Alberto Mesquita Filho
Editorial - Integração II(4):3-4,1996
Há pouco menos de um ano, os órgãos de imprensa de São Paulo, quiçá do
Brasil, disputaram entre si o mérito por um acerto profético: Qual seria a
entidade educacional a lançar a primeira pedra contra a proposta de
avaliação universitária do, então recém-empossado, ministro Paulo Renato
Souza?
O número 1 de Integração chegou a relatar a precipitação do jornalista
Gilberto Dimenstein. Segundo este, as instituições particulares seriam as
primeiras a se declararem insatisfeitas com a medida. Para seu pesar, não
foram; e, não obstante, ao tempo em que o citado jornalista se calou,
incontáveis foram as lamúrias derramadas [1] por agentes de setores outros
do complexo educacional brasileiro. Palpiteiros em educação, neste país, não
faltam. E, interesses à parte, é bom que se diga: o fenômeno educação é bem
mais complexo do que se pode apurar pela análise dos comentários surgidos
por ocasião da crise que se seguiu à pueril polêmica.
De que a medida do senhor ministro é polêmica, ninguém duvida; e o é, não
por beneficiar ou prejudicar a este ou aquele, mas sim por nos colocar
frente a uma realidade concreta e que nos obriga a rever qual é o verdadeiro
papel de uma universidade. A esse respeito é bom que se diga: os primeiros
comentários surgidos aqui na Universidade São Judas Tadeu foram elogiosos;
não à medida em si, mas à vontade demonstrada pelo senhor ministro em pensar
a realidade educacional brasileira, coisa que até então nos parecia alheia a
quem quer que ousasse ocupar tão honroso cargo.
Se é verdade, como explícito em editorial de O Estado de São Paulo
[2], que
existem faculdades com discutível qualidade de ensino, não é menos verdade
que existem bons e maus cidadãos, boas e más reportagens, bons e maus
editoriais... E se não nos cabe, como educadores, permanecermos alheios aos
possíveis desmandos governamentais --o que se secularizou neste país-- não
podemos também guardar silêncio frente a manobras que pretendem deflagrar
uma guerra entre governo e instituições de ensino, ou entre escolas oficiais
e particulares, como querem os agentes da insensatez por nós já denunciados
[3].
Os leitores de Integração são testemunhos de que a Universidade São Judas
Tadeu não fez composição com gregos nem troianos; e não se posicionou de
forma a acumular créditos junto aos espúrios jogos de influências que, dia a
dia, vêm proliferando pelo país; mas optou, sim, por defender sua autonomia
através de críticas não apenas à medida ministerial, e neste caso
construtivas, mas também aos defensores do lema quanto pior, melhor --hoje,
para nosso júbilo, alvos do senhor ministro, conforme dá a entender Valdo
Cruz em sua coluna da Folha de São Paulo [4].
Para que entendam nossa posição, mister se faz lembrar a trajetória que
adotamos rumo à consolidação da nossa condição de universidade de fato, e
não apenas de direito. Este ideal, expresso em muitas de nossas atitudes,
resvala também com a necessidade, que não é apenas nossa, mas de todo o
país, de formar cientistas de alto nível. E é nosso pensamento que, dentre
os inúmeros princípios que regem a formação do "saber científico",
destaca-se o seguinte: Para a formação de cientistas deve-se dar mais ênfase
ao domínio das técnicas de teorização do que à aquisição de conhecimentos
teóricos. O inverso deve ser observado quando se tem por objetivo a formação
de profissionais.
Não resta dúvida de que este princípio é tão polêmico quanto a proposta
ministerial; e não é nossa pretensão que venha ele a ser aceito sem
discussões, nem mesmo em nossa universidade. Percebam, no entanto, que, via
de regra, o profissional tem tendência à especialização, enquanto o
cientista, mesmo quando se especializa, conserva uma tendência globalizante.
Tendo em vista que o cientista deve ser criativo, sua área de atuação deve
ser abrangente. Quanto mais abrangente, mais difícil será a aquisição de
conhecimentos nessa área, e este fato não deve preocupar o cientista. O
cientista não é aquele que sabe tudo, mas aquele que sabe, respeitadas suas
aptidões, onde encontrar o que precisa, admitindo-se que tal seja possível,
ou então aquele que desconfia da impossibilidade da concretização de um
objetivo. A não observância a esse princípio é, a nosso ver, o motivo
principal a justificar a grande quantidade de "cientistas" improdutivos
alocados na grande maioria das universidades; homens que, em sua formação,
foram confundidos com máquinas armazenadoras de conhecimentos estanques.
Por mais que se diga o contrário, a idéia que está por trás da proposta
ministerial é boa, e poucos são os bons educadores que disso duvidam; e se a
Universidade São Judas Tadeu se posicionou contra a mesma, o fez de forma
não preconceituosa e, em nenhum momento se colocou em atitude defensiva
contra a medida. Tanto é que, antes mesmo de sua aprovação pelo Congresso,
participou, juntamente com sete outras instituições de ensino superior,
espalhadas pelo Brasil, e com o apoio da Associação Brasileira de
Mantenedores de Ensino Superior, da organização de um exame final simulado,
realizado em 30 de novembro último [5], na tentativa de fornecer subsídios
para que o senhor ministro pudesse avaliar a melhor maneira de colocar em
prática sua proposta.
Louve-se pois a atitude do senhor ministro voltada a melhorar o nível de
nossos profissionais. Registre-se aqui nossa preocupação em melhorar o nível
de nossos cientistas; e que se procure por uma saída a conciliar tais ideais
e a conservar o sábio princípio de nossa Constituição que impõe, às
universidades, a indissociabilidade ensino-pesquisa-extensão.
Quanto ao mais, só nos resta prosseguir em nossa missão; e, por falar nisso,
estamos evoluindo para a realização do II Simpósio Multidisciplinar da USJT,
este ano levando, como tema principal, A Integração Universidade-Comunidade.
Queira Deus possamos, em pleno Simpósio, reunindo o que de melhor existe em
nossa instituição, subir ao alto do Complexo Educacional São Judas Tadeu
para --ao comemorar o jubileu de prata em ensino superior, e a despeito das
críticas infames, injustas e gratuitas que sofremos nesses vinte e cinco
anos-- contemplar o espírito da sabedoria popular: Os cães ladram e a
caravana passa.
A.M.F