A NATUREZA DA LUZ E PRINCÍPIO DA SUPERPOSIÇÃO

Janeiro de 2003

Alberto Mesquita Filho

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Capítulo I


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Advertência:

 

Muitos aspectos são abordados ou na superficialidade ou de uma maneira diferente da tradicional, nem sempre em harmonia com o que se postula nos livros didáticos e/ou nos meios acadêmicos. Não há pretensão alguma em esgotar o assunto "natureza da luz", pois ele é por demais extenso. A idéia inicial deste trabalho era tão somente a de fornecer dados para que pudéssemos, naquele clima amistoso que impera na lista de discussão Noosfera, do grupo Yahoo, evoluir no sentido de caracterizar alguns aspectos relativos à polarização da luz. Atingido esse ponto estaríamos em condições de verificar como a polarização, assim interpretada, poderia se prestar a fornecer subsídios para que pudéssemos vir a entender ou abordar criticamente o princípio da superposição de estados da teoria quântica. Este último, segundo Dirac, seria, dentre o conjunto das leis da natureza, o princípio "mais fundamental e o mais vigoroso" para a construção da mecânica quântica. Não obstante, à medida em que ia escrevendo, novas idéias foram surgindo, a acoplarem-se a outras de minhas teorias. Segui a trilha que ia se me abrindo e espero com isso ter novamente "colaborado para que possamos um dia retornar aos tempos em que a física era uma ciência inteligível" (com essas palavras conclui, em 1997, o artigo A equação do elétron e o eletromagnetismo).

Índice:

Capítulo I: A luz corpuscular
Capítulo II: A luz ondulatória
Capítulo III: Ondas eletromagnéticas
Capítulo IV: Emissores e receptores de luz
Capítulo V: Interação Luz-Matéria
Capítulo VI: Difração da luz
Capítulo VII: A polarização da luz
Capítulo VIII: O princípio da superposição de estados


Capítulo I - A LUZ CORPUSCULAR


Parece provável para mim que Deus no começo formou a matéria em partículas movíveis, impenetráveis, duras, volumosas, sólidas, de tais formas e figuras, e com tais outras propriedades e em tal proporção ao espaço, e mais conduzidas ao fim para o qual Ele as formou; e que estas partículas primitivas, sendo sólidas, são incomparavelmente mais duras do que quaisquer corpos porosos compostos delas; mesmo tão duras que nunca se consomem ou se quebram em pedaços; nenhum poder comum sendo capaz de dividir o que Deus Ele próprio, fez na primeira criação.
Isaac ewton

I.1 - Os corpúsculos de luz

NewtonAté o início do século XIX, a grande maioria dos físicos aceitou uma natureza corpuscular para a luz, e a teoria mais em voga era a de Newton [1]. A leitura da Óptica de Newton não é fácil, mesmo porque desde que foi escrita, até os dias atuais, três séculos nos contemplam; e também porque os paradigmas hoje vigentes praticamente nos impingem a aceitação de uma luz ondulatória, por mais que essa "onda" tenha adquirido, no transcorrer do século XIX, algumas características de difícil compreensão: não se trataria mais daquela onda mecânica proposta originalmente por Huyghens, como veremos no capítulo II, mas algo de natureza eletromagnética de dífícil conceituação, se bem que a acoplar-se à matemática dos fenômenos mecânicos ondulatórios. Por outro lado, experiências realizadas no século XX têm demonstrado uma certa inconsistência na aceitação de uma natureza matemático-ondulatória para a luz, no sentido clássico a que se acostumou conotar a expressão ondulatória, conforme o comentário de Einstein e Infeld [2] reproduzido no capítulo VI - item VI.1 deste artigo.

Sem entrarmos propriamente no mérito da obra de Newton, veremos se ainda seria possível pensar hoje numa luz corpuscular e até que ponto as imagens de pensamento, que serão apresentadas, poderiam se justificar.

Luz corpuscular é quase sinônimo de luz material e esbarra na aceitação ou não da idéia de que os corpos materiais macroscópicos e a luz seriam conversíveis entre sí [3] através de emissão e absorção de luz pelos mesmos. Numa primeira aproximação poderíamos pensar num corpúsculo esférico a se propagar pelo espaço numa direção definida (Figura 1). O formato esférico não é em sí obrigatório, mas facilita a esquematização.

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Figura 1: Primeira idéia de um corpúsculo de luz
propagando-se pelo espaço.

A idéia de que seriam necessários tantos corpúsculos diferentes quantas são as cores do espectro pode ser contornada se pensarmos na cor como sendo uma propriedade do raio elementar de luz e não do corpúsculo de luz por si só. Sob esse aspecto, um raio de luz elementar seria constituído por no mínimo dois corpúsculos viajando acoplados, um na frente do outro (na Figura 2 estão representados três corpúsculos pertencentes a um mesmo raio de luz elementar), e a distância entre os corpúsculos caracterizaria a cor do espectro a ser captada por um equipamento conveniente. Percebe-se então a possibilidade da existência, pelo menos em teoria, de um espectro totalmente contínuo para a chamada luz normal.

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Figura 2: Primeira idéia de um raio de luz corpuscular. A distância entre dois corpúsculos pode ser pensada como algo a caracterizar a cor, ou seja, como o fator responsável pelo direcionamento do raio no espectro.

I.2 - A interação luz-matéria

É fundamental, para o estudo da luz corpuscular, a caracterização de uma ação e reação a distância entre os corpos materiais macroscópicos e os corpúsculos de luz. Assim é que Newton refere-se com muita freqüência a uma inflexão dos raios de luz (Figura 3), termo esse que foi relegado a um segundo plano pela óptica ondulatória. Graças a essa ação a distância, mediada por alguma coisa de natureza imaterial, os corpúsculos, em sua interação com outros corpos materiais, iriam gradativamente modificando a direção de propagação [4]. Ou seja, essas variações de direção seriam gradativas e não bruscas, a retratarem uma ação contínua entre o objeto que as provoca e o raio de luz a sofrer a inflexão considerada.

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Figura 3: Inflexão de um raio de luz elementar dirigindo-se
da esquerda para a direita.

Essa alguma coisa de natureza imaterial não chega a ser muito bem definida por Newton. Em alguns trechos de sua obra ele chega a caracterizá-la como uma possível vibração emitida pelos corpos materiais e a se propagar por um éter. Seria como se alguma coisa de natureza ondulatória respondesse pela inflexão de uma luz corpuscular. Em outros trechos ele chega a negar esse éter de tipo huygheniano, ficando-nos a impressão de que essa alguma coisa seria aquilo que em alguns de seus textos é caracterizado como o espírito da matéria, algo de natureza imaterial mas a se propagar pelo espaço de maneira idêntica à matéria. Ou seja, não seria um éter no sentido clássico, como o termo é comumente empregado, mas seria como que um éter emitido pela matéria, e não em repouso em seu espaço absoluto. Nesse caso aquela idéia de "vibração" se desfaz. Essa alguma coisa imaterial ou esse espírito da matéria, ou ainda, esse éter fluido emitido pela matéria, assemelha-se muito à idéia que Newton fazia a respeito da gênese da gravitação e das demais interações entre os corpos materiais, a se resumirem nas três leis de seu modelo mecânico macroscópico. É por isso que costumo dizer que a óptica e a mecânica de Newton fazem parte de uma teoria única e indissociável. Nos dias atuais, a negação de uma implica quase que necessariamente na negação da outra, assim como a negação da teoria corpuscular da luz no século XIX implicou, por motivos vários, na negação de quase toda a física newtoniana no século XX.

I.3 - Os lados da luz

Todo raio de luz tem, portanto, dois lados opostos, originalmente dotados de uma propriedade da qual a refração incomum depende, e os outros dois lados opostos não dotados daquela propriedade. [5]

Com essas palavras Newton conclui sua interpretação sobre a dupla refração observada pela primeira vez por Erasmus Bartholine no cristal da Islândia, fenômeno conhecido hoje como polarização por dupla refração ou birrefringência (ver item VII - A polarização da luz).

Como poderíamos interpretar esses lados dos raios de luz? A Figura 4 retrata uma modificação ligeira efetuada na figura 1 e, como veremos, a imagem assim obtida cai como uma luva na interpretação dada por Newton ao que hoje chamamos polarização da luz. Sob essa visão, o corpúsculo de luz gira sobre si mesmo e propaga-se segundo uma perpendicular ao eixo do giro.

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Figura 4: Corpúsculo de luz girando sobre si mesmo e propagando-se
segundo uma perpendicular ao eixo do giro.

Na Figura 5 vemos um corpúsculo de luz propagando-se no plano da tela (Figura 5a), semelhante àquele mostrado na Figura 4, e outro propagando-se num plano perpendicular ao plano da figura (Figura 5b), como se estivesse fugindo do observador (mostrando pois o seu dorso). Nota-se na figura que os quatro lados referidos por Newton, e opostos dois a dois, seriam respectivamente: esquerdo, direito, em cima e embaixo (Figura 5b). Os lados esquerdo e direito mostrariam como propriedade comum o aspecto de um giro equatorial, e os lados em cima e embaixo teriam em comum o aspecto de giro polar.

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Figura 5: Os lados do corpúsculo de luz e do raio de luz elementar correspondente.

Poderíamos ainda sofisticar um pouco mais a idéia assumindo, por motivos que não serão aqui justificados, o raio elementar de luz, mostrado na figura 2, como sendo formado por corpúsculos de luz com os giros sequencialmente alternados, como mostrado na Figura 6.

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Figura 6: Raio de luz elementar, em acordo com a teoria corpuscular.

É interessante notar que um equipamento capaz de polarizar a luz não deve conseguir distinguir essa diferença pois, como estamos supondo, ele separa os raios não pelo sentido do giro, mas pela orientação do giro, qual seja, se visualizado pelo equador ou pelos pólos. Consequentemente, todo raio de luz elementar permanecerá com essa característica de corpúsculos alternados quanto ao giro, após atravessar o polarizador. Não há também porque se pensar em dois tipos diferentes de corpúsculos, pois eles são diferentes apenas em relação ao raio a que pertencem. Individualmente seriam partículas idênticas, apenas visualizadas por ângulos diversos. Não há porque se pensar que um corpúsculo seria a imagem quiral do outro [6], pois objeto e imagem seriam superponíveis, ao contrário do que acontece entre mão direita e a sua imagem, a simular a mão esquerda.


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Referências:

  1. NEWTON, Isaac (1704): Opticks, Dover Puclications, New York,1979, based on the fourth edition London, 1730.
  2. EINSTEIN,A.; L.INFELD: A evolução da física, Zahar Ed., Rio de Janeiro, 1980 (tradução).
  3. Óptica III de Newton, Questão 30, vide referência (1).
  4. No Livro II, Parte III da Óptica de Newton [vide referência (2)] lê-se, na Prop. VIII (p.266): ...the Reflexion of a Ray is effected, not by a single point of the reflecting Body, but by some power of the Body which is evenly diffussed all over its Surface, and by which it acts upon the Ray without immediate Contact. Esta curvatura é invocada por Newton na explicação da reflexão, como será visto no capítulo II. Existe ainda um outro tipo de interação luz-matéria, descrito na Parte III, Questão 28 (p. 362), e que está mais em acordo com a figura 3 aqui apresentada: The Rays which pass very near to the edges of any Body, are bent a little by the action of the Body, as we shew´d above; but this bending is not towards but from the Shadow, and is perform´d only in the passage of the Ray by the Body, and at a very small distance from it. Tradução: Os raios que passam muito próximos das bordas de qualquer corpo são curvados um pouco pela ação do corpo, como mostramos anteriormente; mas essa curvatura não é em direção à sombra, mas a partir da sombra e realiza-se somente na passagem do raio pelo corpo, e a uma distância muito pequena dele.
  5. Óptica III de Newton, Questão 26 [vide referência (2)]. O estudo da dupla refração começa na Questão 25.
  6. Quiralidade: propriedade que distingue um objeto de sua imagem especular (dicionário eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa, versão 1.0, Dezembro de 2001).

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