado esta ação redunda num caráter discriminante que nem sempre se
reflete em efeitos benéficos para a ciência, por outro, permite que se
valorizem ou se ponderem artigos. Os dois sistemas, revista tradicional ou
revista eletrônica, apresentam vantagens e desvantagens, e este é um
problema difícil de ser solucionado de maneira a minimizar as desvantagens
decorrentes e inerentes a cada um dos processos. 2) Um aspecto também
importante, e alvo de críticas várias, relaciona-se ao problema de direitos
autorais; a Internet transformou-se num sistema permissivo a piratarias
várias, o que limita sobremaneira sua utilização por cientistas de respeito.
De qualquer forma, é algo que merece ser aqui lembrado e/ou discutido em
maior profundidade.