Alberto Mesquita Filho
Editorial - Integração VIII(28):83-4,2002
É preciso que não tenham medo de dizer alguma coisa que possa ser considerada como erro. Porque tudo que é novo, aparece aos olhos antigos como coisa errada. É sempre nesta violação do que é considerado certo, que nasce o novo e há a criação. E este espírito deve ser redescoberto pela juventude brasileira.
Mário Schenberg
Caro Geraldo [1]
Em mensagem anterior comentei sobre a existência de alguns essenciais da natureza e que, como tais, não se prestam a definições: matéria, espaço e tempo. Nada mais são senão atributos metafísicos do Universo a partir dos quais o físico pode iniciar o estudo da natureza. Representam, para a física, um ponto de partida, assim como ponto, reta e plano para a geometria de Euclides.
Nos primórdios da física clássica sentiu-se a necessidade da elaboração de alguns conceitos a partir desses pré-existentes. Surgiram então, progressivamente, os chamados constructos de alto nível, tais como a massa, a força, a quantidade de movimento, a energia etc. Foi um passo ousado dado pelos gigantes do passado, não sem antes terem se dado conta da existência de atributos elementares que já podiam ser encarados como propriedades físicas, passíveis não só de conceituação mas também de mensuração: distância, intervalo de tempo e quantidade de matéria. A partir de então, os físicos começaram a entender muitos aspectos relacionados ao movimento da matéria
Tão logo a idéia do estudo do movimento se firmou, percebeu-se a importância das interações entre os objetos: interações por contato e interações a distância. Conhecido o caminho, perceberam os estudiosos do assunto que os fenômenos naturais podiam ser descritos de maneira muito mais simples se fosse adotada uma visão conservativa. Por trás dessa aparente necessidade metodológica residiam alguns dentre os segredos do Universo, a espera de serem descobertos. Fica-nos então a impressão de que os princípios, pelo menos da maneira como os enunciamos, não foram descobertos mas sim convenientemente fabricados e a relacionarem-se de alguma maneira a esses segredos universais.
Do estudo de choques (interação por contato), por exemplo, chegou-se à conservação de algumas características vetoriais do movimento, através de uma definição conveniente do que seria a massa inercial. Um passo adiante e foi possível caracterizar a energia cinética como um escalar a se conservar em choques ideais.
A energia ganhou em importância, haja vista ter se mostrado tanto mais conservativa quanto mais generalizante e a congregar áreas da física à primeira vista distintas. O estudo de objetos em movimento em campos de força, por exemplo, foi amplamente facilitado pela construção de um outro atributo, a energia potencial: a partir do conceito de força, conseguiu-se caracterizar a energia potencial de um corpo colocado numa dessas regiões do espaço de tal forma que, deixando-se o sistema evoluir espontaneamente, a soma energia cinética + energia potencial permanecesse constante. E a esta soma deu-se o nome de energia mecânica.
A conservação ocorre por conta de uma opção, mas não foi apenas uma opção contábil destinada a zerar determinados caprichos dos físicos, mas algo intimamente relacionado a alguns dentre os segredos do Universo. Tanto é que a mecânica pode ser descrita por leis diferentes e consegue-se, de maneira nem sempre simples, deduzir umas a partir de outras. Por um vício de linguagem, costuma-se chamar as leis, construídas dessa maneira, como princípios; mas isso não chega a ser errado pois percebemos que efetivamente existem princípios de ordem superior a justificarem estas leis.
No século XIX, o médico Mayer, e posteriormente Joule, perceberam a existência de uma equivalência entre o calor e o trabalho, este último a retratar um transporte visível de energia mecânica entre um sistema e outro. Não demorou muito para que se constatasse que o segredo universal relacionado à energia ia além do que era conhecido pela mecânica da época. Em cima desta idéia, e também de trabalhos outros devidos ao engenheiro Carnot, desenvolveu-se a termodinâmica e não foi difícil a partir de então expandir o princípio da conservação para as demais áreas, tais como óptica e eletromagnetismo.
A massa inercial foi construída, no século XVII, para caracterizar a resistência de um corpo à modificação de seu estado de movimento. De certa forma, relaciona-se ao que poderíamos chamar quantidade de matéria. Não obstante, massa é um constructo e matéria é a essência a permitir a construção do conceito massa. Nos primórdios do século XX, Poincaré, Einstein e outros, perceberam a existência de uma relação íntima entre massa inercial (constructo) e energia (também constructo).
Alguns físicos julgam poder misturar constructo com essência ao assumirem que energia e matéria representam a mesma coisa. Se pretendermos dar crédito a esses físicos, concluiremos estarmos indo além da física e decifrando, desta maneira, a essencialidade da matéria. Sem dúvida existe um parentesco muito grande entre os conceitos, mesmo porque utilizamo-nos da matéria em movimento para definir a energia. Não obstante, parece-me que estes físicos estão andando em círculo. Raciocinando sob um ponto de vista epistemológico, parece-me que não chegarão a lugar algum por esta via.
E a famosa equação E = mc²? Bem, essa é uma expressão que tem se mostrado verdadeira em alguns casos. Mas pergunto: O que significam "m" e "E"?
Digamos que estamos estudando um elétron acelerado num campo elétrico uniforme. Se ele partiu do repouso, sua energia cinética inicial E(i) será igual a zero. Se a massa do elétron for m, após percorrer uma distância “d” a sua energia cinética final será E(f) = ½mv². Esta velocidade final v poderá ser estimada a partir da física clássica desde que se conheça as propriedades do campo; e também poderá ser medida experimentalmente. Por incrível que pareça, os valores não são compatíveis e a incompatibilidade será tanto maior quanto mais a velocidade real do elétron estiver próxima da velocidade da luz c. E a velocidade medida será sempre inferior à velocidade calculada através de raciocínios clássicos.
À primeira vista, tudo se passa como se o elétron não conseguisse extrair toda a energia do equipamento; ou então que estivesse perdendo essa energia sob alguma forma desconhecida. Mas isso pode ser testado: Fazendo-se esse elétron incidir sobre um calorímetro, percebe-se que ele transporta essa energia! Simplesmente não a manifesta sob a forma de ganho em velocidade.
Poderíamos concluir apressadamente que parte da energia não se manifesta como ganho em velocidade mas transforma-se em massa. Aceitando este argumento não será difícil, utilizando as convenções relativistas de Einstein, concluir que realmente E = mc², onde m é a massa, agora variável, e E representa a energia relativística total do elétron.
Por que eu disse que a conclusão foi apressada? Porque está se admitindo, sem respaldo experimental nenhum a garantir esta suposição, que um elétron é idêntico a uma carga elétrica em miniatura
[2]. Suponhamos, por hipótese, que o elétron fosse uma partícula diferente de uma carga elétrica. Digamos que, dentre outras diferenças, ele apresentasse um giro real, e não apenas aquele artefato virtual que os físicos quânticos denominam por “spin”.
Ora, se o elétron gira de fato, o que uma carga elétrica em repouso via de regra não faz, é possível que num campo elétrico ele se comporte de maneira um pouquinho diferente daquela prevista para uma carga elétrica. Digamos então que ao ser acelerado, e graças a propriedades inerentes a sua estrutura interna, parte da energia recebida seja acrescentada ao seu giro. Ora, esse acréscimo na energia cinética de rotação jamais será constatado por um aparelho cego ao giro e a medir tão somente a velocidade v de translação. Não obstante o elétron incorpora essa energia e, ao chocar-se com o calorímetro, devolve ao meio exterior essa energia. Mas se isso for verdade o aumento de massa não passa de ficção. E, consequentemente, não existe nenhuma transformação de massa em energia! Logo, e a ser verdadeiro este argumento, mesmo se aceitarmos que a massa relaciona-se com a quantidade de matéria, de maneira alguma poderemos dizer que matéria transforma-se em energia ou que matéria e energia são coisas comuns.
O importante é perceber que ou o fenômeno é relativístico, e teremos de arcar com todos os ônus inerentes a essa relatividade moderna, ou o fenômeno é clássico, e teremos de retomar os ensinamentos dos grandes físicos clássicos. Mas para retornarmos à física clássica não basta redefinir o elétron e dotá-lo de giro. Pois à medida em que a relatividade torna-se redundante para o efeito comentado acima, fica-nos a tarefa de ter de justificar outros de seus aparentes sucessos. Por exemplo, o efeito Michelson-Morley. Este somente será explicável pela física clássica se abandonarmos a concepção ondulatória para a natureza da luz. A luz deverá ser explicada única e exclusivamente por teorias de emissão. Se o que é emitido é matéria ou não, este é um outro problema.
A.M.F.
Referências:
- Geraldo Antunes Cacique é engenheiro e teorizador em física e tem um site na Internet intitulado “Deduções Lógicas”, que está no URL
http://www.deducoeslogicas.com/. O texto aqui apresentado é adaptação de uma das mensagens que escrevi a ele.
- Este assunto chegou a ser comentado no Editorial do número 26 de Integração (maio de 2001) sob o título
Sobre as origens da física moderna.
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