Ensaios sobre Filosofia e Ciência Orientais
2 — A Ciência Oriental Antiga Capítulo 13 do Livro 1 Introdução O Oriente também tem uma ciência; em especial, o Oriente Antigo. E a nossa em muito pode se beneficiar se assimilar seu conteúdo. Não é a "ciência" do misticismo nem da magia negra, como o leitor pode estar imaginando, embora isto também exista lá; e talvez de forma mais desenvolvida do que aqui. Não. Refiro-me à autêntica ciência oriental. Não é fácil entendê-la; o choque de culturas é muito grande. Mas não é impossível. Com efeito, se qualquer criança oriental o consegue, deve haver algum meio de um adulto, sem preconceitos, aqui o fazer. Não creia o leitor que eu domino estes conhecimentos. Isto não é verdade. Mas, do pouco que estudei, percebi que a ciência oriental antiga apoia-se numa lógica universal, podendo ser compreendida pelos ocidentais. Nossas ciências podem se confundir, podem se completar. Não há porque deixar de lado o que de bom os irmãos orientais têm a nos oferecer. É suficiente desfazer a torre de Babel que nos separa. Se conseguirmos encontrar uma linguagem comum, muito teremos a aprender; e muito teremos para dar. A ciência oriental apoia-se no chamado Princípio Unificante. É unificante por vários motivos: unifica a ciência e a filosofia orientais; unifica os fenômenos encontrados na natureza, da mesma forma que os princípios ocidentais; e está constituído por doze teoremas e cinco ordens, unificados em torno de um enunciado que diz que tudo na natureza pode ser considerado como Yin ou como Yang. Alguns chamam-no de Princípio Único. Mas este termo, além de ser produto de má tradução, revela-se bastante antipático e tem dado origem a falsas interpretações, razão pela qual procuro sempre evitá-lo. É o lado mal do Oriente; são os donos da verdade oriental, que pretendem negar a nossa ciência, querendo nos fazer acreditar na existência de um único princípio. É o cientificismo oriental que existe apenas para confirmar o seu próprio princípio. São, na realidade, vários princípios reunidos em torno de uma única "verdade": Tudo na natureza ou no Universo pode ser encarado como que constituído por antagônicos complementares. E não é por outro motivo que admitem que, excetuando a matéria prima do Universo, "tudo que tem um começo tem um fim"; é como o ditado popular ocidental a dizer: "após a tempestade vem a bonança". Este é um ditado fácil de ser entendido, mostrando que a nossa cultura também admite a divisão das coisas em Yin e Yang. Dizem também os orientais que "tudo que tem uma frente tem um dorso"; e nós dizemos: "quanto maior a altura, maior o tombo" ou então, "quanto maior a desgraça, melhor o porvir". A lógica é a mesma. Apenas, nós as consideramos "frases que consolam" ou então que diminuem a "dor de cotovelo"; enquanto os orientais penetram na profundidade do antagonismo e da complementaridade, erigindo sobre os mesmos uma ciência e, ao mesmo tempo, uma filosofia de vida. 2 O Conflito de Linguagens O que será Yin e o que será Yang? Ou o que será a iniologia, que é o estudo do complexo Yin-Yang ("in" de yin e "io" de yang, que é como se os pronuncia). A resposta não é simples; e a dificuldade, a meu ver, reside na nossa linguagem. Nossa maneira de falar, de agir e de pensar é dualista. Há sempre pelo menos duas maneiras de nos referirmos às características de um objeto. Nossa linguagem é extravagante por natureza. Desnecessariamente extravagante. O que não significa que devamos abandonar esta riqueza; mas também não podemos nos escravizar à mesma. Notem, por exemplo, a seguinte série de pares de palavras:
Poderíamos selecionar uma palavra de cada par, desprezar a outra e, ainda assim, conservar a totalidade dos conceitos. Bastaria utilizar, como artefato, os termos "mais" e "menos". Vejam só:
Perceberam! Já estamos a meio caminho de criar o nosso próprio Yin-Yang, ou o nosso "Mais-Menos"; ou a nossa "maismenologia". O problema de linguagem está resolvido. Falta dotar a linguagem resultante de lógica. Não podemos desprezar os termos ao "bel-prazer", apenas para economizar páginas de dicionário; e, como disse, não estou propondo o abandono da nossa riqueza linguística. 3 A Linguagem Científica Ocidental O que propus no item anterior não é tão absurdo do ponto de vista científico ocidental. Com efeito, a nossa ciência possui termos não dualísticos. Ela, por exemplo, substituiu conceitos como quente e frio por temperatura. É comum dizermos que quente e frio refletem sensações subjetivas; e a temperatura, dada por um número, represente um índice objetivo. Vejam que fomos além do que, simplesmente, caracterizar um corpo como tendo "mais" ou "menos" alguma coisa do que o outro: Construímos uma escala de valores de forma que, correspondendo a qualquer número, temos sempre uma infinidade de valores "mais" de um lado e uma infinidade de valores "menos" do outro. E este "mais" ou "menos" é sempre relativo ao valor considerado como central; ou, em outras palavras, ao referencial. Correspondendo à série de palavras do item anterior, teríamos os seguintes conceitos não dualísticos: temperatura Ou seja, a linguagem científica ocidental é monista, comportando uma dialética. Mas é um monismo difícil de evoluir para uma iniologia pois foi construído ao acaso. Se quisermos transformar o nosso "mais" e "menos" em Yin e Yang, teremos que redefinir nossos conceitos. Seria uma tarefa ingrata e pouco gratificante. A população ocidental não a aceitaria e, durante anos, os cientistas ficariam falando sozinhos. É mais fácil incorporar o Yin e o Yang orientais. 4 A Lógica Oriental A lógica oriental, ou, em particular, a iniológica, não é tão complexa quanto parece à primeira vista. É, acima de tudo, uma lógica racional. Admitamos que ao exprimirmos quente e frio, em termos de yin e yang, digamos que o quente é o yang. Com esta simples escolha teremos praticamente definido todos os demais yin e yang. Daqui para a frente a tarefa será puramente experimental e/ou observacional. Neste ponto termina a filosofia oriental e inicia-se o que poderíamos chamar "a ciência empírica oriental". Se eu quero classificar o leve e o pesado, após a escolha efetuada acima, o problema é muito simples. Deixamos um objeto leve e um pesado caírem de uma mesma altura sobre objetos idênticos (um calorímetro por exemplo). Com o impacto, consequente à queda, notaremos que um dos corpos se aquecerá mais do que o outro. Desta forma chegaremos à conclusão de que como o quente é o yang, o pesado também será. Numa segunda etapa, deixamos objetos idênticos caírem de alturas diferentes. Pelo mesmo motivo, concluiremos que o que está (ou estava) a uma altura mais alta é mais yang do que o outro. O interessante, e aí reside o segredo de toda a ciência oriental, é que qualquer que seja o método experimental empregado, a classificação será idêntica. E é este o conteúdo essencial do Princípio Unificante da ciência oriental antiga. Não há, segundo admitem os estudiosos do princípio, exceções naturais ao mesmo. Mas o princípio não para por aqui. É mais complexo e nos mostra algumas verdades inexploradas pela ciência ocidental. Vale a pena incorporá-lo, ainda que sob um caráter puramente metafísico. * * * * *
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