2.1 Física, Matemática e Teorização: Podemos dizer, com algumas incorreções, que o campo está para o físico assim como a função está para o matemático; e como o campo é uma função, poderíamos pensar que não há distinção entre física e matemática, pelo menos nesta área de atuação. Não é verdade. O campo, para o físico, é mais do que uma função: é uma função gerada ou por outro campo ou por um princípio natural; e é uma função geradora de efeitos. A quantificação dos relacionamentos causa-campo e campo-efeito, é física experimental; o mais é física teórica, filosofia da ciência e matemática pura, temas cuja distinção nem sempre faz-se muito nítida, posto que tem muito de artificial. Traduzir um dado experimental para uma linguagem matemática implica na aceitação de algumas hipóteses que, se plausíveis, convergem para uma solução mais geral (teoria). As hipóteses enunciadas nos ítens a seguir resultam de reinterpretações de experiências bem conduzidas e exaustivamente corroboradas nos últimos duzentos anos e são as mesmas que apóiam o eletromagnetismo clássico e grande parte da física moderna. No desenvolvimento do texto espero deixar clara esta interdependência bem como reforçar a idéia de que a linguagem matemática da teoria de Maxwell é absolutamente correta, embora irredutível ao universo das partículas elementares. 2.2 Hipóteses:
As hipóteses 1 a 4 constituem, como veremos, um conjunto necessário e suficiente de enunciados destinados a alicerçar uma teoria eletromagnética coerente com a realidade física. Qualquer afirmação adicional deverá decorrer diretamente de dados observacionais. Desta forma, não suporemos como variantes, nem invariantes, conceitos como massa, tempo, velocidade, etc. Por exemplo: Ao dizer que as informações eletromagnéticas propagam-se a uma velocidade c estarei simplesmente querendo dizer que as informações eletromagnéticas propagam-se a uma velocidade c, nada mais, nada menos. Nenhuma suposição será feita sobre o possível comportamento de c e que não decorra diretamente da experimentação. Por outro lado, e para evitar confusões, adotarei a notação x e b para os campos vetoriais relacionados ao que chamo efeitos eletromagnéticos e E e B para os campos elétrico e magnético clássicos. Em nenhum momento será admitida a transformação de x em b ou vice-versa. Se algo deste tipo ocorrer, surgirá como conseqüência da teoria. De qualquer forma, e como veremos, o conjunto (x, b) é bem diferente do conjunto (E,B ). Nos capítulos subseqüentes utilizarei a linguagem operacional adotada para as hipóteses 1 a 4. Convém, no entanto, justificá-las fisicamente. Para tanto, nos comentários apresentados nos ítens a seguir (2.3 a 2.6), referir-me-ei a elétron como um e/ou outro elemento do par elétron-próton; e ainda que elétrons e prótons difiram, substancialmente, por propriedades outras alheias ao eletromagnetismo, salvo disposição em contrário, manterei esta regra nos capítulos que se seguem. A expressão o elétron matemático, de H-1, não é fortúita: valoriza aspectos essenciais para o desenvolvimento matemático da teoria em detrimento de outros não menos importantes mas cujo significado físico está intimamente relacionado às propriedades dos primeiros. Entre estes últimos cite-se a estrutura interna do elétron e a discutível constante K, presumivelmente constante. Afinal, K é ou não é constante? Poderíamos simplesmente responder: K é uma constante arbitrária; e isto em nada prejudicaria a teoria em si. Sendo arbitrária, poderíamos dotá-la de um valor conveniente, por exemplo, um. Veremos, no entanto, que esta não é a atitude mais conveniente do ponto de vista físico. Convém deixar um grau de liberdade na relação que define w, liberdade esta que se mostrará útil em determinadas circunstâncias. Assim sendo, K será constante se e quando nos convier que seja constante, respeitadas as regras da física experimental. Ao contrário do observado no eletromagnetismo clássico, decorre imediatamente de H-1:
As hipóteses 1 a 3, como veremos no capítulo seguinte, formam um todo e, como tal, serão analisadas em conjunto. Neste todo a hipótese 2 joga um papel de ponte entre H-1 e H-3, ponte esta que poderia ser omitida num estudo preliminar. Há, no entanto, aspectos inerentes a H-2 que são importantes para o desenvolvimento da teoria e cuja análise, em minha opinião, ainda que longa, não deve ser postergada. Filosofemos, pois, um pouco. O que são informações eletromagnéticas? Qual é a sua natureza física? A resposta não é fácil mas arriscar-me-ei a dizer que qualquer semelhança com o que se convencionou chamar variáveis escondidas da física moderna pode não representar mera coincidência. A física clássica é redutível a conceitos fundamentais como espaço, tempo, matéria e movimento. As informações escapam a este reducionismo: são autóctones, ainda que fluam, posto que são emitidas (H-2). O termo fluxo é abrangente mas pode sempre ser relacionado a alguma coisa que flui ou corre através de uma fronteira real ou imaginária: uma corrente de água, uma rajada de metralhadora, o som, a luz, a lava de um vulcão... ou mesmo a humanidade que flui através da história. Os antigos associaram-no ao movimento, ao tempo, à dinâmica, à evolução. Para Heráclito, o Obscuro, o fluxo era essencial à existência [8]; Aristóteles associou o fluxo a uma causa: o ato à potência; e Epicuro fundiu o atomismo de Demócrito ao aleatorismo de Heráclito e ao causalismo de Aristóteles para concluir que a mortalidade decorre da imortalidade: a forma permanece embora a substância mude [9]. Na física de campos surge um conceito novo: o fluxo sem matéria. Real ou imaginário, concreto ou abstrato, a verdade é que existindo um campo, algo flui. Atravessa o vácuo, permeia as moléculas, dilui-se e não respeita o infinito. Não necessita de um meio para se propagar. Com efeito, o éter não existe. Sua sede é o espaço; sua existência é o campo; sua natureza é o nada. Um campo pode se modificar e, assim fazendo, transporta energia; e um campo estacionário pode ser imaginado como energia localizada no espaço. Mas energia, mesmo a potencial, é algo que flui, posto que age! Como é possível alguma coisa se localizar e fluir ao mesmo tempo? Existe, realmente, uma dualidade intrínseca ao conceito de campo; dualidade esta que poderia ser resolvida admitindo-se um éter de energia, sede de alguma coisa imaterial que se propaga e que se manifesta localmente como energia: materializa-se ao ser observada, para utilizar uma expressão que seria do agrado de um físico realista do nosso século, sem ser totalmente contrária à interpretação ortodoxa da física quântica. Vejamos o pensamento de um grande cientista e filósofo da ciência. É inconcebível que a matéria bruta inanimada possa, sem a mediação de alguma coisa, que não é material, atuar sobre, e afetar outra matérria sem contato mútuo, como deve ser, se a gravitação no sentido de Epicuro for essencial e inerente a ela. E esta á uma razão pela qual desejo não me seja atribuída a gravidade inata. Que a gravitação seja inata, inerente e essencial à matéria, de modo que um corpo possa atuar sobre outro a distância, através do vácuo, sem a mediação de mais nenhuma coisa, pela qual e através da qual sua ação e sua força fosse transportada de um até outro, é para mim absurdo tão grande, que acredito que homem algum que tenha em questões filosóficas competente faculdade de pensar, possa cair nele. A gravidade deve ser causada por um agente que atua constantemente, de acordo com certas leis; mas deixo à consideração de meus leitores se este agente é material ou imaterial. {Newton [10]} Com estas palavras Newton posiciona-se frente ao que viria a ser chamado campo, optando por uma teoria de emissão. Mas emissão de quê? De alguma coisa imaterial? O problema levantado por Newton ainda não foi solucionado. Se esta alguma coisa que não é matéria e não é energia, mas que exerce um efeito, existe ou não, "deixo à consideração de meus leitores". Existindo ou não, desde que vamos por vezes nos referir a ela, deve ser batizada.: alguma coisa é pouco mais que joão-ninguém. Coerentemente com sua ação, chama-lá-ei informação: eletromagnética, gravitacional, etc. É importante, em física, saber distinguir certos conceitos aparentados. É clássica a confusão do principiante em termodinâmica entre calor e temperatura. Como é comum se pensar que o que flui num campo de velocidades é a velocidade. Raciocinando em termos de campo podemos conceituar o calor como a entidade que flui em um campo de temperaturas. O campo de velocidades é um pouco mais complexo; ou, quem sabe, um pouco melhor conhecido. Aí, o que flui pode ser encarado sob vários prismas: vazão ou volume de fluido que atravessa uma superfície na unidade de tempo; massa correspondente ao volume assinalado; quantidade de matéria, idem, expressa sob a forma de número de partículas elementares. Para cada prisma um valor, um número diferente que retrata a mesma coisa. Além do prisma podemos variar a óptica e pensar no que flui não no sentido da corrente mas em virtude do grau de liberdade e da coesão entre as moléculas de fluido. Assim sendo temos um fluxo de momento propagando-se perpendicularmente a sua própria direção: é um fluxo gerando outro fluxo ou, melhor dizendo, é um campo tensorial gerando um campo vetorial. O que flui num campo de temperaturas é chamado calor; o que flui num campo de velocidades pode ser chamado vazão e/ou momento; o que flui num campo eletromagnético chamarei informação eletromagnética. A informação eletromagnética pode existir ou não; existindo, pode ser importante ou não. Existindo ou não, o importante é perceber que o campo eletromagnético estacionário não se propaga, assim como calor não é temperatura. Consequentemente, a informação a que me refiro não é uma onda eletromagnética, embora uma onda eletromagnética transmita informação. Do ponto de vista físico, a hipótese H-3 caracteriza o campo A como uma imagem congelada no tempo do fluxo de informações eletromagnéticas; permite ainda que se conjecture sobre a medição desta imagem, uma vez que traduz o conteúdo de H-2 para uma linguagem matemática. Desta forma, a expressão equação do elétron é bastante sugestiva: o elétron manifesta a sua existência pelo campo a que dá origem. O relacionamento físico-matemático pode então ser traduzido pela seguinte afirmação:
O termo raio matemático é simbólico e não deve ser confundido com raio físico, visto que não fizemos nenhuma suposição sobre a forma do elétron. De qualquer maneira, e desde que aceitemos a idéia de impenetrabilidade de elétrons, a não definição de A no interior do elétron não trará prejuízos: o domínio de A, para uma população de elétrons, será sempre conexo por caminhos, ou seja, será sempre possível passar de um ponto qualquer P a outro Q passando por uma poligonal contida no domínio e de extremidades P e Q. O campo A nada mais é do que o campo de conteúdo de informação, sonhado por De Broglie; é um campo que dita os outros campos e, portanto, contém a ordem superimplícita de Bohm [11]; e contém também, em sua estrutura íntima, os campos potenciais clássicos: potencial elétrico (escalar) e vetor potencial (magnético). A hipótese 4 (H-4) completa o relacionamento causa-efeito, mostrado na figura 1, graças à admissão de um elemento sensível ao campo A e com a mesma natureza eletromagnética do elemento gerador do campo. O significado físico torna-se imediato: surgem condições propícias a uma retroação, que se traduz no fenômeno ação-reação, e a uma comunicação permanente, que esbarra no conceito filosófico de Universo interligado. Nota-se ainda a necessidade de uma segunda quebra de simetria. A primeira é inerente às hipóteses 1 a 3: uma estrutura assimétrica (H-1) gerando (H-2) um campo (H-3) que, como tal, é um campo morfogenético. Pela hipótese 4 percebemos que este campo morfogenético vai agir sobre a forma, ou estrutura interna, de outro elétron. Isto, por si só, não nos autoriza a falar em nova quebra de simetria; mas leva-nos a ponderar sobre a importância transcendental, à luz da realidade física, da dupla existência elétron-próton. É também conseqüência de H-4, aliada às demais hipóteses, o seguinte corolário:
Vista sob este prisma, a hipótese 4 garante-nos a medição do campo A pela observação do comportamento de um elétron de prova colocado em tal campo.
|