msg18 De: Alberto Mesquita Filho Para: fisica@news.com.br Data: Sexta-feira, 10 de Dezembro de 1999 Continuação da mensagem 17: Entalpia H e Energia Livre G de Gibbs Em 05/12/99, na mensagem 03 desta série, André escreveu: Porque na química nós estudamos entalpia e na física não? O estudo da entalpia H surge durante a análise da primeira lei. Trata-se de outro "construto de alto nível" e, neste caso, a relacionar a energia interna com o produto pV, qual seja, H = E + pV. (eq 1) A entalpia assume importância, dentre outras condições, quando do estudo de sistemas a pressão e volume constante. Em virtude de os químicos estudarem, com relativa frequência, soluções com volume constante e a ocorrerem na pressão atmosférica ou, então, reações químicas que ocorrem em tais soluções, provavelmente resida aí um dos motivos de sua preferência por H em substituição à energia interna E. Com efeito, facilmente demonstra-se que em tais condições (p e V constantes) temos dH = dE. É suficiente derivar a equação 1 (eq 1) acima, obtendo-se dH = dE + pdV + Vdp, e observar que, para as condições assinaladas, dV = dp = 0. Se substituirmos em eq 1 o valor de E dado pela equação utilizada na mensagem 17 para definir a entropia, qual seja, E = A + TS chegamos a H = A + TS + pV ou, o que é o mesmo, H - TS = A + pV. (eq 2) Pela observação das equações 1 e 2 (eq 1 e eq 2) podemos pensar, raciocinando por analogia, numa outra propriedade termodinâmica G a relacionar-se com a energia livre A de Hemholtz, da mesma forma que a entalpia relaciona-se com a energia interna E, ou seja, G = A + pV (eq 3) e, de (eq 2), G = H - TS. (eq 4) Com efeito, de (eq 3) obtemos, para p e V constantes, dG = dA. G, frequentemente definido pela expressão dada em eq 4, nada mais é do que a energia livre de Gibbs, importantíssima em físico-química, termodinâmica química, bioquímica e biofísica. Lembro ainda que nestas disciplinas surgem variáveis outras graças a variações de concentração de componentes pertencentes ao sistema como, por exemplo, o número de moles dos participantes das reações químicas. Surge então a necessidade da conceituação dos "potenciais químicos", intimamente relacionados à energia livre de Gibbs. Resumindo, as equações fundamentais da termodinâmica a relacionarem seus diversos construtos de alto nível são: H = E + pV (eq 5)
Estas são frequentemente referidas como equações de definição de H, A e G respectivamente ("E" é definido a partir da primeira lei da termodinâmica e "S" a partir da segunda lei por uma via diversa da apresentada nesta série). A termodinâmica propriamente dita começa após definirmos suas variáveis Assim sendo, neste ensaio simplesmente procurei colocar o net-amigo que acompanhou as postagens de posse dos fundamentos para que possa iniciar o estudo da termodinâmica sem grandes dificuldades. Para o físico todas essas grandezas (H, E, A, S e G) são importantes e ele irá valorizar uma ou outra na dependência do problema de interesse momentâneo, pois temos mais grandezas do que o número necessário para as definições dos estados dos sistemas estudados. Graças às relações mostradas em eq 5 a eq 7, é sempre possível mudar o enfoque à medida da necessidade. Por motivos óbvios, alguns dos quais a serem apontados nas próximas mensagens (vide mensagem 32 e seguintes), energia interna E e entropia S destacam-se frente as outras, sem que isso signifique uma depreciação das demais por parte do físico. [ ]'sAlberto As mensagens 19 a 31 e 33 a 41 foram postadas na Ciencialist e refletem uma discussão paralela que se seguiu após as mensagens 01 a 18 terem sido apresentadas no eCC. Como o tema evoluiu em outra direção, estas mensagens são apresentadas após a mensagem 44. msg32 De: Alberto Mesquita Filho Para: fisica@news.com.br Data: Sábado, 11 de Dezembro de 1999 Continuação da mensagem 18: Generalizando os Conceitos Termodinâmicos Retornando às questões primeiras desta série, verificamos que na mensagem 03 de 05/12/99, André escreveu: André: O que me deixa mais confuso nessa tal de entropia é a sua equivalência aos fenômenos que ocorrem no nosso dia-a-dia. Realmente, isto é um fato. Nota-se que os conceitos termodinâmicos extrapolam as pretensões pedagógicas, destinadas a explicarem o que ocorre no laboratório. Abandonam o papel em que foram impressos, nos livros didáticos e, muito além de simplesmente sustentar a tecnologia, passam a ser por nós vivenciados, chegando mesmo a ganhar uma conotação popular nem sempre bem explicada mas, ainda assim, repetida a exaustão. A generalidade da termodinâmica passa desapercebida por muitos dentre aqueles que apenas cumprem créditos básicos da graduação. E fica sempre aquela dúvida, a ser expressa no seguinte questionamento: Com que autoridade podemos tabular uma série de fórmulas e/ou afirmações surgidas, por exemplo, ao manusearmos sistemas gasosos a levantarem ou baixarem massas, em seus contatos com fontes quentes e frias, e daí aplicá-las aos demais fenômenos observados no dia-a-dia? Respondendo, diria: O alcance da termodinâmica não se restringe ao estudo dos gases. Aliás, seria possível definirmos todas as propriedades termodinâmicas enfatizadas nesta série de mensagens (E, S, A, H e G) sem fazermos apelo algum ao estudo dos gases. Pressão p e volume V, como vimos, foram utilizados meramente para que pudéssemos expressar, e/ou dotar de características mensuráveis, a energia em trânsito, a vaguear entre um sistema e outro e conhecida como trabalho; ou então para que pudéssemos entender até que ponto p e V relacionam-se com as propriedades termodinâmicas, quando realmente se fazem presentes (gases, soluções, misturas, etc.). A termodinâmica estuda uma infinidade de sistemas físicos, isolados ou em interação e que se prestam a serem descritos através de dois tipos de variáveis: as variáveis internas (VI), características instantâneas do estado do sistema e as variáveis de transporte (VT), a refletirem o que atravessa as fronteiras do sistema considerado, entre um estado e outro (figura 11). As variáveis internas (VI) subdividem-se em dois tipos:
As variáveis de transporte (VT) são, em geral, calor e trabalho (energia em trânsito), podendo-se pensar, também, no transporte de massas (em geral isso é feito na disciplina "Fenômenos de Transporte", que apresenta muitos capítulos afinados com a termodinâmica). Quase sempre são estimadas graças a alterações observadas no meio exterior ao sistema estudado, como o levantamento de um peso, ou o esfriamento ou aquecimento de uma solução em contato com o sistema ou, ainda, uma variação na concentração de determinada substância desta solução. É graças a propriedades como estas que podemos verificar o que há de comum entre processos tão distintos como a expansão de um gás, a queda livre, o transporte de calor entre fontes térmicas, a corrente elétrica que se estabelece entre corpos com potenciais elétricos diferentes, as reações químicas, etc. E o que há de comum muitas vezes relaciona-se intimamente ao grau de irreversibilidade observado, qual seja, a marca que o processo deixa no "resto do Universo". E esta marca pode sempre ser relacionada a algo equivalente ao abaixamento de massas num campo gravitacional ou, dito de outra forma, podemos dizer que o universo em apreço sofreu redução na capacidade de realizar trabalho. Vamos considerar três casos simples de processos irreversíveis para que fique nítida esta equivalência. Deixarei então como tema, a ser pensado, a verificação de uma possível equivalência entre os seguintes processos:
Até a próxima (mensagem 42, de 261299) e, enquanto isso, convido a todos para que acompanhem, através de meu Web Site, o rumo totalmente diferente que o tema tomou na Ciencialist (mensagens 19 a 31, de 20/12/99 até hoje, 22/12/99) onde discutiu-se, dentre outros assuntos, o problema da expansão do Universo e sua possível relação com o aumento da entropia. [ ]'sAlberto msg42 De: Alberto Mesquita Filho Para: fisica@news.com.br Data: Segunda-Feira, 13 de Dezembro de 1999 Continuação da mensagem 32: Espontaneidade e Evolução para o Equilíbrio Uma dentre as inúmeras maneiras de enunciarmos a segunda lei da termodinâmica relaciona-se à tendência de sistemas, não vinculados a restrições, evoluírem para um estado de "equilíbrio térmico" (uma restrição digna de nota seria aquela apresentada por sistemas compartimentalizados às custas de membranas adiabáticas). Obtido esse "equilíbrio térmico", a propriedade "macroscópica" temperatura assume valores iguais em toda a extensão do sistema. Assim, se num dado instante tivermos duas regiões a diferentes temperaturas, T1 e T2, espera-se que o sistema caminhe espontaneamente para uma condição de equilíbrio tal que possa vir a ser caracterizado por apenas uma temperatura T, situada entre T1 e T2. No parágrafo anterior ficaram implícitos alguns questionamentos e alguns conceitos importantes:
Levantados os problemas, vamos comentá-los resumidamente, o suficiente para que possamos "aceitá-los numa boa" e, assim sendo, para que possamos prosseguir com nossas "encucações". Direi então, com respeito à questão 1, que "um sistema atingiu o estado de equilíbrio quando não revela nenhuma tendência para uma ulterior variação de suas propriedades com o tempo". Este conceito parece-me constar do livro de físico-química do Moore, ainda que no momento não esteja de posse do mesmo. A esse respeito, assim me manifestei há alguns anos: Não há como confundir, através desta definição, equilíbrio com estado estacionário, se é que o leitor está acostumado com este último termo. Se não estiver, um exemplo simples poderá ajudá-lo. Imagine um tanque com água até determinado nível. Se o nível permanecer constante, no decorrer do tempo, isto pode se dever a dois fatores: a tampa inferior do tanque está fechada; ou a torneira está aberta de tal forma que seu fluxo iguale a vazão, ou o que vai para o ralo. No primeiro caso, o sistema está em equilíbrio; no segundo, em estado estacionário. Notem a tendência para uma ulterior variação das propriedades com o tempo, neste segundo caso: o ralo ou a canulação podem entupir; a caixa d'água pode se esvaziar, etc. Que dizer então de "equilíbrio entre sistemas" (questão 2). Ora, diferentemente do caso anterior, estamos aqui trabalhando com pelo menos dois sistemas; logo, não há como confundir os termos. De alguma forma, vem-nos a idéia de confronto entre sistemas, bem como da possibilidade de transporte líquido (no sentido contábil do termo) de alguma coisa, de um dos sistemas para o outro, caso não exista o equilíbrio. Por outro lado, pode-se pensar, num sistema único, como estando subdividido em compartimentos e, neste caso, estando ou não o sistema em equilíbrio, poderíamos também conjeturar sobre se os possíveis compartimentos, analisados dois a dois, estariam ou não em equilíbrio entre si. O princípio do equilíbrio entre sistemas nada mais é do que uma generalização do princípio do equilíbrio térmico, ou lei zero da termodinâmica, e poderia ser enunciado como: Dois sistemas em equilíbrio com um terceiro através de um mesmo tipo de confronto, estão em equilíbrio entre si, através de pelo menos um tipo de confronto. Exemplos de confrontos:
A cada tipo de confronto é possível definir uma grandeza representativa do mesmo e atribuir padrões ou escalas de medidas (ex.: comprimento, cor, massa, temperatura, etc.). Por outro lado, os sistemas em equilíbrio estão sujeitos a vários princípios como, por exemplo, o princípio da continuidade, o princípio de Le Chatelier, etc. (Uma breve introdução, de minha autoria, aos princípios que regem os fenômenos naturais, pode ser encontrada em Eletromagnetismo e Relatividade). Que dizer da espontaneidade e/ou da evolução para o equilíbrio (questões 3 e 4)? Ora, aqui estamos já entrando na essência das transformações, a justificarem o estudo da termodinâmica. Por paradoxal que possa parecer, a termodinâmica, ao valorizar, através das propriedades de estado, o "antes" (estado inicial) e o "depois" (estado final), deixando totalmente à margem o "durante" (o processo em si), é, sem dúvida alguma, o capítulo da física que mais profundamente envolve-se com as transformações em si (e daí a expressão dinâmica). O descaso para com o "durante" é de natureza puramente operacional, qual seja, relativo aos valores assumidos pelas propriedades "durante" o processo. A termodinâmica não nega a existência do processo; simplesmente recusa-se a fazer conjecturas sobre valores intermediários de variáveis que sabe, de antemão, não corresponderem à realidade (Qual é a temperatura de um gás durante sua expansão???); a menos que o processo seja reversível, mas, nesse caso, temos a chamada condição de quasi-equilíbrio onde "antes", "durante" e "depois" praticamente se sobrepõem e as propriedades de estado estão fixas, a menos de infinitésimos. Tanto é verdade que a essência da termodinâmica vincula-se às transformações em si, e não aos estados de equilíbrio inicial e final, que as suas duas leis fundamentais, relacionam-se às transformações. A segunda lei, por exemplo, refere-se à "evolução" dos sistemas para um estado de equilíbrio e não à manutenção de um estado de equilíbrio. Uma das maneiras clássicas de enunciá-la, e a denunciar esse comprometimento, seria: O calor passa de um corpo quente para um corpo frio, não ocorrendo o inverso. Além da passagem de calor de um corpo quente para um corpo frio, existe uma infinidade de outros processos a nos denunciarem sua espontaneidade. Pensemos, por exemplo, no que ocorre num campo gravitacional. Se dissermos: Num campo gravitacional, um corpo que cai espontaneamente, não sobe espontaneamente (figura 12)... Até que ponto poderíamos utilizar esta afirmação raciocinando termodinamicamente? Seria equivalente a dizer que o calor passa de um corpo quente para um corpo frio, não ocorrendo o inverso (figura 13)? O que tem a ver a espontaneidade da queda de corpos em campos gravitacionais com a termodinâmica? Por outro lado, sabemos também que: Num campo gravitacional dotado de atmosfera, um corpo que sobe espontaneamente, não cai espontaneamente. Seria essa uma nova maneira atípica de enunciarmos a segunda lei da termodinâmica? Voltemos agora para os gases: Numa atmosfera rarefeita, os gases se expandem, não ocorrendo o inverso (figura 14). O que há de comum em todas essas afirmações? Seriam elas equivalentes? (questão 5, acima) Se negarmos uma destas afirmações, estaremos negando as demais?
Pois o segredo do segundo princípio da termodinâmica está na equivalência dessas afirmações e reside não na fixação da direção de um processo qualquer mas na afirmação de que na ausência de agentes externos, qualquer processo segue uma direção natural: não importa para que lado ou em que sentido, sabendo-se, no entanto, que uma vez estabelecido ou determinado o sentido, este será reconhecidamente imutável. Dito de outra forma, o que o segundo princípio da termodinâmica nos garante é que os fenômenos naturais são irreversíveis ou, então, que existe, nos mesmos, uma direção espontânea a ser seguida e tal que, sistemas isolados ou estão em equilíbrio ou estão evoluindo para uma condição de equilíbrio. Porque então chamarmos a ciência que estuda a evolução natural dos processos pelo nome de termodinâmica? O que tem o calor, ou a energia térmica, a ver com a evolução fenomenológica da natureza? Como veremos na próxima mensagem, o calor, mesmo quando não participa do processo em si, desempenha um papel central e a nos mostrar como processos tão diferentes se equivalem. Aliás, dizer que o calor não participa do processo (por exemplo, numa expansão adiabática e expontânea de um gás) não seria uma afirmação muito condizente com a filosofia termodinâmica pois a termodinâmica "não mede" nada do que ocorre "durante" o processo; logo se, de alguma forma, "o sistema trocar calor consigo mesmo", isso estará além do escopo da termodinâmica. Quanto à questão 6, o que poderia ser dito aqui já foi tema do diálogo que travei com o Neville na Ciencialist e está publicado nesta série nas mensagens 31, 33, 39 e 41. [ ]'s e até a próximaAlberto msg43 De: Alberto Mesquita Filho Para: fisica@news.com.br Data: Terça-Feira, 14 de Dezembro de 1999 Continuação da mensagem 42: Máquinas Térmicas Como vimos, em mensagens anteriores, é possível um sistema, por exemplo, um gás, produzir trabalho, extraindo calor de uma fonte quente. Se o processo for cíclico, como aquele representado na figura 8, e contínuo, teremos uma máquina térmica; e, pelo que sabemos, se o sistema for um gás, o trabalho máximo produzido em cada ciclo (Wmax = Wrev), quando representado através de unidades convenientes, iguala a área delimitada pelo ciclo, num gráfico pV. A figura 15, ao lado, representa um tal processo: Neste caso o gás recebe uma quantidade de calor Q1, da fonte à temperatura T1, e cede a quantidade de calor Q2 à fonte à temperatura T2. Nas adiabáticas (linhas verdes, na figura) sabemos que não há trocas de calor, pois o gás fica confinado entre paredes que impedem o estabelecimento de equilíbrio térmico com o meio próximo. Pela primeira lei da termodinâmica sabemos que W = Q1 + Q2 (Q é positivo quando o gás recebe calor e negativo no caso contrário). Uma pergunta que nos vem à mente é: Seria possível Q2 ser igual a zero? É evidente que neste caso o conjunto seria bastante simplificado, não havendo necessidade da fonte à temperatura T2. E a fonte à temperatura T1 poderia ser o meio ambiente. A figura 16 ilustra tais simplificações: Suponhamos que a resposta à pergunta fosse afirmativa. Pensemos agora na queda de um objeto, como mostrado na figura 12, e vamos aceitar o processo, aí representado, como irreversível e a caracterizar a segunda lei. Poderíamos então utilizar a máquina da figura 16 para elevar o objeto que caiu. O trabalho necessário a ser produzido na máquina iguala o calor Q liberado pelo objeto ao se chocar com o solo (primeira lei); mas este trabalho, fosse a condição hipotética da figura 16 verdadeira, deveria ser igual a Q1 (também pela primeira lei). Consequentemente, Q = Q1. Logo, ao término do processo, o saldo em energia térmica recebido pelo meio ambiente é igual a zero; e o objeto retorna ao seu ponto de partida. Como o gás também retornou ao seu valor inicial (processo cíclico), a conclusão é que o processo foi totalmente revertido, a contrariar a suposição aceita inicialmente. Podemos então, de posse desses argumentos, afirmar: É impossível um sistema trabalhando ciclicamente, receber calor de uma fonte térmica e apresentar, como único efeito, a realização de trabalho. Ou seja, segundo essa afirmação, a máquina térmica representada na figura 16 (com Q2 = 0) "não deveria existir. Essa proposição (em itálico) é a mais frequentemente encontrada como "segunda lei da termodinâmica". Utilizando a expansão irreversível de um gás, como mostrado na figura 14, chegaríamos, por raciocínio semelhante, à mesma conclusão. Ou seja, o gás, para retornar à condição primitiva, poderia sofrer uma contração reversível, cedendo, no processo, uma quantidade de calor Q ao meio ambiente (caso contrário, se o processo fosse adiabático, pela primeira lei o gás não retornaria ao estado primitivo). O trabalho (= Q pela primeira lei) para promover essa contração "poderia" vir da máquina hipotética representada na figura 16 a qual extrairia do meio ambiente (fonte) uma quantidade de calor Q1 = W = Q. E como Q1 = Q, o saldo energético do meio ambiente iguala-se a zero e o processo acaba por ser revertido, o que contraria a hipótese inicial (expansão "irreversível"). Seria possível termos, na figura 15, Q2 > 0? Examine a figura 17 e conclua que neste caso poderíamos juntar a fonte T2 e o gás como um único sistema cíclico e retornaríamos à condição hipotética da figura 16, a qual não satisfaz a hipótese da irreversibilidade dos fenômenos naturais. Repare que a fonte T2 cede Q2 numa etapa e recebe Q2 em outra, trabalhando portanto em regime cíclico, tal e qual o gás. Que dizer então da figura 13 ou da afirmação correspondente: O calor passa de um corpo quente para um corpo frio, não ocorrendo o inverso. Se fosse possível uma quantidade mensurável de calor Q passar espontaneamente de uma fonte fria à temperatura T2 para uma fonte quente à temperatura T1, poderíamos acoplar as duas fontes a um sistema cíclico capaz de realizar trabalho, como aquele representado na figura 15 (agora não mais a máquina hipotética da figura 16). Ao igualarmos Q2 a Q (supondo que a máquina possa trabalhar no ritmo que quisermos), teremos a situação representada na figura 18. Tudo se passa como se o sistema, trabalhando em processo cíclico, recebesse a quantidade de calor Q1 - Q2 apenas de uma das fontes (T1), o que novamente contraria qualquer das outras hipóteses aceitas como que a representarem textualmente a segunda lei da termodinâmica. Percebemos então que, ao contrariarmos a irreversibilidade proposta para o transporte de calor, estaremos concomitantemente contrariando as demais irreversibilidades vistas. Espero ter deixado clara a equivalência entre os vários enunciados da segunda lei da termodinâmica, bem como o relacionamento implícito entre a segunda lei, a irreversibilidade e a espontaneidade. E por falar em espontaneidade, podemos agora concluir a resposta à seguinte pergunta do André, constante da mensagem 3: O que determina um fenômeno ser ou não espontâneo? A termodinâmica é uma teoria fenomenológica, não indo às causas últimas dos fenômenos. A espontaneidade é o seu ponto de partida: observa-se a existência, na natureza, de uma direção preferencial para a ocorrência dos fenômenos e, ao constatarem esta preferência, os estudiosos do assunto concluíram pela observância da segunda lei. Porque em determinadas condições um corpo cai e não sobe espontaneamente? Ora, quem vai nos responder a essa questão não é a termodinâmica, pois forças e campos (causas imediatas) não pertencem ao seu domínio. Porque um gás se expande? Não há como respondermos a essa pergunta sem entrarmos no representacionismo, substituindo a natureza flúida do gás por sua natureza molecular; mas aí estaríamos entrando no domínio de teorias outras, tais como a mecânica estatística ou mecânica quântica. Porque o calor passa de um corpo quente para um corpo frio, não ocorrendo o inverso? Não há como responder a essa pergunta com o modelo termodinâmico, a não ser dizendo que, "se ocorresse o inverso", a termodinâmica ou não existiria ou seria algo totalmente diferente; e o Universo também! Na mensagem 3 encontramos também a seguinte pergunta: Será que qualquer tipo de fenômeno ou ação é reversível ou irreversível? Aparentemente, todos os sistemas naturais ou estão em equilíbrio ou então estão evoluindo para um estado de equilíbrio, seguindo uma via irreversível. O estado estacionário assemelha-se a um equilíbrio quando visualizado com "lente de pequeno aumento". No entanto, ao ampliarmos o objeto de estudo, englobando as vizinhanças do sistema aparentemente em equilíbrio, verificamos que atingiremos uma dimensão na qual perceberemos que o sistema ampliado está, de alguma forma, evoluindo para um estado de equilíbrio. Da mesma forma que a termodinâmica não vai às causas da espontaneidade, ela também não explora, sob esse aspecto, a irreversibilidade. Em outros domínios da física chegamos a reconhecer que a irreversibilidade deve-se a fenômenos como atrito, inelasticidade, viscosidade, resistência elétrica, etc. Até mesmo nesses domínios, os agentes causais são, em última instância, praticamente ignorados. As teorias microcósmicas (mecânica estatística e mecânica quântica) não conseguiram ainda explicar tais fenômenos, o que parece-me ser fundamental para que um dia possamos entender o porquê da irreversibilidade. Recentemente propus uma teoria representacional e, de certa forma, interligada à minha teoria sobre os elétrons, na qual explico a irreversibilidade apelando, sempre que houver atrito ou outro "agente de irreversibilidade", para a emissão de uma partícula elementar a que dei o nome de entropino (muito provavelmente seriam os próprios neutrinos da física moderna). Consigo explicar a irreversibilidade como um processo local e não obrigatoriamente universal. O Universo, como um todo, comportaria a reversibilidade e, desta forma, pelo menos em teoria, comportaria a eternidade, sem que houvesse a necessidade de invertermos suas leis, como propoem algumas das teorias "iô-iô" de expansão-contração. Curiosamente, ainda que, com essa idéia, a segunda lei perca muito de seu conteúdo original, ela não chega a ser substancialmente modificada, quando analisada do ponto de vista macroscópico; não obstante, a teoria propõe uma adaptação da primeira lei, não sob o ponto de vista termodinâmico propriamente dito, mas sob o aspecto representacional. Ou refutamos a idéia a dizer que a primeira lei retrata o princípio da conservação da energia ou então teremos que reformular o conceito de equivalência entre calor e trabalho; ou ainda, ambos. Posto que os entropinos (neutrinos?) também transportam energia, sem entrarem contabilmente na soma calor + trabalho. A teoria está descrita em Variáveis escondidas e a termodinâmica (Observação: trata-se de uma teoria alternativa e ainda não aceita pela comunidade científica; se alguém estiver se preparando para um concurso público como, por ex., vestibular, sugiro que ignore este e o parágrafo anterior). [ ]'s e até a próxima,quando discutirei o paradoxo apresentado na mensagem 13 de 11/12/99. Alberto msg44 De: Alberto Mesquita Filho Para: fisica@news.com.br Data: Quinta-Feira, 16 de Dezembro de 1999 Continuação da mensagem 43: A função dos paradoxos nas ciências naturais Paradoxo, dizem os dicionários, nada mais é do que um "conceito a contrariar o que nos parece evidente"; ou então, uma "afirmação que vai de encontro a sistemas ou pressupostos que se impuseram, como incontestáveis, ao pensamento". Sua utilização, em ciência, é muito comum e presta-se, em determinados casos, a falsear ou mostrar a inconsistência de um determinado modelo teórico. Por outro lado, "resolver o paradoxo" nada mais é do que destruir a argumentação, nele contida, pela utilização de dados inerentes ao modelo contrariado; demonstra-se, desta forma, a inconsistência do paradoxo, o que, sob certos aspectos, corrobora o modelo teórico. Diferentemente das hipóteses falseadoras, sua resolução, via de regra, não lança mão da experimentação, razão pela qual é quase sempre apresentado e/ou resolvido por cientistas teóricos e/ou teorizadores. Um paradoxo não resolvido enfraquece a teoria alvo, podendo, em casos excepcionais, servir como motivo para o seu abandono pela comunidade científica; mais comumente, serve como apelo para que se procure por variáveis escondidas, o que não costuma ser bem visto pelos adeptos da teoria, pois revela a fragilidade de seu núcleo "imutável" (conceitos já definitivamente aceitos e tidos como imutáveis) bem como a necessidade de uma profunda revisão e/ou reformulação das hipóteses. Nem sempre o paradoxo, ao ser resolvido, mostra-se inconsistente. Não raramente, chama a atenção para algo inerente à teoria porém que não estava sendo devidamente valorizado, a ponto de ter gerado o paradoxo. Refiro-me a situações em que o paradoxo foi resolvido sem a necessidade da incorporação de hipóteses ad hoc à teoria. A introdução de hipóteses ad hoc é prática comum nos chamados períodos de ciência normal nos quais, segundo Thomas Kuhn, a dogmatização, de forma lamentável, chega a ser tolerada, quando não defendida. Não se deve confundir "procura" de variáveis escondidas, o que pode resultar na "incorporação" de novas hipóteses, com "aceitação" pura e simples de novas hipóteses: a primeira apóia-se na experimentação e sujeita-se ao método científico; a segunda nada mais é do que um artifício a "burlar" a falseabilidade. No século XX, o paradoxo mais comentado, sem dúvida alguma, foi o paradoxo dos gêmeos, também conhecido como paradoxo dos relógios, a pleitear a inconsistência da teoria da relatividade de Einstein. Sob certos aspectos, podemos também dizer que a experiência EPR, de pensamento, retrata outro paradoxo, agora a contradizer a mecânica quântica. Deixadas as paixões de lado, nenhum dos dois paradoxos foi ainda resolvido, e é suficiente perpassar os olhos pelos grupos de discussão internacionais da Usenet para verificar quão grande é o número de acadêmicos que, alheios ao dogmatismo que se apossou da física no século XX, dispõem-se a discutir o que, para os dogmáticos adeptos de Thomas Kuhn, não comportaria discussão alguma. Paradoxos menores pipocam aqui ou acolá, e não posso deixar de citar um paradoxo que construí há mais de cinco anos (Einstein Equivalence Principle is wrong?), tentando mostrar a inconsistência do princípio da equivalência de Einstein. Recebi, em 1998, algumas críticas, no newsgroup sci.physics.relativity, sobressaindo, dentre estas, a argumentação do Paul Andersen que, se não convincente, traz à tona idéias novas, ainda que ad hoc. Refiz a argumentação (Einstein-Faraday's Elevator) e estou, há quase 2 anos, sem receber crítica alguma, nem dos frequentadores dos newsgroups onde a reformulação foi postada (sci.physics.relativity e alt.sci.physics.new-theories, além de outros nacionais), nem dos leitores do meu Web que, neste período, recebeu um número razoável de visitantes. Comento alguma coisa a respeito em "Diálogos Usenet 06" (vide item 7). Vamos agora ao que interessa: O paradoxo, referido na mensagem 13, foi apresentado aos newsgroups sci.physics.relativity, alt.sci.physics.new-theories, uol.ciencia, brasil.ciencia.fisica e pt.ciencia.geral e, se não me falha a memória, aqui na lista física, nos seguintes termos: Sejam dois compartimentos, 1 e 2, separados um do outro por uma membrana sólida, adiabática e móvel (figura 5, reproduzida ao lado - clique na figura para ampliá-la). Suponhamos que suas pressões sejam, respectivamente, p1 e p2 e tais que p1 > p2. Conforme referi na mensagem 13: "Descobri esse paradoxo em 1975 e o apresentei em seminário da disciplina de Termodinâmica Aplicada a Sistemas Biológicos, na Usp (Fisiologia). Até hoje não encontrei uma solução convincente, por mais que tenha procurado. Postei o mesmo em vários newsgroups nacionais e internacionais e o paradoxo persiste, sem solução." Entre a mensagem 13 e esta fui obrigado a refletir muito sobre os fundamentos da termodinâmica e, ao que tudo indica, consegui, dentre muitas idéias que foram aparecendo e que fui passando para o papel, encontrar a solução para o paradoxo. Uma única frase do que escrevi nestas mensagens gerou-me o insight. Espero brevemente apresentar a possível solução, acrescentando, talvez, algumas idéias novas relativas à irreversibilidade e que nunca me ocorreram antes. Foi pensando nisso que escrevi acima, no terceiro parágrafo desta mensagem: "Nem sempre o paradoxo, ao ser resolvido, mostra-se inconsistente. Não raramente, chama a atenção para algo inerente à teoria e que não estava sendo devidamente valorizado, a ponto de ter gerado o paradoxo." AbraçosAlberto
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