A Equação de Bessel
Alberto Mesquita Filho Integração II(5):101-6,1996
1ª. Parte
Sumário: O propósito deste artigo é resumir os tópicos essenciais relacionados a uma equação que surge com grande frequência, em engenharia e/ou física matemática, quando da resolução de equações diferenciais parciais pelo método da separação de variáveis. Embora escrito em forma didática, o artigo é dirigido a estudantes interessados no tema, e que estejam familiarizados com o cálculo avançado. Presta-se também a fornecer subsídios ao leitor que pretenda recordar rapidamente este interessante capítulo da física matemática, bem como a auxiliá-lo na caracterização e/ou memorização de alguns dos "macetes" indispensáveis para a resolução de problemas afins: fórmulas (ou relações) de recorrência, função geratriz e ortogonalidade.
1 Conceituação e ocorrência
A equação
é a chamada equação diferencial de Bessel de ordem
. A restrição x > 0 é essencial, pois não existe solução GERAL para intervalos que contenham x = 0
[1]. Em alguns textos, a equação de Bessel surge sob uma forma mais completa
[2],
na qual os parâmetros constantes recebem a seguinte denominação:
d
dimensão;
l
autovalor;
μ =
²
índice angular;
ordem da equação de Bessel.
Se d = 2 e l = ±1, a equação (2) transforma-se na (1).
É comum o aparecimento da equação (2) quando da resolução de equações diferenciais parciais da física pelo método de separação de variáveis. Nestes casos, quando o problema é resolvido em coordenadas cilíndricas obtém-se d = 2, e, quando em coordenadas esféricas, d = 3. Em coordenadas cilíndricas, havendo simetria circular, obtém-se
= 0; caso contrário, para soluções não simétricas,
= 1, 2, 3, ...
No número 1 de Integração
[3] fez-se referência ao surgimento da equação de Bessel quando da resolução de um caso particular da equação de Navier-Stokes. Na ocasião, graças às condições de contorno um tanto rígidas, pudemos chegar à solução sem nos utilizarmos das técnicas que serão aqui apresentadas.
É interessante notar que tanto a equação (1) quanto a (2) pertencem ao tipo de equações estudadas na teoria de Sturm-Liouville, podendo ser escritas na forma:
[s(x)y']' + [lr(x) - q(x)]y = 0
onde r(x) é a chamada função peso. Sob esta forma, a equação (1) fica:
com s(x) = r(x) = x, q(x) = ²/x e
l = 1.
2. Solução da Equação (1) em série de potências
Seja
uma possível solução de (1). Ao admitirmos esta possibilidade, na realidade o que estamos fazendo é assumir y, dado pela equação acima, como solução de (1), e propondo-nos a determinar os coeficientes an, bem como
g. Nestas condições temos
e
Substituindo estes valores de y, y’ e y" em (1) obtemos:
ou
ou ainda,
A equação (3) pode ser desmembrada em três igualdades:
As igualdades (4) e (6) são chamadas, respectivamente, equação indicial e equação de recorrência.
Da equação indicial, e assumindo ao ¹ 0, vem
g = ±
o que implica, de (5), em:
a1 = 0.
A equação de recorrência (6) pode ser escrita na forma:
e como a1 = 0, segue-se que todos os coeficientes an com índice ímpar são nulos: a3 = a5 = a7 = ... = 0. Por outro lado, os coeficientes an com índice par são dados por:
Generalizando, temos:
Efetuando a mudança de variável n
Þ m tal que n = 2m, os
coeficientes an podem ser expressos por:
ou
ou, finalmente:
Lembrando que
, n = 2m e
g = ± , temos:
Substituindo (7) em (8) as soluções y1(x) e y2(x) ficam:
As expressões (9) podem ainda ser escritas, em termos de funções gama ()
[4], da seguinte maneira:
Determinadas duas soluções y1 e y2 para a equação (1), podemos, uma vez comprovada a existência destas soluções, bem como sua independência linear, escrever a solução geral como
y(x) = C1y1(x) + C2y2(x). (11)
No item a seguir veremos que (11), com y1 e y2 dados por (10), não é solução geral válida para = 0, 1, 2, ...
3. Funções de Bessel
A função de Bessel de primeira espécie e ordem é definida por:
(12)
Segue-se, então, de (10), (11) e (12):
y(x) = C1ao2 ( +1)J(x) + C2ao2- (- +1)J-(x);
ou, agrupando-se as constantes:
y(x) = AJ(x) + BJ-(x),
¹ 0,1,2,... (13)
Se = 0, temos ( +1) = +1) = (1) e, nestas condições, J(x) = J-(x) = Jo(x). Consequentemente, y1(x) = y2(x) e, portanto, y(x), dado por (13), não é solução geral.
Por outro lado, se k
Z+, temos
Nestas condições, y2(x), dado por (11), não existe, e, portanto, não é solução de (1). É interessante notar que, neste caso, J-(x) existe, sendo possível demonstrar que:
Z+
Þ J(x) = (-1)J-(x)
ou seja, J(x) e J-(x) são linearmente dependentes.
Demonstra-se
[5] também que, para inteiro, a solução geral de (1) é dada por
y(x) = AJ(x) + BN(x) (14)
com
N(x) é chamado função de Bessel de segunda espécie
[6], de ordem , ou função de
Newmann [7].
4 Solução da equação de Bessel para
l¹1
Seja a equação
(15)
Mudando a variável x para
x = lx, temos
Portanto:
ou
cuja solução, tendo em vista (1) e (14), é:
u(x) = AJ(x) + BN(x).
Então, a solução de (15) é
u(x,l) = AJ(lx) + BN(lx).
Para ir para o próximo capítulo clique na figura ao lado Þ
A seguir:
- Fórmulas de recorrência das funções de Bessel
- Função geratriz
- Ortogonalidade das Funções de Bessel
Referências:
- A equação x2y’’ + xy’ - y = 0 representa um caso mais simples (não é equação de Bessel) onde também se verifica tal restrição (x
> 0). Sua solução geral, conforme pode ser facilmente verificado, é y = C1x + C2/x. Esta solução não está definida para x = 0.
- Vide, por exemplo, PINSKY, M. A., (1991), Partial Differential Equations and Boundary-Value Problems with Applications, Mc. Graw-Hill Inc., New York, p. 174.
- MESQUITA F.° , A., Similaridades entre campos de velocidade e o campo eletromagnético, Integração I(1):15-19, 1995, apêndice C (p. 18).
- A função gama goza da seguinte propriedade: (z+1) = z(z). Portanto: (m+p+1) = (m+p)(m+p) = (m+p)(m-1+p)(m-1+p) = (m+p)(m-1+p)(m-2+p)(m-2+p) = (m+p)(m-1+p).........(1+p)(1+p). Então, (m+p)(m-1+p)......(1+p) =
. Analogamente, mostra-se que (m-p)(m-1-p).......(1-p) =
.
- A demonstração está além do escopo deste artigo.
- Existem outras funções de Bessel, não havendo concordância quanto à notação adotada para a função de segunda espécie.
- Observação: Se for metade de um inteiro ímpar, J(x) pode ser expresso em termos de senos e cossenos.
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