A síndrome dos três i's

eCCAlberto Mesquita Filho
Publicado em Integração I(2):128-32,1995

Problemas, de certo modo injustificáveis, têm surgido na escola superior, que merecem uma análise mais profunda. Certas situações têm levado os alunos a reagir de forma inadequada a uma população que, pelo grau de desenvolvimento físico e mental esperado nessa faixa de idade, deveria apresentar um comportamento mais amadurecido.
Leda Massari Macian (1977) [1]

A problemática Universidade-Realidade Nacional insere-se num contexto bem amplo. Os caminhos que podem nos levar a sua solução estão infestados por uma erva daninha que se instalou na terra em que em se plantando, tudo dá. Três são as suas raízes principais: a ideológica, a da ingenuidade e a da ignorância. Analisemos então em que consistem estes paradigmas que locupletam o que podemos chamar A Síndrome dos Três i's.

I - A raiz ideológica:

Com a falência das doutrinas ideológicas que polarizaram o mundo no século XX, emergiu um conjunto de idéias díspares que denotam uma saudável, porém ingênua, preocupação com a recuperação da credibilidade nos sistemas políticos. De saudável realça a procura por uma saída; de ingênuo destaca-se a crença na elaboração de uma ideologia sem princípios. O ingenuologismo congrega os saudosistas do ideologismo que, no decorrer do século, se polarizou em capitalismo de direita, ou falso liberalismo (quem tem dinheiro tem poder) e capitalismo de esquerda, ou falsa social-democracia (quem tem poder tem dinheiro). A dialética ficou restrita à práxis, ou seja, à prática objetivada pela teoria ou à "atividade que precisa da teoria" [2]. Nem mesmo os pseudo-socialistas se deram conta de que o pretenso socialismo científico, a ser válida a receita de seus precursores, deveria se sujeitar a uma constante e indefinida mutabilidade, incentivando desta forma o que poderíamos chamar teorexis, ou seja, a prática da teorização, ou a atividade que precisa da prática, ou ainda, a teorização objetivada pela prática. Não foi à toa que Leandro Konder, um dos estudiosos do assunto, ao perceber esta falha nos princípios da dialética de Engels, comentou: "Como poderiam ser fixadas em artigos as leis de uma filosofia da mudança, de uma concepção do mundo segundo a qual existe sempre alguma coisa de nova sob o sol?" [3]. A bem da verdade, há mais de 60 anos Gramsci [4] observou que este caráter (mutabilidade) estava implícito no que se convencionou chamar filosofia da práxis. É importante que não se confunda teoria (estática) com teorização (dinâmica), assim como não se deve confundir prática (ação qualquer, incluindo a ação irrefletida e inconsequente) com práxis (ação pensada e portanto adaptada ao espaço e/ou tempo em que acontece) [5]. Não se pode pretender uma revolução (práxis revolucionária) numa sociedade que não esteja devidamente preparada para suportar as consequências deste processo; e não se pode confundir revolução com guerra. Não se prepara um povo para uma revolução semeando-se a discórdia, mas sim através da educação. A guerra tem como finalidade imediata o domínio de uns sobre outros; a revolução, por outro lado, presta-se a promover a evolução da espécie humana. Vista sob este ângulo, a práxis revolucionária não é uma ideologia e sim uma opção de ação. Esta opção não se deve tomar sem que se saiba o que deve e o que pode ser mudado; e o que pode e deve ser mudado hoje não se resume a uma disputa de classes, mas é algo que jamais foi sonhado pelo mais pessimista dos filósofos do século passado.

Com raríssimas exceções, os cientistas políticos, tanto de direita quanto de esquerda, a exemplo dos cientistas naturalistas que assimilaram o comodismo consensual de Thomas Kuhn, fossilizaram-se a ponto de observar a nossa realidade com o olhar complacente das estátuas de filósofos mortos há mais de cem anos; e o que se vê hoje nada mais é do que a crise prenunciada por Thomas Kuhn [6] e que se segue ao que ele chama de "período de ciência normal", conquanto os dicionários possuam termos mais apropriados: período de estagnação ou de marasmo. Em meio a estes pseudo-ideólogos mesclaram-se os aproveitadores nada ingênuos, dispostos a transmutar esta má filosofia em oportunistas aplicações da decrépita lei consensual da mídia, ardilosamente e mui injustamente batizada como "lei do Gerson". A lei consensual da mídia nada mais é que a generalização do "oportunismo taticista" de Stalin, conforme interpretado por Leandro Konder [7] a partir dos estudos de Lukács.

Dentre as idéias díspares citadas sobressai a máxima do quanto pior melhor, apotegma antidialético, resquício do aforismo negação da negação. Este último, dentro de um contexto lógico, chega a ser edificante; isoladamente, no entanto, é tão inútil quanto a rede elétrica instalada numa casa não suprida por energia elétrica. Os adeptos da ideologia do quanto pior melhor propugnam pela manutenção em nossas universidades do "regime burocrático asfixiante", denunciado por Mário Schenberg [8], e que teve como resultado a "mediocrização deliberada dos jovens não só na USP como também nas demais universidades brasileiras". Ocasionalmente propõem medidas inovadoras que, via de regra, conspurcam "qualquer tendência destinada a que se retorne para uma universidade criativa". Brados como o de Mário Schenberg ficam a acumular poeira em nossas bibliotecas à espera da consulta daqueles que se tornaram imunes à imbecilização dirigida.

Estes ideólogos sem princípios em geral reconhecem e defendem a importância da pesquisa em universidades. Não obstante, no que diz respeito à universidade particular, apregoam que a mesma não tem competência para atingir este objetivo e, consequentemente, propugnam também pela descaracterização da iniciativa privada no ensino superior. Endossam com isso, e de uma forma sutil, a opinião daqueles que pretendem instaurar o monopólio estatal do ensino superior no Brasil, ludibriando a nossa Carta Magna sob a justificativa da inépcia das entidades mantenedoras de universidades particulares em superar o problema. Não obstante, estão cientes de que as universidades particulares vieram para ficar e, coerentemente com a inusitada e falsa filosofia que defendem, em hipótese alguma se opõem a isso: querem apenas que tais universidades se adaptem ao regime estagnante acima denunciado. A exemplo do que fazem com a universidade pública, toleram o que deveriam denunciar e denunciam o que deveriam tolerar. Em reforço a seus propósitos, ridicularizam quaisquer medidas destinadas a coletar subsídios em busca da reversão do processo desmoralizante do ensino superior brasileiro e aplaudem quaisquer manobras destinadas a alimentar o ciclo entrópico instalado. Não há muito mais o que comentar a respeito deste pretenso irracionalismo, posto que a bandeira que desfraldam já diz tudo: Quanto pior, melhor.

A outra face da excêntrica moeda a aninhar os pseudo-filósofos do achismo inconsequente é habitada pelos, também iconoclastas [9], defensores do lema quanto menos pessoas participantes da divisão do bolo, melhor. Médicos, advogados, farmacêuticos, jornalistas, etc, propõem que se restrinja ao máximo o número de cursos e/ou vagas de cursos destinados a formar competidores seus. Pesquisadores, por outro lado, postam-se como autoridades a propalar qual seria o número ideal de cientistas a dividir com eles a verba destinada a pesquisas pelo ministério da ciência e tecnologia. A um tempo em que o capitalismo financeiro ou monopolista desaba, graças à reação em cadeia que implode as outrora poderosíssimas multinacionais, homens sem escrúpulos, sob o respaldo da mídia conivente e/ou complacente, e de um congresso nacional inoperante, recorrem ao paternalismo de estado para que os contemple com medidas provisórias a favorecer seus interesses elitistas. Fecham-se assim as portas para uma competitividade sadia baseada na produção e na qualidade do que é produzido, criam-se normas a proteger a mediocridade e adotam-se medidas a justificar um falso corporativismo apoiado, não na defesa de interesses de classes, mas sim na entrega, a organizações não insuspeitas, da jurisprudência sobre temas de importância crucial para o país. Em apoio a este corporativismo consensual há que se destacar a já citada visão pseudo-filosófica e paradigmática de Thomas Kuhn, hoje amplamente aceita e defendida em nossos meios universitários seja por ingenuidade, seja por oportunismo.

Os conselhos profissionais e/ou de especialistas que, por métodos escusos, se imiscuíram no poder executivo e aí firmaram pé, a ponto de hoje ditarem normas de conduta a serem observadas pelas universidades, são exatamente aqueles que congregam profissionais autônomos, ou seja, os que de forma mais direta se relacionam, no exercício de suas profissões, com a comunidade. Em decorrência de seus atos somam-se, às já inúmeras limitações impostas à iniciativa privada no ensino superior, e que flagram pelo desrespeito ao princípio da autonomia universitária, os processos tecno-burocráticos a fomentar os desmandos, os achegos e os atropelos a emperrar o desenvolvimento do setor de extensão, um dos pilares da estrutura universitária.

II - A raiz da ingenuidade:

A ingenuidade dos pretensos ideólogos referidos no item anterior, conquanto chaga, é por si só inoperante, ganhando escopo somente à medida que alimenta os agentes do elitismo e do irracionalismo. Ao contrário desta, vou me referir neste item à ingenuidade como fator etiológico primário da síndrome que afeta a coletividade universitária e, por consequência, a sociedade brasileira.

Criou-se um mito, na área de pesquisa dos centros universitários brasileiros: para que esta possa ser considerada de alto nível, deveria estar intimamente associada ao dispêndio de vultosas quantias. Os crentes nesta realidade confundem pesquisa de alto nível com o que se convencionou chamar, nos países do hemisfério norte, pesquisas de ponta; ou então com o que poderíamos chamar pesquisas tecnológicas de fronteiras do conhecimento. Estas últimas estão, via de regra, intimamente relacionadas ao grau de desenvolvimento sócio-econômico-cultural da região em que acontecem. Por exemplo, seria altamente significativo se os nossos centros universitários conseguissem, através de uma adequação entre o que chamamos saneamento básico e a realidade do terceiro mundo, eliminar o risco do flagelo da cólera. As despesas seriam, sim, vultosas, porém dentro de um orçamento que a população certamente estaria disposta a gastar. As pesquisas de alto nível, por outro lado, são, via de regra, pesquisas científicas que, ao contrário das anteriores, caracterizam-se por um baixo custo operacional. Poucos são os pesquisadores de nosso país que se dão conta desta realidade.

A grande maioria dos nossos pesquisadores, por uma questão de status ou mesmo de um orgulho ingênuo, sonha em vir um dia a ser convidada a participar de pesquisas de ponta em países do primeiro mundo. Acalentam este sonho mantendo-se altamente atualizados em uma temática científica que não condiz com a realidade nacional. Cientes de que nem mesmo nossos mais sofisticados centros científicos possuem condições de competir neste terreno e lado a lado com seus congêneres estrangeiros, adotam uma postura sui-generis: gastam fortunas incalculáveis, ainda que dentro de nossa realidade econômica, para confirmar teses já amplamente corroboradas no primeiro mundo. A rigor não fazem pesquisas e sim experiências. Outras vezes propõem-se a realizar tarefas para nós irrelevantes ou a defender teses desprovidas de conteúdo sócio-econômico local. A fim de exemplificar, diria que, em medicina, algumas destas teses, se postas em prática, poderiam, quando muito, prolongar em um ou dois anos a vida média de um europeu. Enquanto isso, convivemos com uma das mais elevadas taxas de mortalidade infantil já registrada na história da humanidade.

Analisado sob o prisma educacional, o problema mostra-se ainda mais grave. Nossos jovens, treinados, a exemplo de seus mestres, para uma realidade que não é a nossa, perdem o seu referencial, postam-se num oceano sem rumo e transformam-se numa legião de pesquisadores inúteis. Os poucos que, por talentos próprios, conseguem se sobressair acabam sendo convidados a participar de pesquisas de ponta muitas vezes realizadas em universidades particulares do primeiro mundo; e os que ficam prestam-se a servir de subsídio para que os ideólogos do quanto pior melhor possam se dirigir à sociedade para mostrar o quanto o sistema político vigente no país é incompetente para administrar o ensino público.

Esta perda de referencial afeta não apenas os pesquisadores de carreira mas também os profissionais de nível superior. Digno de nota é o reflexo sobre a imprensa; se por um lado a mediocridade consequente à síndrome como um todo é de per si suficiente para justificar o baixíssimo nível dos noticiários escritos e falados a percorrerem o país, por outro nota-se que dentre os poucos repórteres que possuímos e que ainda conseguem concatenar as idéias, a maioria é incapaz de efetuar uma crítica construtiva a qualquer tema que seja nosso e, em decorrência disso, locupletam seus espaços valorizando exclusivamente temas importados, posto que estes foram devidamente comentados em suas vidas universitárias. Com grande frequência flagram-se, nos grandes jornais do país, notícias que, sem relacionar começo, meio e fim, deixam o leitor sem saber como, onde, quando nem por que aconteceu o que "foi noticiado". Estes jornais se engalfinham em disputas homéricas destinadas a atrair a atenção do leitor para que escolha, dentre eles, o menos pior. Estes jornais, de tempos em tempos, e malgrado estas pequenas rixas, unem-se com a finalidade de, em nome da elite que corporificam, defender a liberdade de expressão, garantindo para si o monopólio de um direito que, a ser observada a nossa Constituição, é assegurado, sabe-se lá como, a todos os brasileiros.

III - A raiz da ignorância:

A ignorância é um tema pouco estudado. O Novo Dicionário Aurélio, por exemplo, que, de forma imparcial e não proposital, retrata o resultado de uma pesquisa sobre nossa cultura literária, dedica 84 linhas para se referir a saber e sabedoria e apenas 21 linhas, ou seja, um quarto do total anterior, para discorrer sobre ignorar e ignorância. Perscrutando outras fontes de conhecimento como, por exemplo, livrarias, bibliotecas, jornais, revistas, programas de rádio ou televisão (excluindo-se os humorísticos) concluiremos que nossa ignorância sobre a ignorância é muito grande. Não obstante, não foram poucos os sábios dos séculos passados que, a exemplo de Rousseau, a cultuaram como a geradora da insatisfação que, aliada à fé em si próprios, atuou como o agente motriz a condicioná-los a procurar pela verdade.

Nem toda a ignorância, a exemplo daquela dos sábios, é salutar. Existe também a ignorância dos incultos ou pouco instruídos, ou seja, daqueles que não tiveram, por motivos vários, a oportunidade de se igualar aos considerados por consenso como sábios; e existe ainda a ignorância dos arrogantes, via de regra relativa e, a rigor, a pior de todas, posto ser altamente contagiosa, assintomática, frequentemente imune a terapias, e intimamente associada ao que denominarei abaixo ignorância reflexiva. É de se notar que em muitos casos a ignorância se confunde e/ou está associada à ingenuidade.

Podemos ainda pensar na ignorância como um fator social, ou seja, retratando o posicionamento dos indivíduos dentro de um contexto social. Existem então: a ignorância própria de uma sociedade em evolução e a ignorância sócio-disfuncional. Esta última pode ser subdividida em três grupos: autóctone, reflexiva e dirigida. A ignorância sócio-disfuncional autóctone é própria dos indivíduos que tiveram falhas em seu processo de socialização [10], seja ela primária (familiar), seja secundária (escola, trabalho, etc). A ignorância sócio-disfuncional reflexiva surge em virtude de falhas dos meios de comunicação, ou então pelo consensualismo, que virou moda após a grande aceitação da filosofia de Thomas Kuhn entre os cientistas, ou ainda pela apatia, pelo conformismo, pelo modismo ou pelo comodismo (é mais fácil concordar que subverter), etc. A ignorância sócio-disfuncional dirigida tem, como agentes epidemiológicos, dentre outros, os ideólogos sem princípios, podendo-se especular sobre a influência do Estado em sua origem e/ou agravamento. Assim é que Martins Ferreira [11], ao comentar sobre a intervenção do Estado na educação diz: "Ao controlar o Estado, os grupos dominantes têm condições de influenciar a educação. Evidentemente, essa influência será mais intensa e monolítica nos regimes ditatoriais... Não devemos esquecer que tal influência também ocorre nos regimes democráticos."

A fim de demonstrar como a ignorância concorre para a instalação e compleitude da síndrome dos três i's, nada melhor que recorrer a alguns exemplos:

1) Não é raro o pessimismo, produto da ignorância, daqueles que acreditam que as universidades particulares do terceiro mundo não possuem condições financeiras para realizar pesquisas. Esta tese tem sido aceita gratuitamente, e até mesmo defendida, por uma fração significativa de eméritos educadores da rede particular de ensino superior. Percebe-se no entanto que, se pessoas deste porte convenceram-se gratuitamente deste postulado, não deve ser difícil, tampouco dispendioso, corroborá-lo cientificamente. Mas a este ponto teremos realizado uma pesquisa que se autocontradiz. Silogismo crítico? Sim, nada melhor que combater um paralogismo com outro. Com grande frequência, educadores da rede oficial do ensino superior, ou mesmo agentes dos vários escalões do governo, dão respaldo a esta tese afirmando que cabe às universidades particulares se preocuparem única e exclusivamente com o ensino, deixando a pesquisa a cargo das universidades públicas. É importante aqui ressaltar que a grande maioria das universidades particulares brasileiras existem, como tais, a menos de uma década; e em termos de ensino superior, o Brasil desponta como uma nação que acabou de sair da pré-história. Tais universidades surgiram, via de regra, no seio de instituições de ensino de nível médio, nas quais a pesquisa existe apenas como objeto de ilustração didático-pedagógica. Compreende-se pois o temor que alguns educadores denotam em se envolver numa empreitada que se lhes transparece como misteriosa quando analisada sob o ponto de vista econômico; e tanto mais misteriosa quanto mais adicionar ao fator ignorância, os fatores apontados nos itens anteriores. Deve-se ressaltar também que esta ignorância faz parte do processo de evolução pelo qual estamos passando. Com efeito, não se deve olvidar que as grandes universidades públicas brasileiras, que sem dúvida alguma estão um passo à frente de nossas universidades particulares, atingiram esta posição não apenas por existirem há mais tempo, mas também porque em suas fases iniciais tiveram a humildade de importar cientistas estrangeiros que se dispuseram a nos ensinar o bê-a-bá da metodologia científica.

2) Por falar em ignorância, você sabe em quem votou nas últimas eleições? É bem possível que não. Aqui entre nós, com grande frequência eu não me lembro e nunca me envergonhei disso; e se você é como eu, ao contrário do que afirmam alguns políticos demagogos ou mesmo alguns repórteres ou entrevistadores ingênuos, não há porque se martirizar por isso. Com efeito, esta pergunta vem sendo espalhada pela mídia, ou pelos detentores do Cartel da Palavra, com uma única finalidade: a de que você se cale e assuma a responsabilidade pelo que aí está. Eu vou fazer uma outra pergunta e, essa sim, deve preocupá-lo: Quanto tempo de lazer, ou de convívio com os seus entes queridos, você desperdiçou, por ocasião da última eleição, para escolher o menos pior dentre uma lista de vigaristas e/ou incompetentes e/ou inoperantes que há várias décadas dominam este país em seu nome? Pois saiba que esta lista foi elaborada às custas de um dinheiro que saiu do seu bolso e que deveria reverter em benefício da coletividade da qual fazemos parte. Não se preste a refletir a ignorância daqueles que, bem ou mal intencionados, procuram lhe incutir a culpa por uma aberração da qual você pode até ser responsabilizado, não pelo fato em si e sim por seu alheamento, por seu marasmo ou então pela não procura por uma saída; ou ainda por ignorar ou menosprezar a sua condição de ser social.

IV - Escólio:

Conhecidos os agentes causais, estamos agora em condições de definir a síndrome citada: Trata-se de um estado mórbido, capaz de acometer sociedades organizadas, que se caracteriza por um conjunto de sinais e sintomas bem definidos, desencadeado pela ação concomitante dos três fatores etiológicos assinalados nos itens precedentes e que evolui inexoravelmente para a entrada num ciclo entrópico autodestrutivo. Dentre os sinais e sintomas iniciais destacam-se: a mediocridade, o marasmo, o alheamento (e eu com isso?), a baixa produtividade, a evasão escolar e a evasão de cérebros. O estado irreversível, autodestruidor e orwelliano [12], a que tenho chamado ciclo entrópico da sociedade, caracteriza-se pela seguinte tríade: a decadência da fé, essencialmente da fé em si mesmo e por extensão da fé grupal; a falta de amor, ou seja, do ingrediente que mantém a sociedade unida e coesa; e a incomunicabilidade social, ou seja, o descontrole ou a perda total do poder da palavra pelos membros efetivos da sociedade.

Enquanto existir uma elite pensante haverá sempre uma esperança, ainda que tênue. Esta será a grande tarefa a ser desempenhada, ainda neste fim de século, pelo complexo universitário brasileiro: a de assumir o papel de agente neguentrópico da insensatez apontada. É portanto dever da universidade denunciar com veemência este descalabro político, econômico e social em todos os Fóruns que ela organizar e/ou para os quais ela for convidada a participar, no sentido não só de orientar a população, mas também de incentivar os legítimos educadores que militam no MEC, no CNE e em outros órgãos públicos ou não governamentais ligados ao ensino para que despertem para a realidade insana em que vivemos e, antes que seja tarde, assumam o papel de agentes efetivos da revolução que está a termo.

Acomodar-se frente a este descalabro reinante é o mesmo que compactuar com os responsáveis pela fome, pela miséria, pela corrupção, pela desnutrição, pela desidratação; é conveniar com a indústria da seca e da doença; é permitir a divisão do país em regiões inamistosas, cada uma das quais responsabilizando a outra pelas desgraças encomendadas pelos donos do poder ¾e estes jamais serão julgados nas regiões em que ocorrerem os litígios¾ é permanecer inerte enquanto os ideólogos sem princípios preparam a instauração da república da mediocridade em que, enquanto existirem escolas, a evasão será a regra. Os cérebros irão se exaurir, mas... Quem sabe permaneçam alguns poucos para firmar a história. Dentre estes, o cientista adaptar-se-á à visão paradigmática de Thomas Kuhn; o filósofo recolher-se-á às trevas; o comunicador postar-se-á como vendedor de ilusões a uma inútil legião de autômatos; o poeta produzirá cantigas de escárnio; o pintor, o teatrólogo, o escultor o músico, o artista enfim, encontrarão um terreno fértil no qual poderão expressar a miséria generalizada. Mas ao educador que deixou de lado sua função primordial de denunciar, batalhar, orientar os incautos, enfrentar os arrogantes, para que não chegássemos a esse caos,... nada mais restará a fazer senão chorar.

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Referências:

[1] MACIAN, L. M., Problemas de Relacionamento Humano na Escola, Faculdade, Revista do IAMC, n.1, dezembro de 1977, p. 33-5.

[2] KONDER, L.: O Futuro da Filosofia da Práxis, Editora Paz e Terra S/A, São Paulo, 1992, p. 116.

[3] KONDER, L.: O Que É Dialética, Abril Cultural/Brasiliense, São Paulo, 1985, p. 60.

[4] GRAMSCI, A.: Concepção Dialética da História, Edit. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1978.

[5] MESQUITA F°., A., Teoria e Prática: Duas faces da mesma moeda, discurso proferido em 8/5/95, por ocasião da abertura da III Semana de Educação Física da USJT.

[6] KHUN, T. S., A Estrutura das Revoluções Científicas, trad., Ed. Perspectiva, São Paulo, 1975.

[7] O Futuro da Filosofia da Práxis, já citado, p. 77.

[8] Anais do Simpósio de Física em Homenagem ao 70º aniversário do Prof. Mário Schenberg, Edição do IFUSP, 1987, São Paulo.

[9] Iconoclasta: pessoa que não respeita as tradições, a quem nada parece digno de culto ou reverência (Novo Dicionário Aurélio).

[10] Socialização: processo que faz com que os homens se tornem seres sociais (Ferreira, Roberto Martins, p. 34, vide a seguir).

[11] FERREIRA, R. M.: Sociologia da Educação, Editora Moderna Ltda., São Paulo, 1993, p. 171.

[12] de George Orwell, autor de 1984.

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