O MOVIMENTO ABSOLUTO E A FÍSICA DE NEWTON
Publicado no Espaço Científico Cultural em 27 de Novembro de 2004
Alberto Mesquita Filho
3ª Parte
7 - A expansão do Universo
Mudemos um pouco o enfoque. Suponhamos agora que a nossa Galáxia, a Via Láctea, tivesse levado um empurrão inicial a partir de um hipotético espaço absoluto
¾quiçá o referencial de um Big-Bang clássico (figura 8) ou então o referencial do Criador, a sua escolha¾ e que hoje estivesse viajando em uma velocidade v. Tratando-se de uma experiência de pensamento, e sendo este um Big-Bang clássico, poderíamos imaginar um observador O, situado no referencial do Big-Bang, e outro observador O’, situado, por exemplo, na Via Láctea. Em outras palavras, estamos supondo agora o Universo como sendo o laboratório da experiência de pensamento do item 4, e a Via Láctea como sendo o mini-lab.
Figura 8: Um Big-Bang clássico e bastante simplificado
Se o observador O’ conseguir enviar uma nave com a velocidade v na mesma direção do movimento da Via-Láctea e sentido oposto, pergunto: Ela estará em repouso em relação a este espaço que convencionamos chamar de absoluto? Respondo: Sim, a velocidade aí medida será nula. Refaço então a pergunta: Esta nave estará em repouso absoluto? Eu diria que não, pelo mesmo motivo que acredito numa diferença substancial entre o repouso em relação a O das bolinhas A e C da experiência de pensamento do item 4. Para estar em repouso absoluto a nave teria que ter sido brecada, jamais acelerada. Lendo Newton noto que sob certos aspectos ele tentou mostrar que acreditava num espaço absoluto, talvez mais por motivos religiosos do que científicos
¾segundo Newton, o espaço é o sensório de Deus. Essa
religiosidade teria sido defendida veementemente por seu amigo Clarke, em seus diálogos com Leibniz, mas não é inerente à física newtoniana. Pois quando Newton precisou de fato justificar alguma coisa, postulou não um espaço absoluto, mas sim um movimento absoluto, apoiando-se agora em argumentos exclusivamente científicos, o que não significa que estejam corretos, mas dotados de uma lógica a meu ver impecável.
Em concordância com esta maneira de pensar, vejamos uma das afirmações de Lacey:
Newton ...não é capaz de selecionar um sistema em repouso no espaço absoluto. Parece então (uma vez que Newton não considera quaisquer outros fenômenos que requeiram espaço absoluto para sua explicação) que tudo o que ele necessita é a noção de "aceleração absoluta".
[7]
Com efeito, é a aceleração quem caracteriza a modificação do estado de movimento e, como afirma Newton nos Principia,
o movimento verdadeiro ou absoluto não pode ser criado ou modificado exceto pela ação de forças, mas o movimento relativo pode ser criado ou modificado sem a ação de forças.
8 - As visões mecanicistas
Vamos evoluir um pouco mais a idéia. Até o momento eu explorei bastante, ainda que de maneira sutil, o que chamei argumento histórico, qual seja, o conhecimento que os observadores têm de como a experiência se procedeu. Isto, se bem que não seja desprovido de sentido, não justifica a opção pelo absolutismo newtoniano. Seria mais uma introdução a ser complementada com novos argumentos. Seria interessante talvez, antes de pensarmos numa argumentação de maior peso científico, caracterizarmos as principais visões mecanicistas. Eu diria que elas poderiam ser agrupadas em quatro categorias gerais:
- A mecânica clássica corriqueira seria inerentemente relativista num sentido light, ou seja, deixa de lado algumas idéias newtonianas, tanto aquela relacionada ao movimento absoluto quanto outra, a propor o
espírito da matéria. Por si só ela não nega o absolutismo, apenas evita comprometer-se com o mesmo. Consegue fazer um sucesso relativo, pois se por um lado ela ignora o que chamei argumento histórico e/ou teleológico, por outro ela funciona bem no macrocosmo e no terreno das baixas velocidades, resolvendo uma infinidade de problemas. Esta
mecânica clássica corriqueira, acrescida da negação dos essenciais da FÍSICA genuinamente newtoniana, representaria tão somente uma evolução do MODELO matemático/mecânico newtoniano, aquele que, no início do século XX, constatou-se não dar certo no microcosmo ou em condições de velocidades elevadas.
- Existe ainda um relativismo hard clássico construído por Mach, dentre outros, para opor-se frontalmente ao absolutismo newtoniano, mas não exatamente ao modelo clássico newtoniano, ou seja, aquele que denotei acima por mecânica inerentemente relativista num sentido
light. As idéias de Mach influenciaram Einstein que modificou-as bastante, chegando no relativismo
hard da física moderna e que, a rigor, é um relativismo absolutista excessivamente
hard. Entre os anos 1960 e 1970 começou-se a perceber que a estrutura espaço-temporal da teoria da relatividade geral de Einstein seria tão absoluta quanto o seu equivalente newtoniano
[8].
- Existiria ainda um absolutismo light, de importância secundária, a aceitar o relativismo, mas a considerar que se dois corpos estão em movimento relativo, existe sempre um movimento absoluto associado, mas este poderá ser atribuído indistintamente a qualquer dos dois, ou seja, move-se aquele que não acompanha o observador. Não deixa de ser uma postura filosófica, aparentemente de menor importância para a física e a incorporar as idéias apresentadas no item 1 deste artigo, quando tratamos da existência e/ou realidade do movimento.
- Por fim, existiria um absolutismo hard, aquele mesmo defendido por Newton no primeiro escólio de sua obra, antes de propor o seu MODELO funcional. O modelo seria a física da maioria dos seguidores clássicos de Newton
(o que chamei acima por mecânica clássica corriqueira), mas não exatamente a FÍSICA de Newton. A aceitação pura e simples do modelo corresponderia à adoção de uma visão relativista no sentido
light, conforme comentado no item a acima, enquanto a física genuinamente newtoniana seria absolutista no sentido
hard. Para os que optam pelo absolutismo newtoniano, o modelo representaria tão somente um algoritmo matemático a funcionar na maioria dos casos. Mas isso não implica que deva funcionar sempre e/ou que se possa sempre deixar de lado princípios mais sólidos, sob o risco de, em determinadas condições, cairmos na esterilidade dos princípios matemáticos apontada por Newton e comentada nos parágrafos finais do item 1 deste artigo.
Em resumo, toda vez que estivermos nos apoiando exclusivamente nas três leis de Newton, estaremos adotando a visão relativista
light. Ao aceitarmos que aceleração e desaceleração são propriedades simétricas e totalmente equivalentes, estaremos nos firmando no conteúdo dessas três leis, porém deixando de lado argumentos outros que, sem negá-las, poderiam nos dar uma nova interpretação às mesmas.
9 - Partição de energia
Uma distinção nítida entre o MODELO mecânico newtoniano e a FÍSICA newtoniana é que esta última pretende assimilar em seu bojo a noção de campo. Ou seja, Newton de alguma forma tentou mostrar que mecânica e gravitação deveriam se interligar por algo mais físico (espírito da matéria ou agente dos campos) e menos matemático (forças). Para o modelo newtoniano a noção de campos surge como um acessório. Para a física newtoniana a noção de
espírito da matéria (o agente dos campos) surge como um essencial necessário, ainda que mal caracterizado experimentalmente no século XVII:
there is not a sufficient number of
experiments to determine and demonstrate accurately the laws governing the
actions of this spirit [última frase dos Principia (Escólio Geral)]
[9].
É interessante notar que Newton refere-se a esse espírito não apenas como o responsável por campos conhecidos (gravitacional, elétrico e magnético) mas também como co-participante em inúmeros fenômenos a testemunharem interações entre objetos. Que dizer da interação mola bolinha da experiência de pensamento apresentada no item 4?
Quando um objeto macroscópico recebe energia cinética (por ex., ao ser impulsionado por uma mola), a mecânica relativista consegue contabilizar isso em termos de movimento de translação linear. O que de fato estaria ocorrendo em nível microcósmico? Não seria de se esperar algo do tipo (mas não exatamente igual) ao que tem sido chamado, em mecânica estatística, equipartição da energia? Ou seja, que aquilo que chamamos energia cinética representasse apenas uma parte desta energia transferida? Neste caso poderia estar, de fato, havendo uma partição da energia, mas não exatamente a equipartição descrita em mecânica estatística (frações iguais para finalidades e/ou compartimentos distintos) e, consequentemente, a se pautar por princípios outros. Contabilmente as coisas dariam sempre certo, pois quando o objeto macroscópico devolve sua energia cinética à mola, ele devolve também essa energia acessória de vibração ou qualquer outra que não tenha sido levada em consideração e a fazer parte tão somente de uma partição possível e observada na mecânica absolutista no estilo newtoniano. Não obstante, se ao invés de devolver energia à mola, este objeto receber mais energia de outra mola, agora em sentido oposto, sua energia mecânica absoluta interna aumenta outro quinhão (mais vibração seria acrescentada a seu estado mecânico interno) e, não obstante, a energia cinética de translação volta a zero no referencial em consideração. Do ponto de vista da mecânica relacional tanto faz o objeto devolver a energia a uma mola quanto receber energia de outra mola no sentido oposto. Do ponto de vista de uma mecânica absolutista, as diferenças tornam-se nítidas sempre que pensarmos no que estaria acontecendo no microcosmo, pois aí os objetos provavelmente estarão em estados totalmente diferentes. O que diferencia um estado do outro seria o movimento absoluto de suas partes e, em decorrência, o teor das informações elementares a se compactuarem com essa diferença de movimento.
As forças, que mantém a estrutura das bolas da experiência de pensamento apresentada, são dos tipos de coesão entre moléculas ou então ligações químicas entre átomos de uma mesma molécula. Onde existe força, existirá, a meu ver, um campo de informação. Não obstante, para entendermos o processo em consideração não será necessário, numa primeira instância, irmos além da existência dessas forças. Pensemos, então, nessas ligações (coesão ou química) como pequeníssimas molas. Imaginemos aquela bola que é impulsionada pela mola macroscópica, como sendo constituída por milhares de bolinhas dispostas numa rede cristalina, como mostrado esquematicamente na figura 9.
Figura 9: Explicação no texto
Quando a mola grande se distende, ela transmite não apenas energia cinética, calculada pela fórmula ½mv² (v = velocidade adquirida pela bola e m = massa da bola), mas também uma fração de energia que não chega a ser contabilizada e devida à vibração das bolinhas menores entre si e a simularem uma vibração dessas minúsculas e hipotéticas molas (campos de coesão ou ligações químicas). Se a bola maior, dotada de energia cinética mais energia de vibração, chocar-se com outra mola idêntica à primeira e em repouso, a ponto desta mola se contrair (e a seguir ser travada quando a bola atingir o repouso), certamente a bola transferirá também essa energia de vibração à mola, ou seja, a bola devolverá toda a energia recebida e não apenas a energia cinética (assumindo-se a reversibilidade mecânica, ou seja, uma total elasticidade e reversibilidade do processo
¾idealmente supõe-se não haver liberação de calor).
Essa energia de vibração caracterizaria o que poderíamos chamar uma energia que não se vê. Essa energia que não se vê não está no campo (vazio de matéria), mas nas moléculas da bola (vibração das moléculas), pois o campo seria simplesmente o mediador de uma troca alucinante de vibrações. É
interessante notar que a mola tem também uma estrutura interna formada por átomos e moléculas, logo dá para suspeitar que essa vibração também ocorra entre as moléculas da mola.
Estou enfatizando a transferência de energia de vibração pelo fato de a experiência de pensamento em discussão utilizar molas para acelerar as bolinhas. Há que se notar que podemos acelerar partículas por outros processos como, por exemplo, através de campos eletromagnéticos. No estudo desses processos já está comprovada a existência de uma energia que não se vê e seria a mesma que a relatividade moderna assume como tendo sido incorporada à massa da partícula (E = mc²). Obviamente, se pretendermos dar uma explicação ao processo compatível com a física newtoniana, teremos que interpretar esse acréscimo de energia de outra maneira como, por exemplo, através do incremento de um possível giro da partícula
[10] (spin clássico). A energia recebida do campo, portanto, estaria também sujeita a uma partição: parte da energia seria adicionada à energia de translação da partícula e parte à energia de giro
[11]. Uma alternativa interessante, ainda que de difícil explicação causal, é apresentada por Gaasenbeeck, ao assumir que as partículas viajam através de trajetórias helicoidais
[12].
Para
continuar a leitura clique na figura à direita
Þ
Ü Para retornar, clique na figura à esquerda.
[7] LACEY, H.M. (1972),
A linguagem do espaço e do tempo, Tradução, Ed. Perspectiva S.A,
São Paulo, p. 152.
[8] DISALLE, Robert (2002):
Newton’s philosophical analysis of space and time, In COHEN, I. Bernard
e George E. SMITH: The Cambridge Companion to Newton, Cambridge University
Press, UK, 2002, capítulo 1, p. 34.
[9] Principia (op.cit.), p. 944.
[10] MESQUITA FILHO, A. (2002):
A energia da física moderna,
Editorial
da revista Integração: VIII:163-4 (agosto de 2002).
[11]
O spin clássico seria compatível com a teoria de Maxwell a ponto desta
conseguir explicar inúmeros fenômenos do microcosmo [vide MESQUITA FILHO
A. (1997):
A equação do elétron e o
eletromagnetismo,
Integração
III(11):286-304],1997 mas não se coadunaria com as modificações efetuadas
por Lorentz (teoria de Maxwell-Lorentz).
[12]
GAASENBEECK, J. L (1990).: Helical particle waves,
Selected Papers (site originariamente localizado em
http://www2.rideau.net/gaasbeek/spap1.html e atualmente
desativado), Toronto, Ontário, Canadá.
DHTML Menu By Milonic JavaScript |