OS FENÔMENOS NATURAIS E SEUS PRINCÍPIOS

framesAlberto Mesquita Filho

 

Editorial - Integração V(17):83-4,1999

Estes princípios são fascinantes e sempre vale a pena verificar até onde chega sua generalidade.
Feynman e Leighton (1)

Dentre os princípios que regem os fenômenos naturais existem alguns bastante gerais e que nos dão a impressão de aplicarem-se à maioria das ciências, quando não ao nosso dia a dia. O Princípio de Le Chatelier é um exemplo típico:

"Modificando-se uma das condições que definem o estado de um sistema em equilíbrio, o sistema responde opondo-se a esta alteração."

Outros eu cheguei a apresentar em um livro que publiquei há alguns anos, quando tracei um paralelismo entre ciência e realismo (2).

Os princípios são úteis sob vários aspectos. Talvez a mais importante de suas aplicações, em ciência, seja a de servirem de alicerce para teorias científicas gerais e/ou fundamentais; e estas sustentariam teorias mais específicas.

Costuma-se dizer que "doutrina é um conjunto de princípios que servem de base a um sistema". Seria, então, a ciência, uma doutrina?

A meu ver, no caso das doutrinas os princípios são aceitos a priori, como uma causa primária, ou seja, uma convicção íntima, uma opção feita, uma crença, ou um produto da fé. Sob esse aspecto, um sistema religioso constitui-se numa doutrina; um sistema filosófico, creio que também, devendo-se observar que, neste caso, os princípios não devem ser tomados como verdades absolutas mas como afirmações que tendem a esse limite. Um sistema político, por sua vez, ao fabricar leis, deveria ter como normas uma série de princípios em que apoiá-las.

Em ciência, os princípios são justificados muito mais pela evolução das teorias que os tomam por base do que pela aceitação cega e/ou apoiada numa autoridade. As teorias, por sua vez, justificam-se, por exemplo, através da resistência à falseabilidade de suas previsões, ou seja, pela experimentação; e a experimentação apoia-se no método científico que tem, por princípio básico, a regra da repetitividade, que é a seguinte:

"Se sempre que pesquisado um fenômeno se repetiu, é de se admitir que nas futuras verificações o mesmo suceda."

Esta regra, a meu ver (3), é o princípio básico da ciência enquanto doutrina; ao passo que os demais princípios nada mais são do que leis universais corroboradas experimentalmente e, portanto, sujeitos à falseabilidade e não, meramente, causas primárias. É interessante ainda observar que a própria regra sujeita-se à falseabilidade, fato este que permite a utilização do argumento (falseamento da regra) não como proposta de sua negação, mas como critério delimitante da ciência.

Alguns princípios, ditos científicos, resistem ao decorrer dos séculos; outros tornam-se obsoletos ou falsos pela constatação de uma verdade maior; e terceiros unificam-se e incorporam-se em afirmações mais amplas ou mais fundamentais, chegando-se assim aos princípios generalizantes. Estes princípios, ou leis universais, diferem de uma lei particular unicamente por generalizarem estas últimas num enunciado mais amplo e, caracteristicamente, não factível de ser expresso matematicamente por uma única relação entre variáveis, o que, na área de exatas, caracterizaria uma lei ordinária.

Muitas vezes, os princípios generalizantes chegam a ser desprezados por sua obviedade. Isto aconteceu, por exemplo, no desenvolvimento da termodinâmica. É comum, hoje, referir-se ao Princípio do Equilíbrio Térmico, um caso particular do Princípio do Equilíbrio, como Lei Zero da Termodinâmica ou, ainda, como Lei Zerogésima. Com efeito, a primeira e a segunda leis da termodinâmica já estavam definitivamente consagradas como tais quando se percebeu que havia outra, mais fundamental e sem a qual as outras duas não teriam sentido; sem a qual não se poderia falar sequer em temperatura. E, daí, o nome: zero.

É comum também deixar-se um princípio na obscuridade posto que, para a situação de momento, é suficiente o enunciado de uma lei que não apenas contém a essencialidade do princípio necessária ao estudo, como também fornece detalhes mais sofisticados relacionados ao tema em apreço. É o caso da Lei da Ação das Massas que, em Equilíbrio Químico, traduz, em números, o conteúdo do Princípio de Le Chatelier. Como é, também, o caso da Lei da Inércia, a particularizar o Princípio da Continuidade.

Outras vezes, alguns princípios chegam a ser encarados como regras mnemônicas, deixando-se de lado o caráter de sustentáculo das teorias que os utilizam. Isto ocorre, frequentemente, com o Princípio de Le Chatelier. Os físico-químicos, por exemplo, utilizam-no bastante, mas não como princípio e sim como uma afirmação deduzida a partir das leis da termodinâmica. O interessante, no entanto, é observar sua aplicação a outras áreas alheias à termodinâmica e para as quais esta dedução, à primeira vista, não faz sentido.

Existem, no entanto, casos em que mesmo estes princípios, deixados de lado por motivos vários, jogam um papel fundamental. A física, por exemplo, vem tentando, sem sucesso, incorporar a informação em suas teorias de campo. Creio que, para tanto, é chegada a hora de os físicos deixarem algumas incertezas de lado e dedicarem-se a estudar, com mais carinho, o Princípio de Le Chatelier.

A.M.F.


Referências:
(1) FEYNMAN, R.; R. B. LEIGHTON (1987): Física, vol. II, Electromagnetismo y materia, Addison-Wesley Iber.
(2) MESQUITA FILHO, A. (1993): A equação do elétron e o eletromagnetismo, Ed. Ateniense, São Paulo, Capítulo V: Eletromagnetismo e Relatividade.
(3) MESQUITA FILHO, A. (1996): Teoria sobre o método científico, 1ª parte, em Integração: II(7)255-62.

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