Alberto Mesquita Filho
(**)
Integração V(19):262-4,1999
Boa noite a todos.
Inicialmente gostaria de deixar claro que, se posso me vangloriar por possuir alguma experiência em revistas científicas
On-line, isto se deve muito mais a minha postura como net-usuário crítico de grande número das revistas ora existentes do que, propriamente, como um editor de páginas Web.
Mesmo em se tratando de revistas científicas de papel, algo que a nível internacional já atingiu uma conotação secular, estou ainda ensaiando os primeiros passos como editor. Dizem que uma revista científica começa a se firmar após o terceiro ano de sua existência. Se assim for, minha experiência a respeito está apenas começando a cristalizar-se (figura 1).
Há dois anos, a revista
Integração
organizou, em parceria com o Curso de Comunicação Social da Universidade São
Judas Tadeu, um Seminário que teve como tema
O que é uma revista científica? Era nossa preocupação, na época, esclarecer a comunidade, em especial os alunos membros do Regime de Iniciação Científica (RIC), sobre as enormes diferenças existentes entre uma revista científica e uma revista popular (figura 2).
Dentre as finalidades da revista
Integração, destaca-se aquela destinada a propiciar, aos membros do RIC, esta familiaridade com revistas científicas, seja na formatação, seja no estilo, seja em outras de suas várias características. Até mesmo o rigorismo formal chegou a ser questionado na época posto que, se existem normas técnicas a serem seguidas hoje, não podemos nos esquecer de que fazemos parte de uma comunidade universitária a ditar propostas a serem discutidas em congressos e a serem ou não assimiladas em normatizações futuras. Muito mais do que nos preocuparmos com a obediência estrita a normas e regulamentos, a satisfazerem caprichos pertinentes a épocas e locais distantes da nossa realidade, foi nossa intenção, como mentores do "projeto revista
Integração", conhecer a Comunidade São Judas, com suas virtudes, defeitos e vícios, em consonância com o princípio evolucionista a clamar que as inovações bem sucedidas hoje contemplarão as normas do amanhã.
Com respeito à Internet, ou melhor, às chamadas revistas científicas
On-line, e sob o aspecto apontado, as coisas simplificam-se, pois estamos vivenciando uma nova era na qual o verbo corrente é inovar.
O tema Interatividade-Internet vem sendo muito debatido na atualidade, mas eu creio, pelo menos no que diz respeito à Ciência e Educação, que estamos muito aquém de nossas possibilidades. O
know-how desenvolvido pelos agentes da mídia parece-me estar muito longe de sensibilizar, em toda a sua plenitude, o meio acadêmico.
Sem querer fazer apologia à democracia eletrônica, assunto já na mira dos críticos, louvo aqui a abertura propiciada à criatividade. Vejo hoje a
Internet —e incluo aqui também a Usenet, os Chats, o
E-Mail, os recursos FTP, etc.— como um polo aberto à criatividade. Se os produtos deste potencial criativo estarão ou não democraticamente colocados à disposição da comunidade acadêmica, é algo que deixo à consideração dos meus colegas de mesa. Devo, no entanto, levantar três questionamentos cujas respostas merecem um carinho todo especial:
- É a Internet confiável como meio de comunicação científica, em toda a sua plenitude, ou ela deve restringir-se apenas a colaborar com o ensino a distância e com a comunicação interpessoal?
- O que diferencia, dentre duas revistas On-line, uma revista científica de outra não científica?
- Existem diferenças fundamentais entre uma revista científica On-line e uma revista científica de papel?
A resposta à primeira pergunta engloba toda a complexidade inerente ao tema deste seminário. Destaco os seguintes aspectos:
- Estaria a comunidade científica mundial disposta a repensar os critérios de editoração axiomatizados nos últimos séculos? Refiro-me aqui não apenas ao que convencionamos chamar por normas técnicas de editoração, mas também, e principalmente, às normas de seleção e valorização do que será produzido ou divulgado eletronicamente;
- Que dizer da avaliação pelos pares?
- Que fazer com os critérios dogmatizantes que, sem dúvida alguma, bem ou mal colocados, proliferaram no decorrer deste século a ponto de gerarem a chamada "filosofia dos períodos de ciência normal", antítese da epistemologia milenar? Por outro lado:
- Como evitar o caos informacional?
- Por fim, como administrar a proliferação dos ensaios pseudocientíficos, a contaminarem a mídia científica eletrônica, tema que vem sendo debatido com grande frequência nos grupos de notícias científicos internacionais não moderados, via de regra sob o título
crackpots que para alguns significaria "cientistas" ingênuos, ou mesmo patetas.
Passemos à segunda questão:
Mesmo não sendo o Brasil um país de tradição científica secular, nossos acadêmicos sabem perfeitamente distinguir uma revista científica, como por exemplo, a
Ciência e Cultura, de outra não científica, como por exemplo, a revista
Veja. Ambas têm o seu espaço, têm a sua finalidade, enfim, têm a sua razão de ser; e o leitor consciente sabe, perfeitamente, ponderar as informações recebidas a ponto de utilizá-las da maneira conveniente. Seria possível, dentro da chamada "democracia eletrônica", estabelecer esta mesma distinção entre duas revistas
On-line? Percebam que uma delas é destinada a noticiar eventos quaisquer ao público em geral, e a outra tem por finalidade não somente a divulgação da produção de novos conhecimentos, mas também a "obrigação" em se manter fiel aos critérios de cientificidade estabelecidos pela comunidade científica internacional.
Não estaria na hora de repensarmos o conceito de maioridade científica, proposto, no século passado, pelos filósofos críticos do iluminismo? Estariam as nossas universidades propensas a formar cientistas senhores de si e efetivamente críticos da realidade? Ou vamos continuar formando doutores atrelados aos paradigmas consensuais e a satisfazerem critérios políticos universitários estabelecidos sabe-se lá quando e por quem?
Passemos agora ao terceiro e último questionamento [diferenças entre uma revista científica
On-line e uma revista científica de papel]:
Levantei esta questão, como já afirmei, baseado em minha experiência como
net-usuário. Vejo a Internet, na atualidade, não como um meio a substituir as revistas de papel, mas como um sistema a colaborar em muito para com as revistas tradicionais, no sentido de aproximar autores, editores e leitores; ou, até mesmo, como um agente promocional a chamar a atenção do
net-usuário para a infinidade de revistas de alto nível que existem por aí. Percebo, também, que ela está evoluindo, no sentido de possibilitar que artigos relevantes possam ser rapidamente localizados e importados eletronicamente, seja através de páginas
Web, E-mail ou FTP. Não obstante, via de regra o usuário opta por imprimir o artigo, pois não há nada mais incômodo do que ler um artigo longo na tela do computador. Consequentemente, o que chamamos hoje revista científica
On-line, nada mais é do que uma revista transmitida pela rede para ser lida
Off-line e no papel.
O que é então uma revista científica On-line? A esta altura a interatividade já deve ter sido devidamente comentada pelos colegas de mesa. Pois a interatividade é o grande diferencial a caracterizar os processos
On-line, e a revista científica não faz exceção à regra. Concluo, então, a resposta a esse terceiro questionamento afirmando: Não haverá ciência onde não existirem cientistas, e não há cientistas onde a produtividade é nula. Consequentemente, não haverá revista científica
On-line enquanto os cientistas não participarem ativamente da produção de artigos verdadeiramente interativos.
Ipso facto, encerro minha participação nesta primeira seção do seminário, apresentando alguns exemplos simples de
net-artigos-interativos, os quais venho desenvolvendo em parceria com o professor Salvador e o Adriano, membros da equipe editorial da revista
Integração. O que será aqui apresentado pode ser produzido num computador caseiro desde que ele suporte um editor de páginas
Web, que pode ser o FrontPage Express, e um software editor de
gifs animadas. [Esses exemplos, além de outros, estiveram à disposição dos internautas no endereço www.geocities.com/CapeCanaveral/9258 de dezembro de 1997 a março de 1999. A partir do endereço, era suficiente avançar através do
link Interação, o que podia ser feito clicando-se na bola superior do gif animado, onde se lê Interação (figura 4
- clique na figura para ampliá-la).]
No primeiro exemplo nós procuramos, economizando ao máximo o número de palavras, levar o internauta a entender o significado de relatividade em física (este exemplo está hoje, novembro/2000, no Espaço Científico Cultural em "O que é relatividade?". São apresentados dois pontos luminosos, ou pequenas bolas, caminhando, no escuro, da esquerda para a direita na tela do computador. Abaixo formulam-se algumas perguntas de respostas óbvias, tais como: a) Qual das duas bolas está viajando para a direita? b) Qual das duas bolas tem maior velocidade? Na página seguinte reapresenta-se o
gif animado, solicitando-se ao usuário que acenda a luz. Observa-se, então, que os pontos luminosos estão situados no interior de um vagão de trem que caminha para a direita na tela do computador. Surgem, a partir daí, as opções
apagar/acender a luz e subir/descer no estribo do trem. Espera-se, com isso, que o usuário entenda por si só, e sem mais nenhuma palavra, o significado do conceito relatividade de movimento. Finaliza-se o processo apresentando ao usuário um ligeiro histórico da relatividade, mostrando-se que o argumento relativístico surgiu na Grécia antiga com Thales, Arquimedes e Eratóstenes, evoluiu para o estudo dos movimentos com Galileu, chegando a sua versão atual a partir dos estudos de Einstein.
No segundo exemplo foi nossa intenção demonstrar como um problema corriqueiro aos acadêmicos da área de exatas pode ser apresentado de maneira a simular uma pesquisa. Os dados, que via de regra são fornecidos no enunciado do problema, estão à disposição do usuário, desde que ele se disponha a medi-los. Não existe um problema, mas sim a solicitação para que o usuário observe um dado fenômeno [um avião soltando, no espaço, um objeto luminoso], seguida de uma pergunta [Qual a velocidade do avião em km/h - clique
aqui para visualizar o exemplo citado]; e o usuário somente conseguirá responder à pergunta se antes ele conseguir montar o problema, o que ele conseguirá pelo exercício da pesquisa (a solução é apresentada sob a forma de
diálogo surgido em lista de discussão). Que outro nome dar a este processo que não aprender a aprender?
Como penúltimo exemplo, e este não está na Internet, mas é apresentado aqui apenas para mostrar o potencial dos
softwares destinados à edição de páginas Web, apresento o jogo da velha em sua versão
Web-interativa (figura 5). Como todos sabem, trata-se de um jogo para duas pessoas. Atingido o objetivo, o computador acusa a tríade vencedora.
E, para encerrar, um cronômetro Net-In, que deixei funcionando na barra de tarefas, a mostrar que a minha palestra durou exatamente 18 minutos, 49 segundos e 2 décimos de segundos. (Este cronômetro está reproduzido abaixo).
Obrigado a todos.
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Referências:
(*) Palestra apresentada em Seminário realizado por ocasião da comemoração dos três anos de Integração, maio/98. Recebido para publicação em 29/05/98.
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