Termo de Encerramento da Mesa Redonda
A PESQUISA NA UNIVERSIDADE PARTICULAR

framesAlberto Mesquita Filho

Integração I(1):60-2,1995

 

Relembrando o já citado na abertura dos trabalhos, a pró-reitoria comunitária recebeu a incumbência, neste ano de 1994, de equacionar toda a problemática relacionada a pesquisas em nossa Universidade, preparando-a para que o ano de 1995 represente o marco inicial da adoção de uma nova postura no que diz respeito à temática. Conseqüentemente, desde março deste ano, eu e os demais membros desta pró-reitoria temos estudado este assunto em profundidade; e, mais recentemente, temos solicitado aos vários setores da USJT para que promovam eventos como este, afim de que possamos analisar, vivenciar, compartilhar, entender e conseqüentemente promover a criação de um Centro de Pesquisas que esteja à altura da nossa coletividade. As palestras que acabamos de testemunhar, organizadas com muito carinho pela professora Ghislaine Gliosce da Silva, coordenadora do Curso de Psicologia da USJT, abordaram inúmeros assuntos extremamente interessantes relacionados a pesquisas. Dentre estes, alguns se destacam não só por sua generalidade, mas também pela preocupação, a meu ver equânime, entre os vários participantes desta mesa redonda. E cumpre destacar que, em linhas gerais, existe ampla concordância entre o que pensam os conferencistas e os membros da pró-reitoria comunitária, dentre os quais eu me incluo.

Um tema que aqui surgiu, e que freqüentemente é assunto para discussões em seminários, congressos, revistas, e até mesmo em noticiários vários, relaciona-se ao binômio pesquisa e realidade nacional. Até que ponto os nossos assim chamados centros de excelência em pesquisas têm se dado conta da necessidade deste inter-relacionamento? Será que estes centros estão formando pesquisadores voltados para a realidade nacional? Ou, em outras palavras: Será que nós estamos formando pesquisadores em condições de contribuir efetivamente para o progresso das ciências? Para que entendam a razão deste enfoque, tomemos como exemplo algo bastante atual, qual seja, o problema AIDS: Seria louvável, e acredito que estaria totalmente de acordo com os anseios da população, se o governo se dispusesse a dirigir parcela da verba oriunda dos impostos, que todos nós pagamos, no sentido de incrementar medidas saneadoras, campanhas profiláticas e cruzadas de esclarecimento da população; e também, e porque não, no sentido de propiciar um tratamento condizente com as reais necessidades de todos aqueles que têm a desventura de contrair tal doença. Isto, não obstante, não significa que a medicina brasileira deva ter como preocupação primordial a realização de pesquisas que tenham por objetivo, única e exclusivamente, a obtenção de progressos direcionados para a cura da AIDS. Será que o Brasil tem condições de competir, neste campo, com países como a França, a Inglaterra e os EUA? E ainda que tivesse, ou seja, que os nossos pesquisadores estivessem efetivamente preparados para esta tarefa e dotados de laboratórios adequados a essa competitividade, valeria a pena este sacrifício? Quantas crianças brasileiras não poderiam ser salvas dos riscos da cólera, da meningite, da tuberculose, da diarréia, da desidratação, da desnutrição, etc., às custas de uma verba que, de outra forma, estaria sendo desviada não em benefício dos pacientes aidéticos, mas para uma verdadeira loteria científica internacional cujo prêmio dificilmente chegaria às mãos de um cientista nacional? A AIDS, assim como o câncer, o diabetes, as coronariopatias, etc., fazem parte de uma realidade mundial compartilhada por nós. A nossa realidade, no entanto, é diferente, e sob certos aspectos, bem mais complexa. Se quisermos deixar de ser um país de terceiro mundo precisamos, antes de mais nada, dar prioridade para a resolução dos problemas que são especificamente nossos, pois que nisso país nenhum do primeiro mundo irá nos ajudar, a menos que nós nos coloquemos na vanguarda. Existe, por outro lado, e relacionado a esta temática, um aspecto de importância crucial: O cientista deve ser livre para perseguir a sua vocação, ou seja, não podemos, por princípio, interferir em sua autonomia. Como dirigir o cientista para uma ciência voltada para a comunidade e, ao mesmo tempo, respeitar esta autonomia? Este é um desafio cuja solução envolve os mais diversos níveis do que poderíamos chamar política educacional brasileira, algo que infelizmente não existe nem mesmo no papel. Na parte que nos toca, como educadores, o mínimo que podemos fazer, para que possamos nos eximir de nossa responsabilidade, é procurar desviar a atenção dos nossos jovens para a riqueza potencial da nossa realidade científica. Devemos portanto despertar a curiosidade do jovem pesquisador para os problemas que realmente afetam os nossos irmãos e, conseqüentemente, a nossa comunidade.

Falou-se, também, sobre a questão do financiamento de pesquisas. A quem cabe financiar as pesquisas realizadas nas universidades particulares? A resposta a este questionamento não é simples, razão pela qual eu não vou expor aqui a minha opinião. No entanto, se alguém quiser saber o que eu penso a respeito, remeto o interessado para que leia algo que escrevi recentemente sobre o assunto em resposta ao parecer 396/94 do CFE. Outro assunto que ficou patente pelas exposições aqui ouvidas, foi a preocupação do corpo docente do Curso de Psicologia em despertar em seus alunos a vocação para a pesquisa, uma preocupação digna de ser importada para os demais cursos da USJT. A esse respeito, cabe-me esclarecer que existe na pró-reitoria comunitária um pré-projeto de implantação de um regime de iniciação científica, a ser colocado em prática muito provavelmente em 1995, e eu folgo em saber que, se o corpo docente da Universidade São Judas estiver contaminado pela mesma animosidade aqui notada, o regime de iniciação científica a ser implantado tem tudo para vir a se constituir num motivo de orgulho para a nossa universidade, para a nossa comunidade e para o país.

Um assunto que foi aqui também abordado, e que a meu ver é um dos problemas mal resolvidos da ciência do século XX, repousa na distinção entre o "agir de forma científica" e o "trabalhar somente como profissional da ciência". Ninguém, em sã consciência, duvida de que o cientista deva ser remunerado de forma condizente ao seu valor como tal, e desta forma sustentar a sua família como qualquer outro profissional. No entanto, como qualquer profissional, ele deve estar sujeito a um código de ética bem como, como qualquer cidadão, ele deve estar sujeito também a um código de princípios morais. E é sob esta perspectiva que eu pretendo comentar o "agir de forma científica" e a "paixão pela ciência", temas estes muito apropriadamente colocados em pauta pelos meus colegas de mesa.

É comum interpretar o profissionalismo científico, algo perfeitamente saudável, como uma aberração que nada tem a ver com profissionalismo e muito menos com científico, e para a qual os dicionários atribuem uma denominação apropriada: cientismo ou cientificismo. Esta confusão, cujas origens eu não sei precisar, mas que talvez represente um resquício do positivismo científico, está implícita na filosofia de Thomas Khun. Assim é que Thomas Khun caracteriza e defende dois tipos de comportamentos científicos, temporalmente isolados, e que se justificariam única e exclusivamente por uma análise histórica, a meu ver incompleta, da evolução das ciências. Existiria então uma "ciência normal", cultivada pelos "profissionais da ciência", ou seja, por aqueles que aderem sem restrições aos dogmas ou, para utilizar as palavras do autor, aos paradigmas aceitos pela suposta "coletividade científica", estabelecida por um consenso em geral não muito bem definido. Durante este período de "ciência normal", condenar-se-iam os hereges, que poderíamos então chamar de "cientistas amadores", à marginalidade. Nada que contrarie aos dogmas da "ciência normal" teria acesso aos meios de divulgação utilizados pelos membros da "coletividade científica", garantindo-se desta forma a não contaminação dos conhecimentos científicos por mentes profanas. Apesar destes cuidados, de tempos em tempos os dogmas começam a falhar; as experiências começam a contradizer os conhecimentos solidamente adquiridos durante o período de "ciência normal". Surge então uma crise na "ciência normal", passando-se então por um período de revolução científica, em que os dogmas seriam reformulados a fim de atender aos anseios da "coletividade científica". Nesta fase, alguns hereges que tiveram a ventura de conviver com um período de crise, chegam a ser aceitos pela "coletividade científica", via de regra elevados ao grau de gênios; outros, conquanto já falecidos, transformam-se em verdadeiros mártires da ciência, sendo suficiente, para tal, que suas idéias se conformem aos dogmas nascentes. Em oposição a este cientismo "kuhniano", situa-se a posição realista de Karl Popper, segundo a qual o cientista é por si só um revolucionário latente, e os altos e baixos da ciência não justificam a despersonalização de seus cientistas como tais; e mais, a ciência comporta sempre uma revolução, a despeito de seus aparentes e/ou momentâneos sucessos. Não há lugar para dogmas na filosofia de Popper.

Sob certos aspectos, a posição defendida por Thomas Kuhn é interessante, posto que, muito embora eu não concorde com a mesma, ela retrata um testemunho histórico a denunciar que algo anda mal com a evolução das ciências. E eu quero aproveitar o fato de estar rodeado por psicólogos para levantar este problema que a meu ver se relaciona à ciência, mas que acima de tudo reflete características do comportamento humano: se a filosofia de Thomas Kuhn a meu ver não é boa, o retrato que ele obteve do comportamento dos cientistas nos últimos quatrocentos anos, tem muito de verdadeiro.

Via de regra, os cientistas revolucionários que mais se destacaram foram os teorizadores. Os exemplos são inúmeros, mas eu vou me ater a alguns dentre os mais conhecidos, como Galileu, Newton, Einstein, Maxwell, Boltzmann, Darwin, e como eu estou num Simpósio de Psicologia, eu não poderia deixar de citar Freud. Todos estes modificaram a ciência de seu tempo, derrubaram dogmas e foram responsáveis por alguns dos períodos caracterizados por Thomas Kuhn como de "ciência revolucionária". Na década de setenta eu assisti a um Congresso da SBPC, realizado na PUC de São Paulo, no qual se deu muita ênfase ao processo inquisitório que condenou Galileu. Os cientistas brasileiros aproveitaram o fato de estar em uma Pontifícia Universidade Católica para propor uma trégua, dando a entender que estavam perdoando a Igreja Católica pelos excessos cometidos no passado. Naquela época eu conhecia muito pouco da história das ciências e acreditei na sinceridade dos cientistas que com tanto brilhantismo combatiam o dogmatismo. Não obstante, em meu convívio em meio aos cientistas, eu comecei a perceber que a realidade não era exatamente essa; para dizer a verdade, a grande maioria dos cientistas com que cruzei e que ocupam postos importantes em nossas universidades, são mais dogmáticos do que os sacerdotes que condenaram Galileu. E a rigor, se formos analisar a vida dos cientistas acima citados, iremos notar que todos eles, de alguma forma, e por períodos variáveis, foram condenados pela ciência de seu tempo. Pelo simples pecado de tentar revolucionar a ciência, estes homens foram ridicularizados por seus colegas, através de um processo em muito semelhante à Inquisição e, posteriormente, através da queda dos dogmas de fé da ciência da época, acabaram sendo aceitos pelos jovens cientistas ainda não contaminados pela doutrina vigente e em ruínas.

Porque a sociedade científica condena os pretensos revolucionários da ciência, sem dar aos mesmos um julgamento justo? Os cientistas não são os donos da verdade, nem os teorizadores revolucionários, nem tão pouco aqueles que os condenam injustamente. O cientista, adotando-se a visão de Popper, é aquele que procura pela verdade, doa a quem doer; e o teorizador é aquele que desenvolve teorias, propondo-as como alternativas, para serem apresentadas, para serem discutidas, e para serem aceitas ou negadas mediante um processo não espúrio. Notem que são muito poucas as teorias que fracassam ao serem apresentadas num congresso ou imediatamente após terem sido publicadas. Por quê? Por um dentre dois motivos: ou elas são rejeitadas por antecipação, sem discussões, ou simplesmente são ignoradas e colocadas totalmente à margem da ciência. E as vezes acontecem casos como por exemplo o de uma cientista que recentemente, aos oitenta anos de idade, recebeu o prêmio Nobel de medicina por um trabalho realizado aos quarenta anos de idade, e que sequer chegou a ser devidamente criticado à época de sua publicação. Como eu espero ter deixado claro, os teorizadores desconhecidos merecem também um capítulo no livro da história das ciências que trata sobre o tema "a paixão pela ciência". Vamos então agora para a sessão de perguntas e debates.

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