Alberto Mesquita Filho
Quando
dizemos que a filosofia não nos
interessa, o que provavelmente fazemos é substituir uma filosofia
explícita por outra implícita, isto é, imatura e incontrolada. [...]
Esta filosofia caseira [...] supõe que um símbolo, tal como uma equação,
possui significado físico somente à medida que diga respeito a alguma
possível operação humana. Isto equivale a se considerar a totalidade da
física como se referindo a operações, principalmente medições e
cálculos, e não à natureza, o que implica num retorno ao
antropocentrismo prevalecente antes do nascimento da ciência. Sumário: Sabe-se, desde as primeiras décadas do século XX, que o elétron, ao contrário de uma carga elétrica clássica, assume, com grande freqüência, um comportamento anômalo quando de sua exploração experimental, chegando mesmo a dar-nos a impressão de tratar-se de uma partícula paranormal. Por vezes parece estar dotado de propriedades que o situam numa outra dimensão ou num universo paralelo ao nosso. Não obstante, aceita-se, tal e qual um dogma travestido de paradigma "kuhniano" [2], sua natureza "maxwelliana". Em outras palavras, excetuando-se tais fenômenos mirabolantes, somente decifrados através da matemática quântica, admite-se, sem qualquer apelo a uma comprovação experimental rigorosamente lógica, que o elétron apresenta um comportamento idêntico ao de uma carga elétrica "coulombiana". Recentemente publiquei uma teoria a respeito do elétron [3] que se apoia na negação do paradigma citado. Neste artigo pretendo resumir, ou até mesmo evoluir, alguns tópicos essenciais da teoria, remetendo, a sua fonte, o leitor interessado nos detalhes axiomáticos ou heurísticos. 1. Introdução São inúmeras as experiências realizadas no século XX a sugerir, por um lado, a natureza discreta dos agentes reponsáveis pelos fenômenos eletromagnéticos e, por outro, a natureza não coulombiana destas partículas. Contrapõe-se a estas evidências experimentais, a beleza das equações de Maxwell, frutos de uma teoria que sintetizou e coroou os esforços dos cientistas do século passado ao caracterizarem o que julgavam tratar-se de um fluido: o fluido elétrico. Hoje não há mais porque se pensar em fluidos elétricos; e ao supor que o elétron é a fração elementar da carga elétrica, posto que uma carga elétrica é composta por eletrons, incorre o físico no mesmo erro que um filósofo ingênuo incorreria se admitisse que o átomo tem o formato de um avião, posto que um avião é formado por átomos. Mas se os eletrons não são cargas coulombianas, como os mesmos conseguem se agrupar a ponto de originar uma carga elétrica que gera um campo elétrico E coulombiano? De que forma eletrons e protons se dispõem, num condutor submetido a uma diferença de potencial, de forma a gerar um campo B dado pela lei de Ampère-Laplace? Qual é o campo de um elétron, e como e porque tais campos se associam assumindo disposições maxwellianas? Dentre os campos maxwellianos: Quais são os lorentzianos? Ou seja, aqueles nos quais um elétron obedece à equação de Lorentz, como se possuísse uma carga elétrica? A física moderna não responde a estas perguntas; e nem poderia, posto que tanto a teoria da relatividade quanto a física quântica se apóiam no absurdo apontado no parágrafo primeiro desta introdução. Resta-nos então seguir a lógica clássica, e desta forma, nos itens que seguem, procurarei desenvolver o arcabouço matemático necessário para que se possa chegar a um eletromagnetismo fundamentado no conceito de partículas, e não no de fluidos elétricos. 2. Modelo matemático do campo de um elétron Vamos admitir inicialmente que o elétron possa ser representado matematicamente por sua posição P = P(x,y,z) associada a um versor que retrata aspectos qualitativos de sua estrutura interna, e por um escalar K responsável pela quantificação dos fenômenos eletromagnéticos relacionados ao mesmo. Seja ainda φ = φ(x,y,z) um campo definido, em um ponto Q = Q(x,y,z) exterior ao elétron, através da expressão:
sendo r a distância de P a Q. Definirei ainda os campos xi e bi, de um elétron i, relacionados ao que chamarei efeitos elétrico (x) e magnético (b), por:
sendo que Ä opera entre dois vetores originando um terceiro quantificado pelo produto escalar ou interno entre os mesmos, e cuja direção é a do segundo vetor, ou seja, aquele que, na expressão considerada, aparece à direita de Ä. Direi então que xi é o produto vetorial interno entre os vetores Ñφi e wi e, afim de evitar confusões, direi que bi é o produto vetorial externo entre os mesmos vetores, conquanto seja, nada mais, nada menos, que o produto vetorial clássico. É interessante observar que a função φ, dada por (1), goza das seguintes propriedades:
ou seja, é possível definir um vetor Ai = φi tal que
Desenvolvendo as expressões (2) relativas aos produtos vetoriais xi e bi obtém-se:
Existem, em teoria, dois agrupamentos infinitesimais de elétrons extremamente interessantes:
Decorre de (5), e admitindo-se a validade do princípio de superposição, que os campos de efeitos elétricos dx e magnéticos db das populações infinitesimais assim definidas, são:
Os elementos da e dV, da maneira como foram definidos, representam uma ponte entre o microcosmo, ou o mundo das partículas elementares, e o universo no qual as equações de Maxwell adquirem importância prática. Desta forma, se pensarmos numa superfície esférica fechada, composta por elementos da, obtemos, pela integração das expressões (6a) um campo b = 0 e um campo x matematicamente idêntico ao campo E de uma carga coulombiana, quando no exterior da esfera [4]. Por outro lado, se efetuarmos a integração de dV dado por (6b) para um fio retilíneo e de espessura infinitesimal, e tal que os se orientem segundo seu eixo, chegaremos a um campo x = 0 e a um campo b matematicamente idêntico ao campo B da lei de Ampère-Laplace. Apesar deste parentesco matemático deve-se notar que os campos x e b de quaisquer agrupamentos de eletrons são conceitualmente, e portanto físico-matematicamente, distintos dos campos E e B da teoria de Maxwell. Conforme visto no parágrafo anterior, é possível se pensar numa carga elétrica coulombiana, em particular aquela localizada num condutor esférico, como sendo redutível a elementos infinitesimais da cujo campo dx é dado por (6a). Isto, por si só, sugere a existência real do campo x, bem como nos estimula a evoluir um pouco mais no sentido da matemática à física. Com efeito, e até o momento, assumimos a validade de uma série de equações sem nos preocuparmos com os referenciais nos quais as mesmas são descritas. Pode-se no entanto perceber que tais equações se mostram consistentes apenas no referencial do laboratório de Coulomb, ou seja, naquele em que vivemos. Mas não é esse o mesmo referencial em relação ao qual Newton deduziu suas leis da mecânica? Ou, se quisermos ser mais rigorosos, as leis de Newton não são válidas num referencial muito próximo daquele em que vivemos, e ao qual se convencionou chamar referencial inercial? Mas o que é um referencial inercial? Direi que um referencial inercial é aquele no qual um elétron, que mantenha constantes suas características P e , gera campos x e b [5] dados pelas equações (5). A título de brevidade, chamarei por referencial próprio àquele no qual o elétron em estudo mantém P e constantes. Este é o referencial apropriado para a análise matemática do campo eletromagnético do elétron posto que o mesmo é função de K, e . Em particular, se o referencial próprio for um referencial inercial, o campo eletromagnético do elétron é função apenas destas três variáveis, conforme se pode avaliar pelo estudo das equações (5). Pode-se também dizer, com restrições, que o referencial próprio é aquele no qual o elétron está em repouso; as restrições justificam-se, tendo em vista que não foram explicitadas hipóteses sobre a estrutura interna do elétron. Consequentemente, este repouso não leva em consideração uma possível estrutura dinâmica para o elétron. Os referenciais próprios não inerciais [6] subdividem-se em duas categorias:
É de se notar que a teoria de Maxwell não comporta este tipo de classificação para os referenciais. No restante deste artigo, salvo disposição em contrário, admitirei que os referenciais próprios considerados são inerciais. Convém, então, distinguir duas condições particulares: 3.1 Observador situado no referencial próprio (inercial) Neste caso os campos x e b estão bem definidos. Destaca-se, em oposição ao eletromagnetismo clássico, a existência de um campo de efeitos magnéticos originado por agentes causais em repouso. Observa-se ainda que o parentesco matemático entre o campo dB de um elemento de corrente (lei de Biot-Savart) e o campo db do elemento de volume dV dado por (6b) não é fortuito. Ao que tudo indica, e ao contrário do que afirma a teoria dos elétrons livres de Drude e Lorentz [7], o campo dB de um elemento de corrente, a exemplo de db, depende da densidade de carga eletrolítica do circuito, ou seja, do número de partículas efetivamente transportadas por unidade de volume, e não da velocidade dos agentes causais. Os possíveis efeitos relativísticos, no sentido clássico do termo, são desprezíveis no que tange à gênese destes campos. O escalar K, da expressão (1), parece conter segredos relacionados aos referenciais inerciais, que somente a física experimental pode decifrar. Seria extremamente interessante verificar se o seu valor absoluto, uma vez definido, permanece ou não idêntico, qualquer que seja o referencial inercial considerado. A variabilidade de K seria um indício fortemente sugestivo a corroborar a intuição de Newton quanto à existência de um referencial absoluto. 3.2 Observador situado em referenciais impróprios: De acordo com a teoria de Maxwell, e seguindo a nomenclatura adotada neste artigo, o campo magnético B é uma exclusividade dos referenciais impróprios. Como vimos, isto não ocorre com b e, portanto, não há porque nos preocuparmos com justificativas sobre sua suposta origem relativista. O importante é notar que x e b estão interligados através de φ e ¾ equações (2),¾ e, consequentemente, caso ocorra a modificação de um destes campos, quando da mudança de referencial, é de se esperar que o efeito tenha repercussão sobre o outro. Os campos x e b, quando observados de referenciais impróprios, manifestam um efeito que se relaciona a um fenômeno descrito por Liénard (1898) e Wiechert (1900) para os potenciais da teoria de Maxwell. Este efeito deve ser analisado com extrema cautela posto que x e b são funções de duas variáveis: φ e . Ambas contribuições são interessantes, porém aquela devida a assume extrema importância epistemológica, visto ser a que, ao não ser levada em conta, gera conseqüências funestas para a física clássica. A desconsideração desta parcela, a meu ver, colocou em evidência a pedra fundamental sobre a qual se apoiou a teoria da relatividade de Einstein. Vamos então, e por etapas, evoluir o modelo matemático apresentado, em busca da justificação do efeito Liénard-Wiechert. Em virtude de o campo (x, b), do elétron, poder ser expresso em termos de gradiente de uma função de posição φ, podemos conjecturar sobre a existência real de alguma coisa emitida pelo elétron, a que chamarei informação eletromagnética (i.e.m), e que se propaga para o espaço circunvizinho. O caráter de φ, dado por (1), sugere ainda mais: que as i.e.m., uma vez emitidas, se conservam, a menos que surja um sorvedouro em seu caminho. Em outras palavras, direi que o elétron é uma fonte emissora de i.e.m. e tal que o fluxo de i.e.m. que atravessa uma superfície qualquer se identifica com o fluxo de um campo vetorial h dado por
Está implícito, nestas considerações, que h é do tipo
sendo ρ um invariante que representa a densidade local de i.e.m., e c é a velocidade com que as mesmas se propagam no referencial próprio. Consequentemente, h se transforma segundo a expressão
com c' = c + v, em que v é a velocidade do elétron emissor, quando observado do referencial impróprio considerado. Vejamos agora como se transforma. Seja então um observador, situado em um ponto Q de um referencial inercial, e um elétron movendo-se, em relação a este referencial, com uma velocidade v constante. Direi, então, que o versor se manifesta ao observador em Q sob a forma de um outro versor ’, ou seja, sofre uma aberração, conservando o seu módulo unitário. Para o cálculo desta aberração, observados os pontos chaves definidos na figura 1, deve-se proceder da seguinte forma:
4 O Campo (x, b) do Elétron em Movimento: Conhecidas as transformações conformes para h e , podemos desprezar os apóstrofos e assumir que os campos x e b de um elétron se expressam matematicamente por
seja nos referenciais próprios, seja nos referenciais impróprios. Decorre então de (10) que, qualquer que seja o referencial inercial considerado, a soma x² + b² é uma função relativística clássica de posição:
De posse das transformações conformes, vamos agora analisar em que consistiria, para um elétron, o efeito observado por Liénard e Wiechert para cargas elétricas. O campo (x,b), para o elétron da figura 1, de acordo com (8), (9) e (10), pode ser expresso por:
Com o auxílio destas expressões e da figura 2, verifica-se que, se não houvesse a aberração de , o campo (x', b') seria, no ponto Q, idêntico ao campo próprio que aí seria observado caso o elétron ocupasse o ponto A; ou então, como se o elétron estivesse em P' emitindo i.e.m. a uma taxa aparentemente mais elevada que a real (ou aquela observada no referencial próprio). O efeito seria análogo ao efeito Doppler da física ondulatória.
A idéia de um elétron em A não deve ser levada muito a sério. Com efeito, se recuarmos alguns parágrafos e analisarmos a maneira como o triângulo PP'Q foi construído, constataremos que, para qualquer outro ponto da vizinhança de Q, o ponto A da figura 2 não tem o mesmo significado, e, consequentemente, conquanto a analogia Doppler seja válida, a imagem em A tem apenas caráter especulativo, carecendo de significado físico-matemático. O fenômeno complica-se um pouco mais graças à aberração de . Existem dois casos interessantes e particularíssimos:
* * * * *
|