O Método Científico
Alberto Mesquita Filho
Ó 2006 - Reprodução Proibida
para fins comerciais Página 2 de 3
Método pode ser pensado como caminho para chegar a um fim
ou pelo qual se atinge um objetivo. Através dessa figura de
linguagem eu poderia dizer que método científico é o caminho trilhado
pelo cientista quando empenhado na produção de conhecimentos.
A Figura 1
propõe-se a representar um possível modelo de método científico coerente
com essa idéia. A origem do método, assim idealizado, remonta aos
filósofos pós-renascentistas. DESCARTES [17], por exemplo, em sua obra Discurso do Método
expõe o método que ele aprendeu a utilizar.
É importante destacar que, a partir do fim do século XIX, muitos
autores definem método científico de maneira ligeiramente diferente,
estando este mais relacionado a como as ciências evoluem no decorrer
do tempo. O método, na opinião desses autores, retrataria uma espécie
de síntese do trabalho executado por uma ou mais gerações de cientistas,
e não propriamente o caminho trilhado por este ou por aquele cientista.
Ao compararmos esses modelos com aquele apresentado no item 3, fica-nos
a impressão de que esta nova versão se presta mais a esboçar o conjunto
das etapas utilizadas para a reunião de todas as peças de um dos
quebra-cabeças. Essas etapas, muito provavelmente, se processariam
através de uma infinidade de passagens através do modelo exposto na
Figura 1, mas isto não chega a ficar muito nítido. Por vezes tem-se
a impressão de que esse método representaria tão somente o caminho
percorrido pelo último teorizador do processo em questão, aquele
teorizador que efetivamente acrescentou a última peça ao quebra-cabeça e
que, ao mesmo tempo, depurou o trabalho de seus antecessores e/ou
interligou as hipóteses, apresentando, desta maneira, uma teoria dotada
de coerência interna. Seria então não exatamente o método científico
como definido no parágrafo anterior, mas o que poderíamos chamar como
método da teorização ou, então, método de unificação de um conjunto de
conhecimentos numa dada área ou disciplina. Possíveis vantagens e/ou
distorções devidas a essa conduta serão analisadas oportunamente e nos
capítulos seguintes.
Ao assumir a postura de definir método como
caminho trilhado pelo cientista, comprometo-me a ter de encontrar uma
definição ou conceituação para cientista, e/ou para ciência, que
independa do método, pois se disser que cientista é aquele que utiliza o
método científico estarei andando em círculo. Isso é possível
[18] e o argumento
provavelmente virá a ser apresentado em outro artigo desta série.
Veremos agora algumas dentre as principais características ou
propriedades inerentes ao método assim idealizado.
Se a existência do método decorre da observação do comportamento dos
cientistas, isso parece implicar na sua natureza empírica. Mas, como diz
PORTA (1999) [19]:
A experiência é incapaz de fundar o conhecimento universal e
necessário. Ela pode eventualmente dizer como são as coisas, mas não
dizer porque, necessariamente, elas são assim e não de outro modo.
[...] Conseqüentemente, se há um conhecimento que tenha estas
qualidades de necessário e universal então ele não pode ser empírico e,
em conseqüência, é, por oposição, "a priori". Se
pensarmos, então, na teoria do método científico como conhecimento
universal e necessário, recaímos nesse problema kantiano e quero crer
que a solução para o caso seja a mesma apresentada por KANT (1788)
[20] com respeito
à mecânica newtoniana. Para maiores esclarecimentos deixo a critério
do leitor a consulta ao artigo de Porta (acima indicado), bastante
didático por sinal. Comentarei aqui, e na superficialidade, apenas um
dos aspectos importantes e relacionado ao problema kantiano.
Se a metodologia científica é conhecimento universal e necessário,
no sentido apontado no parágrafo anterior, isto significa que o
cientista, consciente ou inconscientemente, quer queira, quer não
queira, ao produzir conhecimentos científicos utiliza-se do método
científico, cabendo ao estudioso em teoria do conhecimento decodificar
ou decifrar esse método. A ciência, enquanto tal, evolui
independentemente da existência do método, da mesma maneira que os
planetas circulam ao redor do Sol, indiferentes à existência ou não
das leis da mecânica ou da gravitação. Obviamente o método poderá
interessar ao pedagogo ou a todos aqueles que se preocuparem com a
formação de pesquisadores, bem como aos cientistas que pretenderem
aprimorar sua maneira de fazer ciência. Bem ou mal estes cientistas
já utilizam o método de uma maneira muito semelhante àquela apresentada
pelo músico que toca um instrumento por ouvido. Nota-se, no entanto,
que a maioria daqueles que produziram ciência de alta qualidade,
preocuparam-se, em alguma etapa de suas vidas, em aprender metodologia
científica e/ou em tecer considerações sobre o método que empregavam.
4. 2 Sobre a unicidade
do método
A característica universal e necessária ¾
e portanto essencial¾ inerente ao método
científico, não implica que ele deva ser o mesmo para todas as áreas
da ciência. O esquema proposto no item 3
(espiral da práxis)
tem se mostrado funcional nas ciências naturais, estando sujeito a
pequenas modificações de autor para autor. POPPER
[21], por exemplo,
enfatiza a importância da dedução de hipóteses, no que chama método
dedutivo de prova, mas combate o argumento indutivista com paixão,
a ponto de ignorar a existência de uma possível via indutiva
subseqüente à dedução de hipóteses. Há de se notar que o argumento
indutivista, mostrado na Figura 2 ¾
e este é o alvo da crítica popperiana¾
opõe-se frontalmente ao esquema apresentado na
Figura 1.
Chama a atenção, no argumento indutivista, a pretensão da obtenção
de leis partindo-se diretamente da observação (evolução direta do
particular para o geral), estando hoje em descrédito como dá a
entender CHALMERS
[22].
O método das ciências naturais nem sempre chega a ser visto
com bons olhos pelos especialistas em ciências humanas. SEVERINO,
em palestra recente
[23], chegou a afirmar que o método das ciências
naturais teria sido sistematizado no século XIX e o método
utilizado nas ciências humanas está em vias de consolidação e,
realmente, parece diferir do primeiro. Não obstante, Severino chama
a atenção para duas áreas das ciências que não se adaptam a nenhum
desses dois métodos e que seriam os ramos das ciências humanas
voltados excessivamente à práxis, quais sejam, a política e a
educação. Desta forma, haveria um terceiro método científico
relacionado às ciências políticas e às ciências educacionais.
A sistematização desse terceiro método seria obra a ser levada a
efeito no século XXI. Muito bonita e muito lógica a colocação do
mestre que, obviamente, não sei repetir com a mesma desenvoltura.
É importante perceber que tanto Popper quanto Severino estão se
referindo ao método das ciências naturais como sendo aquele a que me
referi na introdução do item 4, qual seja, o que chamei por método
da teorização e/ou das grandes unificações.
Pensando em termos do modelo apresentado na
Figura 1
as dúvidas são então as seguintes: Este modelo seria compatível
apenas com as ciências naturais? Estará este modelo já bem
sistematizado? Em outras palavras: Isto que se supõe representar
a maneira pela qual os cientistas naturais produzem conhecimentos
estará de fato abrangendo a totalidade dos talentos empenhados nesta
tarefa? Será este um modelo completo? Se pretendermos sustentar o
argumento da unicidade do método deveremos, antes de mais nada,
responder a essa última pergunta.
4. 3 Sobre completude
do método
Como foi dado a entender no
item 3, costuma-se
deixar a intuição de lado quando nos referimos ao método científico.
Não obstante, se pretendermos questionar a respeito da completude do
método, devemos reparar esta lacuna. Assim procedendo, é bem possível
que consigamos visualizar detalhes não levados em consideração quando
da sistematização do método. Começarei por apresentar aquilo que,
para evitar confusões, costumo chamar por macro-método científico e
que, na realidade, seria o próprio método acrescido de alguns desses
detalhes (outros detalhes serão apresentados no item 4.4). O parágrafo
a seguir reproduz, de maneira ligeiramente modificada, algo que escrevi
em 1997 [24].
"Suponhamos que um cientista tenha publicado seus resultados,
ou seja, tenha completado uma etapa da sua existência como tal. Que
fazer a seguir? Uma possibilidade seria estudar algum tema novo; outra
seria aprofundar-se em algum tema de seu interesse. Ele provavelmente
vai entrar agora numa fase de aquisição de novos conhecimentos.
Ao estudar temas novos ou ao se questionar sobre assuntos vários, não
é impossível que ele venha a obter um insight. Enquanto ele
está estudando, debatendo, discutindo em grupos de estudo, de repente
torna-se possuído por um certo pressentimento (intuição). Com
grande freqüência esta intuição relaciona-se apenas superficialmente
com o tema escolhido para estudo e, em menor grau, aparenta estar
totalmente dissociada do mesmo, condição que o leigo atribui ao acaso.
[...] Após o cientista ter o estalo, ou o insight, ele caminha
no sentido de realizar uma pesquisa, o que está representado na
Figura 3 com a flecha que culmina na elaboração de novos
conhecimentos. Se aplicássemos um zoom no lado direito da figura,
bem em cima desta flecha, seria então de se esperar que visualizássemos,
na mesma, o método científico mostrado na
Figura 1,
ou seja, o caminho percorrido pelo cientista entre a intuição e a
conclusão dos trabalhos daí decorrentes (esta última sendo referida
na Figura 1 como concretização, e a corresponder à
elaboração de novos conhecimentos da Figura 3). Chegando a
uma conclusão, o cientista irá publicar os resultados, irá apresentá-la
em um congresso, irá submetê-la a discussões, etc. Essa etapa está
representada na Figura 3 como difusão. E, terminado
o trabalho, o cientista volta a percorrer uma trajetória semelhante
à apresentada, obviamente agora num nível mais elevado."
É interessante notar que o macro-método, assim como o método
simplificado descrito nos itens anteriores, também pode ser pensado
¾e com mais profundidade ou, até mesmo,
mais legitimidade¾ como o caminho
trilhado pelo cientista quando empenhado na produção de
conhecimentos, ou seja, é o próprio método, visto agora sob um
prisma mais abrangente e sem lentes de aumento. Com lente de aumento
podemos verificar não apenas o conjunto das operações mentais racionais
ou lógicas utilizadas pelo cientista (dedução, análise, indução e
síntese da Figura 1), mas também, ao focalizarmos outras
áreas, enxergar inúmeros outros fatores inerentes à produção
de conhecimentos, como: a) a intuição já referida; b) a importância da
participação do cientista em seminários, grupos de estudo, simpósios,
congressos etc; e, até mesmo, c) detalhes de como a política acadêmica
pode ou não afetar o trabalho do cientista. Em outras palavras, é
através do macro-método que o método, pensado em sua versão simplificada
¾o núcleo operacional do macro-método
¾ ganha em objetividade. Podemos entender
isso através da analogia com um aparelho eletro-doméstico, por exemplo,
uma televisão, uma geladeira etc. Esse aparelho, quando desligado da
tomada ou de outra fonte de energia elétrica, é totalmente improdutivo.
Ao ligarmos à tomada ele consumirá energia e, em troca, desempenhará
o papel para o qual foi construído. O aparelho se completa, ganhando
em objetividade. De maneira semelhante, o núcleo operacional do
macro-método científico (espiral da práxis, Figura 1)
tornar-se-á produtivo se, e somente se, for alimentado e, de alguma
maneira, puder escoar a sua produção, assunto este a ser abordado no
item 5.1. O combustível apropriado está assinalado, na Figura 4,
como novas idéias, oriundas da intuição. A alimentação e o
escoamento dão-se a partir das vias ou campos mostrados nas Figuras
1 e 3.
Vamos tentar responder à seguinte pergunta: Em que local, dentre
aqueles representados na Figura 1 (núcleo do macro-método) ou
na Figura 3 (periferia do macro-método) estariam se processando
¾ou se criando ou, ainda, ocorrendo
¾ as experiências de pensamento, ou os
construtos analógicos, ou as imagens de espírito referidas
por Einstein (vide citação abaixo), ou os construtos de alto
nível relatados por Bunge [25] ou, ainda, a lógica transcendental de Kant?
Aparentemente em nenhum e, não obstante, os grandes cientistas,
aqueles que realmente produzem conhecimentos científicos, utilizam-se
destas ferramentas e/ou atalhos. Galileu e Newton já os utilizaram
no século XVII, Carnot e Maxwell utilizaram-nos no século XIX e
Einstein, Heisenberg e Bohr no século XX; e tantos outros!... Ora,
se método é efetivamente caminho, e se os cientistas utilizam-se de
atalhos ou percursos não descritos no método, então esse método está
incompleto, ainda que possa estar correto. Ou seja, o método, em sua
versão simplificada, mostrada na Figura 1, procura valorizar
o racionalismo em detrimento de produtos da imaginação. Com isso,
deixa-se de lado não apenas a intuição, mas também inúmeras etapas
intermediárias da produção de conhecimentos. A imaginação que acompanha
determinadas situações observadas e aparentemente paradoxais, com grande
freqüência estimula a proliferação de hipóteses intermediárias,
às vezes até mesmo absurdas e/ou contrárias ao senso comum.
Com essas hipóteses em mente o cientista,
via de regra, dá asas à imaginação e simula transitar por vias
científicas abstratas. Ou seja, ele procura como que testar uma
hipótese deste tipo através de experiências de pensamento,
chegando a conclusões incríveis, a se acoplarem a leis
simplesmente fantásticas. Isso chegou a ser descrito por
Einstein [26]
com as seguintes palavras: Se o senhor quer estudar em qualquer
dos físicos teóricos os métodos que emprega
, sugiro firmar-se neste princípio básico: não dê crédito
algum ao que ele diz, mas julgue aquilo que produziu! Porque o
criador tem esta característica: as produções de sua imaginação se
impõem a ele, tão indispensáveis, tão naturais, que não pode
considerá-las como imagem de espírito, mas as conhece como realidades
evidentes [o grifo é meu].
De posse de uma lei fantástica (no sentido que também é
aparentemente absurda, mas agora em condições de ser testada pela
experimentação) o cientista pode retornar ao método tradicional, à
espiral da práxis, utilizando essa conclusão (lei fantástica ou então
uma síntese de várias dessas leis) como uma nova hipótese. Como este
procedimento nem sempre chega a ser relatado, os estudiosos do assunto
acreditam que o cientista deduziu a nova hipótese através um
procedimento normal ou então, e mais freqüentemente, dão a entender
que o cientista, como que num golpe de mestre, inventou a
hipótese ou então a descobriu por acaso ou, até mesmo,
retirou-a do colete. Experimentos reais podem agora ser
efetuados, com a finalidade de testar a nova hipótese, e tudo
se passa como se o procedimento tivesse se processado unicamente através
das vias tradicionais (espiral da práxis), as quais não foram,
efetivamente, aquelas transitadas pelo cientista.
A fim de encaixar esses procedimentos alheios à experimentação
¾e, sob certos aspectos, a transcenderem
a experimentação¾ no modelo representado
na Figura 1
(espiral da práxis), vamos expandir o esquema em busca de um modelo
em três dimensões. A Figura 5 ilustra o arcabouço do modelo
[27] com os
dois planos que irão nos interessar: o plano da práxis, a incorporar
a Figura 1, e o plano transcendental, a ser completado.
Do acima exposto, não é difícil completar o plano transcendental.
Basta reparar que os campos e vias aí encontrados devem ser
equivalentes (se bem que abstratos ou imaginários) aos campos e vias
do plano da práxis, e isso está representado na Figura 6.
Sob certos aspectos essa idéia está a contemplar a lógica
transcendental de Kant
[28]; sob outros, lembra a distinção que os antigos faziam
¾em especial Parmênides
[29] e Demócrito
[30]
¾ entre Opinião (conhecimento
obtido através dos órgãos dos sentidos) e Conhecimento Autêntico
(conhecimento obtido através do pensamento).
Retornemos à questão formulada no item 4.2. Será que o modelo, agora
mais rico em detalhes (Figuras 5 e 6), se prestaria a
caracterizar o caminho trilhado pelos cientistas,
independentemente da área de estudo considerada?
Eu diria que a literatura a respeito do
assunto está repleta de ambigüidades e que estas surgem até mesmo no
âmbito das ciências naturais. Neste caso relacionam-se, com freqüência,
ao significado da palavra experiência ou ao fato dos pesquisadores em
pauta utilizarem, ou não, a experimentação. Existe um certo consenso a
distinguir como nítida e certa a diferença entre observação e
experiência. A experiência pode, em muitos casos, ser pensada como uma
observação, mas nem toda observação é uma experiência. Essa distinção é
importante e inerente ao modelo apresentado na Figura 1, assim
como a qualquer outro modelo a valorizar a dedução de hipóteses. OMNÈS
(1994) [31]
interpreta essa ambigüidade deixando claro que o procedimento
científico implica em interrogarmos o real duas vezes: na entrada e
na saída do processo. No primeiro caso estamos frente à realidade
factual própria ao empirismo puro (observação), enquanto que na saída
do processo trabalhamos via de regra com previsões, ou seja,
realidades passíveis de serem reveladas pela experiência. A produção
de conhecimentos científicos não começa pela experiência, por mais que
a experiência sirva para caracterizar a cientificidade do processo.
A observação, seja ela direta, seja indireta (relatada por outrem),
faz parte da etapa intuitiva, mas não tem o mesmo significado de
experiência. Experiência é uma observação controlada e a pressupor
a montagem de um cenário construído a partir de um procedimento
analítico destinado à verificação de determinadas hipóteses
[32].
Até que ponto uma observação astronômica poderia se encaixar na
categoria de experiência? Nem pode e nem deve. Enquanto observação,
ela dista de ser um procedimento experimental. Mas isso não significa
afirmar que determinadas observações astronômicas não possam se
enquadrar na categoria de experiência. É bem verdade que o astrônomo
não consegue intervir no objeto de estudo, a ponto de modificar o
resultado daquilo que está se propondo a observar. Não obstante,
ele consegue selecionar, dentre infinitas possibilidades, o cenário
onde, a ser verdadeira a sua hipótese, determinado astro, até então
desconhecido, poderá ser encontrado. Isso está narrado, por exemplo,
na história da descoberta do planeta Netuno.
Ainda com respeito ao dualismo observação/experimentação, há que se
destacar o papel desempenhado pelos precursores de uma determinada
ciência, aqueles que passam anos a fio promovendo a sistematização
desta área. Será que poderíamos reconhecer a classificação de objetos
como experiência? Creio que sim, mas antes de mais nada precisaríamos
entender os critérios adotados e, em especial, a finalidade da
classificação. Quando dizemos "Todos os cisnes são brancos",
estamos simplesmente analisando um processo observável porém fortuito.
Ainda que a frase possa ser útil aos amantes da lógica, em especial
ao estudioso do argumento indutivista, dificilmente esse dado irá
preocupar o biólogo especialista na classificação das aves. Mesmo
porque existe uma infinidade de aves brancas que não são cisnes.
Ao notarmos que os cisnes são brancos estamos simplesmente
fazendo uma observação que poderá ou não vir a ser útil, mas via de
regra não o é. O biólogo estudioso da sistemática poderia, por exemplo,
construir uma outra frase do mesmo tipo, mas a pressupor uma hipótese,
qual seja: "Todos os animais que vivem submersos em água estão
dotados de um sistema respiratório diferente daqueles observados nos
animais que vivem em meio aéreo." Agora sim, estamos frente a
uma afirmação construída sob uma argumentação dedutivista
(observação Þ hipótese) e, portanto,
em condição de ser testada e/ou falseada. Neste caso a universalidade
é pouco importante, podendo até mesmo ser abolida. Ou seja, ao invés
de afirmar "Todos os animais que...", poderíamos simplificar
a hipótese afirmando: "Com grande freqüência, os
animais que..."
Poderíamos então resumir o conteúdo dos dois últimos parágrafos
dizendo que experiência implica num teste de hipóteses, e essas
hipóteses chegam a ser levantadas com bastante freqüência, tanto
pelo astrônomo quanto pelos estudiosos da sistemática. Formular
uma hipótese, por outro lado, implica em suspeitar da existência
de uma causa a justificar um dado efeito [Isto não é o mesmo que
afirmar que todo efeito tem uma causa]. Esta preocupação
causa-efeito certamente inexiste na mente daqueles que pretendem
concluir, por indução, que todos os cisnes são brancos.
Que dizer agora do produtor de conhecimentos matemáticos? Será que
ele utiliza o mesmo modelo de método que estamos discutindo? Eu quero
crer que sim, pelo menos no que diz respeito ao modelo abrangente
dotado de um plano transcendental (Figuras 5 e 6).
Há de se notar que mesmo não fazendo experiências, à exceção daquelas
de pensamento, o matemático trabalha, via de regra, com objetos
pertencentes ao mundo real e, em seu trabalho, sujeita-se às mesmas
operações mentais já referidas (dedução, análise, indução e síntese).
Persistindo nesta linha não estamos longe de chegar a uma conclusão
à primeira vista decepcionante: O modelo apresentado aparenta não ser
exclusividade do cientista. De fato, não é! As quatro vias ou
operações mentais apresentadas fazem parte de algum processo cognitivo
utilizado pelos seres racionais, e não apenas pelos cientistas. Com
efeito, o homem é um pesquisador nato, e isso é algo que nos distingue
dos demais seres encontrados na natureza. Conseqüentemente, o método
científico seria tão somente um caso muito especial deste procedimento
cognitivo.
O que há então de especial ou de científico no modelo apresentado?
Em primeiro lugar, temos o plano da práxis, onde ocorrem as observações
da realidade, assim como as experiências reais. Somente
com dados de uma realidade observada e/ou resultados de experiências,
o cientista deve aventurar-se a trafegar pelo plano transcendental.
Por outro lado, mesmo fixando-se no plano transcendental, o
cientista não pode se afastar da realidade factual. Mesmo porque,
ao retornar ao plano da práxis ele deverá testar as novas
hipóteses aí concebidas. Foi nesse sentido que procurei esquematizar
o modelo de maneira tal a que esse plano interceptasse a natureza real.
Digamos então que no processo cognitivo mais geral existiriam outros
planos transcendentais (ou até mesmo outros planos da práxis), dotados
de propriedades análogas, mas a se afastarem da realidade e,
conseqüentemente, do que poderíamos chamar verdade científica.
Há de se notar que muitos indivíduos procuram por verdades inerentes
ao mundo real sem se aterem à preocupação em produzir conhecimentos
científicos. Seria o caso, por exemplo, do investigador de polícia.
Vou então abordar o método sob outros prismas, deixando os conceitos
ciência, cientista e verdade científica para que sejam apresentados
em outros artigos desta série.
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