Alberto Mesquita Filho
Editorial - Integração IV(13):83-4,1998
Já é tempo de os senhores deputados fazerem justiça ao magistério. Até aqui, nenhum deputado negou que os professores mereçam, realmente, o aumento que pleiteiam, o que aquele projeto de lei (209/1950) já lhes deu. Negaram alguns, apenas, que o Executivo tivesse meios para arcar com o peso de tal aumento. Mas, se não há dinheiro para que o Estado venha a aquinhoar melhor o magistério, não pode haver também para o aumento dos senhores deputados. Fugir a esta lógica é que não se poderá por forma alguma. Ou há recursos para todos, ou não há para ninguém. Só para os senhores deputados é que não pode ser.
Alberto Mesquita de Camargo, 1950 (*)
Se quisermos fazer jus ao que dizem os dicionários a respeito do vocábulo crise e, ao mesmo tempo, dar méritos a nossa história, concluiremos —ao contrário do que é, com relativa freqüência, estampado nas primeiras páginas dos noticiários nacionais— que os períodos de crise no Brasil são muito raros. Crise implica em dinamismo histórico; representa, utilizando o significado econômico do termo, dado pelo Novo Dicionário Aurélio,
o ponto de transição entre uma época de prosperidade e outra de depressão, ou vice-versa. Pergunto, então: Existe crise educacional brasileira? Quais seriam os parâmetros a constatar que vivemos numa era de transição? Estaríamos a auscultar sinais de avanços ou retrocessos a indicarem que o sistema educacional de amanhã contemplará virtudes outras que não aquelas a justificarem o caos observado em décadas anteriores? Por acaso estaríamos deixando para trás a ínfima plataforma que circunda o abismo, ao lado do qual acostumamo-nos a nos postar por mais de meio século? E, neste caso, em que direção estaríamos caminhando?
Existem, sim, crises menores a responderem pelo descaso crônico a que estão submetidos, não apenas os professores universitários da rede pública mas, todos os que insistem em sonhar com que um dia aquele velho ditado chacota —Hei de vencer, mesmo sendo professor— passe a representar, se não um ideal econômico de vida, ao menos um sacrifício tolerável pelos que ainda acreditam numa vitória fundamentada em ideais humanitários. Pequenas crises, como essas, pipocam, de tempos em tempos, aqui ou acolá, beneficiando, única e exclusivamente, os agentes da insensatez; e colaborando para que tenhamos a falsa ilusão de convivermos com um período de profusas mudanças.
A cada ano eleitoral, a história se repete. E, a não ser pela constatação de estarmos nos referindo a esferas públicas distintas, não há como diferenciar o episódio atual, amplamente divulgado —que tem como partícipes a equipe econômica do governo federal e os professores das universidades públicas— de outro, com registros já amarelecidos pelo tempo, denunciado há exatamente 48 anos pelo professor Alberto Mesquita de Camargo em sua coluna do jornal O Tempo (vide o artigo, na íntegra, em destaque ao lado). Para não dizermos que nada mudou, constatamos o quanto esses episódios são importantes, na atualidade, a abrirem espaços na mídia aos produtivos brasileiros a fim de que possam, perdidos em meio a seus
papers, mostrar que também sabem escrever em sua língua pátria.
A propalada e falsa crise educacional brasileira sustenta-se no tripé ideologismo, ingenuidade e ignorância,
já denunciados (1995) no número 2 de Integração
(1). Por um lado, fundamenta o corporativismo selvagem a congregar, hoje, os responsáveis, no amanhã, pela manutenção do
status quo; por outro, ilude os incautos ao retratar a vontade política de nossos governantes em resolver um problema criado em laboratório; e a lhes render profundas simpatias quando da resolução do impasse.
Afim de não deixar o Princípio da Causalidade no esquecimento —Todo efeito tem uma causa— procura-se, sutilmente, responsabilizar, pelo processo, setores alheios à problemática, haja vista o fato de estes setores, de forma não intencional, colocarem em risco o pernicioso ciclo vicioso em vigor no país há mais de meio século. Não por outro motivo, chega-se a concluir:
Os grandes responsáveis pela famigerada crise atual são as universidades particulares, posto que estas, na ânsia de vender diplomas, contratariam, a salários competitivos, eméritos professores que, em condições normais, jamais se dignariam a conviver com atividades tão espúrias. É o que está explícito em artigo enviado pelos professores da Universidade Federal de Lavras (Ufla) para o JC E-Mail 999, de 16 de abril de 98
(2).
Crise, de fato, não existe; ou, quem sabe, dentro da relatividade temporal histórica exista como algo a ser rememorado por nossos descendentes remotos e a denunciar o alheamento por que passou o setor educacional brasileiro durante o século XX. Crise, de fato, não existe e, queira Deus, venha, de fato, a existir; não como produto do descaso de nossos governantes, mas em decorrência de sua vontade política em acertar, algo que, via de regra, inexiste em nossas casas legislativas, ministérios, entidades corporativistas e/ou autarquias.
Crise, de fato, não existe: O que, de fato, existe, e queira Deus possamos um dia dizer existia, chama-se marasmo.
A.M.F.