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Junho de 2001

1 - Ciência e Religião
2 - Popper e a Indução
3 - O vácuo lógico e a intuição

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"Da extinção dos dinossauros" acontecida no
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1 Ciência e Religião


msg01
De: Alberto Mesquita Filho
Data: Sábado, 16 de junho de 2001 3:19 AM
Assunto: Re: Da extinção dos dinossauros

"Nix" escreveu

Desconhecido: Muuuutio ridículo, texto altamente "científico". Aí vão alguns trechos para a diversão de vocês (...)
Nix: Assim, os fósseis (...) se harmonizam com o conceito da Bíblia sobre os atos criativos de Deus

Não há como contestar essa idéia assim como não há como misturar ciência com religião, algo tentado ora por homens de pouca ciência (cientistas medíocres), ora por homens de pouca fé (religiosos fanáticos).

Se num futuro remoto, contrariando Popper —que chegou a afirmar: "Não há um método para determinar se uma hipótese é 'provável', ou provavelmente verdadeira."—, conseguirmos provar, de maneira inquestionável, a teoria da evolução, ainda assim o criacionismo permanecerá de pé como uma "verdade religiosa" mas não como uma "verdade científica". Pois os religiosos deste remoto futuro sustentarão a criação da matéria, a criação dos princípios que regem o comportamento da matéria, a criação do espírito, etc. E se os cientistas conseguirem provar de maneira inquestionável que o Universo começou com o Big-Bang, sem dúvida chegaremos a uma nova questão: E quem criou o Big-Bang?

Sinceramente, misturar ciência com religião é perda de tempo e combater a religião pela utilização de argumentos científicos revela um profundo desconhecimento do que seja ciência ou do que seja religião ou ambos. Quando muito, que se combata o charlatanismo, ou a atitude do governo em prol da conservação do status quo, a despeito de, para isso, ter de alimentar a mediocridade das massas populares; ou ainda a atitude cartorialista da imprensa que não apenas aceita passivamente a manutenção desta mediocridade como também colabora para a instauração da cultura do "você decide"; e, com isto, dia a dia vem conservando o monopólio da palavra nas mãos de poucos (o que acaba sendo minorado graças ao efeito globalizante da Internet), algo que pela nossa constituição (artigo 5.°) deveria ser garantido a todo brasileiro.

Em tempo: existe sim uma teoria da evolução, mas não existe teoria alguma da criação. Criacionismo não é teoria e sim doutrina e doutrinas não se sustentam pelo falsificacionismo nem pela experimentação, mas unicamente pela lógica ou pela fé. Algo que não se sujeita ao falsificacionismo (lógico ou experimental) não é "teoria"; algo que não se sujeita à experimentação e/ou ao método científico não é "teoria científica". Da mesma maneira, ao aceitarmos as "verdades científicas", ou mesmo estas idéias a respeito da validade do método científico, assumimos um comportamento doutrinário, ainda que não religioso. Pois o cientista é aquele que procura por "verdades científicas" e, ao assim agir, com grande frequência deposita a sua fé numa teoria em detrimento de outras. A fé, tanto científica quanto teológica, é uma questão de opção. E ninguém tem o direito de se intrometer nas opções de terceiros. Quando muito, que se promova a educação das massas e que se dê, ao então homo sapiens (ex-homem medíocre), a liberdade para que escolha o seu destino. Charlatanismo combate-se com educação, jamais com manobras despersonalizantes.

Que os "céticos de carteirinha" me perdoem por estas "heresias".

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Alberto

2 Popper e a Indução


msg02
De: Alberto Mesquita Filho
Data: Sábado, 16 de junho de 2001 3:35 PM
Assunto: Re: Da extinção dos dinossauros

"BumbleBee" escreveu

Alberto: ...Popper —Não há um método para determinar se uma hipótese é 'provável', ou provavelmente verdadeira."—, (...)
BumbleBee: É nesse "pormenor" que não estou satisfeito com Popper. Ele se recusa tanto a admitir algum fundamento ao inducionismo que chega à margem do irracional.

A ojeriza de Popper pela indução realmente beira à irracionalidade, se bem que isso em nada afete o seu trabalho. Ser contrário ao "método indutivista" não é equivalente a ser contrário à indução e parece que Popper não se deu conta desta diferença. Uma coisa é ser deducionista, ou seja, adepto do deducionismo, a acreditar num método científico que comece pela "dedução de hipóteses" mas que numa etapa posterior evolua para uma "indução de leis". Outra coisa é ser avesso à indução e acreditar que as leis surgem a partir de um "vácuo quântico".

BumbleBee: Concordo que o inducionismo é algo que nunca nos irá dar garantias absolutas.

Pois é justamente pelo fato do "método dedutivo de prova" necessitar da indução que a afirmação de Popper, acima citada, faz sentido. Dedução é quase sinônimo de lógica, porém ao passarmos desta "lógica" para a experimentação (teste de hipóteses ou previsões) e a seguir para a generalização (indução de leis), caímos num "vácuo lógico" e as certezas "vão para o brejo".

BumbleBee: Mas usar isso para renegar *todo* o pensamento inducionista, acho irracional. Não há método para determinar se uma hipótese é verdadeira, mas acho que o inducionismo consegue determinar se ela é provável.

Embora, a esse respeito, concorde com seu pensamento não concordo com suas palavras. Popper deixa claro os significados acadêmico e popular da expressão probabilidade, criticando o emprego deste último em trabalhos científicos. Ao dizermos que "A" é mais provável do que "B", isto significa dizer que existe um número "pA" (probabilidade de A) entre zero e 100 e que é maior do que outro número "pB" situado no mesmo intervalo. Podemos desconhecer os valores "pA" e "pB" mas a afirmação garante-nos a sua existência. Popper chama a atenção para o fato de que entre duas teorias T1 e T2 jamais poderíamos afirmar que T1 é mais provável do que T2, pois os valores pT1 e pT2 não existem. Não faz sentido, por exemplo, dizer que a relatividade de Galileu é 40% verdadeira e que a relatividade de Einstein é 80% verdadeira, mesmo que contabilizássemos 100 "experiências diferentes" e nas quais a primeira tivesse passado pelo teste em 40 e a última em 80. Pois, dentre outros fatores, se as experiências são diferentes, seus "pesos" relativos à veracidade do teste também deveriam ser diferentes. É por este motivo que Popper chama a atenção dos acadêmicos para que não utilizem a expressão "probabilizar", substituindo-a pela expressão "corroborar". Ou seja, uma teoria que passou por mais testes falseáveis do que outra é dita ter sido "mais corroborada" do que a outra, jamais "mais probabilizada". Esta impossibilidade é inerente à indução de leis (testes diferentes para teorias diferentes) e faz-se presente no método dedutivo. O irracionalismo não reside na conclusão mas na não percepção de que a dedução implica numa indução a posteriori, e é esta indução que torna o método dedutivo problemático sob o ponto de vista lógico formal.

BumbleBee: Nosso conhecimento científico parece estar cada vez mais próximo das essências do universo.

Sem dúvida. A esse respeito costumo dizer que ao abraçarmos uma teoria é como se estivéssemos caminhando por um túnel sem visualizar a luz em seu final (o que representaria o encontro da "verdade") ou até mesmo sem saber se este túnel tem uma saída na direção e sentido escolhidos. Não obstante, sabemos que estamos progredindo; e se chegarmos ao final do túnel e não encontrarmos saída alguma, ainda assim teremos progredido pois "fechamos uma porta" para que outros cientistas não venham a perder tempo. Perceba então que até mesmo as teorias falseadas, desde que logicamente bem construídas, tem seu valor científico.

BumbleBee: Nos últimos 50 anos não temos tido muitas "surpresas", muitas teorias já se encontram consolidadas em seus núcleos.

Esta afirmação é dúbia. Um campo científico onde a maioria das teorias "já se encontram consolidadas em seus núcleos" parece-me estar em crise e à espera de uma revolução. Sob esse aspecto gosto do historiador Thomas Kuhn ainda que, como filósofo, considere-o por demais medíocre. A imagem bíblica da ciência como uma árvore é bastante feliz: O tempo passa e seus frutos (teorias) caem.

BumbleBee: Isto significa que diversas de nossas teorias já dispõe de certeza acima de uma dúvida razoável. Se descobrirmos coisas novas e surpreendentes, isto não deverá afetar a validade prática das coisas que conhecemos. Ainda hoje usamos as leis de Newton, mesmo que Einstein tenha reformulado tudo. Acho esse radicalismo popperiano irracional.

Pois eu ainda acredito no dia, e não está muito distante —estamos à beira de uma nova catástrofe na física,— em que tanto a relatividade de Einstein quanto a física quântica se revelarão como "túneis sem saída", a exemplo da teoria do calórico (século XVIII). Nesse dia iremos desenvolver e/ou aceitar outras teorias que estão por aí e continuaremos a utilizar as leis de Newton e o modelo macroscópico de Maxwell.

[ ]'s
Alberto

3 O "vácuo lógico" e a intuição


msg03
De: Alberto Mesquita Filho
Data: Terça-feira, 19 de junho de 2001 12:53 AM
Assunto: Re: Da extinção dos dinossauros
Item ligeiramente revisado e modificado

"BumbleBee" escreveu

Alberto: Pois é justamente pelo fato do "método dedutivo de prova" necessitar da indução que a afirmação de Popper, acima citada, faz sentido. Dedução é quase sinônimo de lógica, porém ao passarmos desta "lógica" para a experimentação (teste de hipóteses ou previsões) e a seguir para a generalização (indução de leis), caímos num "vácuo lógico" e as certezas vão para o brejo.
BumbleBee: Não tinha visto a questão sob este ângulo. O "vácuo lógico" que eu admitia ocorrer para mim acontecia antes de entrarmos no aspecto dedutivo. Para mim, o problema é de onde vêm as hipóteses, antes de efetuarmos qualquer dedução. Popper parece ignorar solenemente este assunto.

Pois eu diria que o "vácuo lógico" acontece não somente antes como também depois. Aquele que acontece depois certamente relaciona-se à indução de leis. E aquele que acontece antes situa-se fora do que chamamos método científico.

Antes de dizer o que penso a respeito irei fazer uma analogia entre o método científico propriamente dito e o ciclo realizado por uma máquina térmica.

A máquina térmica recebe calor do meio ambiente e realiza trabalho. O ciclo nada mais é senão o caminho percorrido pelo sistema (por ex., um gás) que recebe este calor e realiza o trabalho. Porém, nem calor nem trabalho são coisas possuídas pelo sistema, refletindo apenas a energia em trânsito, aquilo que atravessou as paredes do recipiente. O método científico, por seu turno, retrata o caminho percorrido pelo cientista entre o "captar de uma informação" e a produção de um artigo científico ou de um protótipo. Entre este "captar da informação" e a produção científica, o cientista passa pelas etapas sequenciais do método científico, quais sejam: dedução Þ análise Þ indução Þ síntese. Concluído o processo o cientista devolve ao meio ambiente uma informação trabalhada e, portanto, modificada, e prossegue por novo ciclo semelhante. Fica-nos, então, faltando explicar através de que processo ele capta as informações a serem trabalhadas.

BumbleBee: Ora, e se as hipóteses que são as premissas de nossas deduções vierem de raciocínios inconscientes eminentemente indutivos?

Perfeito! Inconsciente. A dúvida estaria então no "captar da informação inicial". Como se daria este processo inconsciente a nos fomentar a produção de hipóteses? E qual seria o papel da indução —se é que ela ocorre— nesta captação?

Os indutivistas acreditam que a ciência começa pela observação; e que um fato observado justificaria a imediata generalização em leis, caracterizando a indução. Certamente eles estão confundindo observação com experiência. E eu tenho a impressão de que se fizermos uma enquete num ambiente universitário, a grande maioria não saberá distinguir observação de experiência. Há algum tempo eu participei de um debate no pt.ciencia.geral onde surgiu esta dúvida. Escrevi na época (29 de setembro de 2000):

"Eu encaro a experiência como algo bem mais complexo do que uma simples observação. Se bem que possamos, talvez por um vício de linguagem, dizer que a observação é um tipo bem elementar de experiência, a experiência em si é algo bem mais complexo e envolve uma análise destinada a esmiuçar os procedimentos e os detalhes técnicos necessários para o teste de uma hipótese, incluindo até mesmo a montagem de um cenário. Se pretendermos, para citar um exemplo simples, testar a lei da inércia pela redução do atrito, deveremos selecionar o material apropriado para o teste, os mecanismos destinados a colocarem o corpo em movimento (impulso inicial), as manobras destinadas à redução do atrito, a seleção das variáveis a serem levadas em consideração, os dispositivos a medirem as variáveis escolhidas, a análise dos erros, etc. A complexidade deste procedimento analítico chega a ser enfatizada por Popper com as seguintes palavras: O experimentador não está principalmente empenhado em fazer observações exatas; seu trabalho é, também, em grande parte, de natureza teórica. A teoria domina o trabalho experimental, desde o seu planejamento inicial até os toques finais, no laboratório.

Confundir observação com experiência seria o mesmo que confundir intuitivismo —a doutrina do "ver para crer",— com intuicionismo —a doutrina que valoriza a intuição como fonte de conhecimento legítimo e que propugna que o cientista é aquele que parte da verdade e, a partir de então, segue em busca da corroboração de suas teorias."

Perceba que eu falei em intuição e não em indução. A esse respeito vou reproduzir aqui outra mensagem que escrevi para a Ciencialist (17 de maio de 2001):

"A meu ver, indução e dedução são vias e não métodos e para atingir-se qualquer objetivo científico impõe-se a utilização de ambas as vias, além de outras —análise e síntese— que constituem em seu conjunto o que poderia ser chamado Método Científico. Descrevo isso em Teoria sobre o Método Científico bem como em outro artigo intitulado A práxis científica.

A espiral da práxisOs que observarem a figura do que denominei "espiral da práxis" notarão que o método científico "propriamente dito" inicia-se pela dedução. Isto não significa dizer que a "dedução nasceu primeiro" mas, simplesmente, que convencionou-se chamar como atividade científica aquela que apóia-se no método científico, e este sem dúvida alguma começa pela dedução. Obviamente estou me referindo ao método científico utilizado pelos cientistas naturais, mas tenho fortes argumentos a me convencerem sobre a unicidade do método científico para todas as áreas do que poderíamos chamar ciência.

Concordo que o "nosso raciocínio não começa pela dedução". Isso porém não é o mesmo que dizer que o "nosso raciocínio começa de forma indutiva", posto que o que nos leva à "dedução de hipóteses" não é a indução e sim a intuição. A intuição, como diz o dicionário do Aurélio, é "o ato de ver, de perceber, de discernir, de pressentir"; é a contemplação pela qual se atinge a verdade por meio não racional.
(...)
Sem dúvida, a intuição é bastante complexa, por vezes simula a utilização de um raciocínio indutivo, o que gera confusões homéricas, e é de difícil axiomatização, razão pela qual foi alijada do método científico. Não obstante, e poucos se dão conta disso, todo progresso científico começa pela intuição. E é por isso que não acredito que o computador venha um dia a substituir o homem na atividade criativa, pois falta ao computador o principal fermento da criatividade, a intuição."
BumbleBee: Como falei, tenho outra idéia onde a "falha indutiva" ocorre no começo, no momento em que se criam as hipóteses, pois nesse momento acho que a indução está fazendo a sua aparição, embora por baixo dos panos.

Sem dúvida, o que você diz faz sentido. Estou apenas tentando mostrar que a "intuição" é bastante mais complexa e até que ela se torne racional (evolução de uma estranheza inicial até um "Eureka"), creio que o nosso cérebro passa por curtos-circuitos em série: Ora vai do particular para o geral (a simular um processo indutivo), ora do geral para o particular. Isso tem muito a ver com o que denominamos experiência de pensamento, a simular um processo experimental de laboratório e a se utilizar de uma lógica provavelmente semelhante à lógica do método científico, ainda que muitas vezes cheguemos a determinada conclusão sem percebermos a via seguida por nosso cérebro. Não seria algo propriamente irracional, mas parece-me estar aquém da racionalidade.

BumbleBee: Preciso deixar claro que vejo esta fase como sendo inexorável, pois não dá para fazer de outra forma, temos que usar a indução neste ponto.

Como disse acima, não só mas também. E não sei se poderia utilizar o termo indução para parte do processo, pois este é bastante complexo, ainda não bem compreendido e nem sempre fica clara uma evolução do particular para o geral em seu início. Havendo ou não essa possível indução, a verdade é que o processo como um todo caracteriza o que chamamos intuição. E é sob esse aspecto que costumo dizer que a ciência não começa nem pela indução nem pela dedução mas pela intuição. E a intuição está fora do método científico a não ser como algo necessário para que o método não emperre. Da mesma forma que a máquina térmica necessita de calor se quisermos que ela produza trabalho num processo cíclico.

Bem, acho que a mensagem já está de bom tamanho risos e portanto vou parar por aqui.

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Alberto

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