A NATUREZA DA LUZ E PRINCÍPIO DA SUPERPOSIÇÃO


Capítulo IV


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Capítulo IV - EMISSORES E RECEPTORES DE LUZ

Podemos dizer que não há praticamente um entre os grandes problemas nos quais a física moderna é tão rica, ao qual Einstein não tenha dado uma contribuição importante. O fato dele não ter algumas vezes alcançado os objetivos nas suas especulações, como, por exemplo, na sua hipótese dos ´quanta´ de luz (fótons), não pode significar muito contra ele, pois não é possível se introduzir fundamentalmente novas idéias, mesmo nas ciências mais exatas, sem ocasionalmente se correr um risco.
Max Planck
ao recomendar Einstein para membro
da Academia Prussiana de Ciências

IV.1 - Os elétrons oscilantes — Planck

PlanckEm 1901 Max Planck estudou a radiação de calor emitida por uma superfície aquecida, utilizando-se de um modelo teórico a apoiar-se na identidade entre a radiação de calor — há muito já considerada como luz [1] — e a propagação espacial do distúrbio eletromagnético, produzido no oscilador linear de Heinrich Hertz. Segundo Planck, a superfície emissora de radiações térmicas continha elétrons ligados a pontos fixos através de forças que obedeciam à lei de Hooke [2] (figura 15). Ou seja, os emissores de energia térmica foram identificados como sendo os elétrons da superfície emissora. Rigorosamente falando, Planck não chegou propriamente a se utilizar da teoria do elétron de Lorentz [3] mas, como assumiu posteriormente (1920), poderia ter chegado às mesmas conclusões por esse que teria sido um caminho bem mais curto [4].

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Figura 15: Representação esquemática da produção de ondas
eletromagnéticas pelo elétron oscilante de Lorentz.

IV.2 - O Modelo de Bohr

Niels BohrVamos traçar agora um paralelo entre o modelo apresentado de emissão de radiação térmica de Planck e outro modelo que chegou a ser utilizado na segunda década do século XX para explicar o espectro da radiação emitida pelos átomos de hidrogênio. O leitor não deve estranhar a maneira escolhida para apresentar ou discutir o tema, pois estou tentando interpretar, de maneira clássica, idéias concebidas quando a teoria quântica atual estava ainda em fase de gestação —o chamado período da física quântica primitiva. Como estou procurando abordar criticamente o princípio da superposição de estados que, segundo Dirac, seria o mais fundamental e o mais vigoroso [5] para construção da mecânica quântica, sinto-me na obrigação de deixar de lado, por ora, as hipóteses que fundamentaram a teoria quântica.

O modelo atômico de Bohr (1913) [6], que surgiu na década seguinte à do trabalho de Planck, apoiou-se na experiência de Rutherford —a sugerir a idéia de um átomo como um sistema planetário— e conseguiu explicar o espectro do hidrogênio (fórmula de Balmer). Neste modelo atômico a luz seria emitida durante o salto do elétron de uma órbita permitida para outra, órbitas essas de níveis energéticos diferentes. Ao que tudo indica, não haveria neste caso a oscilação descrita por Lorentz, a caracterizar o elétron como um minúsculo vibrador de Hertz.

IV.3 - Similaridades entre os modelos

Existem muitas semelhanças, de natureza matemática, entre a oscilação de uma partícula e o translado da mesma em uma órbita circular. Embora fisicamente sejam coisas distintas, matematicamente podemos pensar na oscilação como sendo a projeção de um movimento orbital (figura 16). Será que esses fenômenos, a se acomodarem a um equacionamento semelhante, seriam realmente semelhantes do ponto de vista físico? De uma coisa estamos certos: os osciladores de Hertz existem como tais, e geram radiações eletromagnéticas. As dúvidas que surgem seriam: Existiriam os elétrons oscilantes de Lorentz? Existiriam os elétrons planetários de Bohr? A luz é idêntica àquilo que é emitido pelos osciladores de Hertz?

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Figura 16: A oscilação pensada como projeção de um movimento orbital.

Quando Planck desenvolveu o seu modelo —final do século XIX e início do século XX— a idéia de átomo estava começando a ser adotada pelos físicos, e o modelo mais aceito para o átomo era o modelo de Thomson, que precedeu em pouco mais do que uma década o modelo de Bohr. Vou repetir aqui o que já escrevi em outro trabalho [7]:

Após a identificação do caráter corpuscular dos raios catódicos, corpúsculos estes que posteriormente receberam a denominação de elétrons, Thomson sugeriu que a carga positiva de um átomo pudesse estar distribuída uniformemente em uma esfera, com os corpúsculos negativos situados no interior da carga positiva [8]. Ou, como citado por Tipler [9], Thomson considerou o átomo como um fluido carregado positivamente e com elétrons mergulhados em uma configuração estável e de maneira a tornar o conjunto neutro. Devido à repulsão mútua, os elétrons estariam uniformemente distribuídos na esfera de carga positiva, de onde a denominação "modelo em pudim de passas"; e quando da excitação do átomo, os elétrons vibrariam em torno de suas posições de equilíbrio, o que explicava qualitativamente a emissão de radiação eletromagnética.

A figura 15, conquanto sirva como ilustração didática do modelo de Planck, não ilustra todo o fenômeno como na realidade deveria estar acontecendo, a ser verdadeiro o modelo. A partícula, ao irradiar, deve perder energia e seu movimento seria então amortecido. O grande mérito de Planck resume-se em constatar que esse amortecimento, para se adaptar aos dados experimentais (lei de Wien), deveria ser quantizado. Ou seja, a partícula oscilante somente vibraria com determinados níveis de energia. Ao partir de um nível inicial de energia Ei para outro nível final Ef —dentre aqueles permitidos— a partícula emitiria uma energia radiante fixa e igual a ΔE = Ei - Ef. É interessante observar que Bohr chegou a uma conclusão do mesmo tipo com relação às órbitas dos elétrons nos átomos: as órbitas deveriam se restringir àquelas permitidas e a se adequarem aos dados experimentais (fórmula de Balmer para o espectro do hidrogênio). Nos dois casos foi possível relacionar teoricamente a variação de energia ΔE com a frequência n da luz emitida, através da mesma constante h: ΔE = nhn (n = 0, 1, 2...).

IV.4 - Modificando o modelo de Bohr

O modelo de Bohr presta-se para explicar tanto a emissão quanto a absorção de luz por elétrons aprisionados nos átomos. A figura 17 ilustra essa segunda condição. É importante perceber que esse processo é totalmente reversível e o elétron pode voltar a sua condição anterior pela reemissão da luz absorvida. Esse processo não deve portanto ser confundido com a absorção que redunda em aquecimento dos corpos, nada obstando a que esse segundo processo comece da mesma maneira.

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Figura 17: Recepção de luz pelo elétron atômico.

A falha principal do modelo de Bohr reside em não conseguir explicar o postulado das órbitas permitidas, algo que surge como uma hipótese ad hoc, destinada a salvaguardar a teoria eletromagnética de Maxwell. Segundo esta teoria, um elétron em órbita, suposto ser uma carga elétrica coulombiana (postulado 1 de Bohr) [10], deveria irradiar energia eletromagnética, o que na realidade não acontece (postulado 3 de Bohr). Recentemente (1993) [11] eu propus outro modelo atômico onde o elétron não tem as características de uma carga elétrica coulombiana e, nestas condições, ele pode se acomodar em determinadas órbitas excêntricas. A permissividade parece ficar garantida [12] pela obediência a um campo eletromagnético não-maxwelliano e variável no tempo, porém estacionário, não surgindo portanto como uma hipótese ad hoc. A excentricidade refere-se a órbitas de elétrons e prótons situadas em planos não coincidentes com o que em astronomia denomina-se plano da eclíptica (no caso a comportar as órbitas do Sol e dos planetas). Essa excentricidade pode ser entendida pelo exame da figura 18 [13].

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Figura 18: Órbitas excêntricas de uma dupla próton-elétron com movimentação acoplada. A órbita do próton é suposta situar-se no interior do núcleo do átomo, e esse núcleo não está representado no esquema. [13]

IV.5 - O efeito fotoelétrico

EinsteinUm outro exemplo relativo à recepção (absorção) de luz por elétrons foi descoberto por Hertz (1887) e o equipamento utilizado é o protótipo da chamada célula fotoelétrica. A figura 19, abaixo, ilustra o processo e a explicação para o fenômeno, que é hoje conhecido como efeito fotoelétrico, foi proposta por Einstein em 1905 de maneira a compatibilizar-se com os osciladores harmônicos de Planck. Em resumo, como diz Eisberg e Lerner [14]:

Einstein afirmou que quando a radiação interage com a matéria, à medida que está sendo absorvida, a sua energia não é espalhada uniformemente sobre as frentes de onda. Ao contrário, a energia radiante absorvida é reunida em pequenos aglomerados hoje chamados de fótons. Cada tem energia total E = hn, onde h é uma constante, agora chamada de constante de Planck, e n é a freqûência da radiação. Einstein disse também que, no efeito fotoelétrico, cada fóton deposita toda a sua energia em algum elétron da superfície absorvedora.

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Figura 19: Célula fotoelétrica, adaptado de Eisberg e Lerner [14].

Um dado importante relaciona-se à incompatibilidade do efeito fotoelétrico, que ocorre na célula fotoelétrica, com a idéia de elétrons livres. A conservação de momento exige a aceitação da idéia de que os elétrons emitidos pela célula fotoelétrica estejam ligados a um átomo, seja na forma de oscilação (átomo de Thomson, que era o modelo aceito em 1905), seja orbitando o núcleo (modelo de Bohr de 1913). Um hipotético zoom efetuado na figura 19 poderia talvez mostrar uma imagem do tipo apresentado na figura 20. Esta imagem difere daquela apresentada na figura 17 apenas no sentido em que agora a energia do fóton é suficiente para expulsar o elétron do átomo.

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Figura 20: Uma possível realidade em nível atômico para o efeito fotoelétrico


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Referências: [Capítulo 4]

  1. Parece não haver dúvida alguma a respeito da identidade entre radiação térmica e radiação luminosa. A esse respeito vale a pena reproduzir aqui um comentário de Eisberg e Lerner, p. 285 (vide referência 2): Como exemplo desta radiação térmica, suponha que você aqueça no fogo a extremidade de um atiçador de ferro inicialmente frio até temperaturas sucessivamente mais altas, retirando-o periodicamente o tempo suficiente para observar as suas propriedades. Enquanto o atiçador estiver a uma temperatura relativamente baixa, você pode sentir, mas não ver, a radiação térmica que ele emite. À medida que a sua temperatura aumenta, a quantidade de energia térmica emitida pelo atiçador aumenta muito rapidamente. Além disso, ela torna-se visível —o atiçador emite inicialmente luz de uma cor vermelha não muito brilhante, depois a cor torna-se mais forte, e finalmente passa para uma cor branco-azulada.
  2. EISBERG, R.M. e LERNER, L.S. (1981): Physics: Foundations and Applications, volume 4, tradução para o português (1983) por Ed. McGraw-Hill do Brasil, Ltda, p. 286.
  3. LORENTZ, H.A. (1902): The theory of electrons and the propagation of light, Nobel Lecture, December 11, 1902.
  4. PLANCK, M.K.E.L. (1920): The genesis and present state of development of the quantum theory, Nobel Lecture, June 2, 1920. I, therefore, developed first the laws of emission and absorption of a linear resonator on the most general basis, in fact I proceeded on such a detour which could well have been avoided had I made use of the existing electron theory of H.A. Lorentz, already basically complete.
  5. DIRAC, P.A.M. (1967): The Principles of Quantum Mechanics, fourth edition (revised), Oxford Science Publications, capítulo 1, item 2 (A polarização de fótons), p 4. "...quantitative basis for the building up of quantum mechanics. For this purpose a new set of accurate laws of nature is required. One of the most fundamental and most drastic of these is the Principle of Superposition of States."
  6. BOHR, Niels (1913): Sobre a Constituição de Átomos e Moléculas, Fund. Calouste Gulbenkian, Lisboa, tradução (1979).
  7. MESQUITA F°. A. (1993): A equação do elétron e o eletromagnetismo, Ed. Ateniense, São Paulo. O conteúdo deste livro, atualizado e com nova distribuição dos capítulos, está publicado em duas seções deste Web site: A equação do elétron e o eletromagnetismo (capítulos I, II, III, IV e VI) e Eletromagnetismo e Relatividade (capítulo V). O trecho reproduzido acima está no item 3.4.2.
  8. FEYNMAN,R.; and R.B.LEIGHTON: Física, vol. 2, Electromagnetismo y matéria, Addison-Wesley Iber., México, 1972.
  9. TIPLER,P.A.: Física moderna, Ed. Guanabara Dois, Rio de Janeiro, 1981.
  10. Essa numeração dos postulados de Bohr é encontrada em EISBERG,R. e R.RESNICK: Física Quântica, Ed. Campus Ltda, Rio de Janeiro, 1986 (tradução).
  11. MESQUITA F°. A. (1993): A equação do elétron e o eletromagnetismo, Ed. Ateniense, São Paulo. O conteúdo deste livro, atualizado (1997) e com nova distribuição dos capítulos, está publicado em duas seções deste Web site: A equação do elétron e o eletromagnetismo (capítulos I, II, III, IV e VI) e Eletromagnetismo e Relatividade (capítulo V). Um resumo da teoria apresentada pode ser lido em Sobre a natureza físico-matemática do elétron.
  12. Eu digo parece pois ainda não cheguei a analisar na intimidade as equações desse modelo, a se compatibilizar com uma teoria bem mais complexa (vide referência 11). A lógica a ser utilizada está apresentada no artigo O elétron emissor de informações eletromagnéticas (1999).
  13. MESQUITA F°. A. (2001): O spin que não é giro, cópia com ligeiras modificações de artigo postado nos news uol.carreiras.fisica e uol.educacao.ciencia em 12/jul/2001.
  14. Eisberg, R.M. e Lerner, L.S. (1981): vide referência 2, pp. 286 e 289.

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